A Justiça Federal decidiu manter a condenação da União a indenizar o juiz Marcos Josegrei da Silva, pelos insultos proferidos pelo ministro Gilmar Mendes durante duas sessões da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
Gilmar Mendes, durante julgamento de habeas corpus impetrado por um dos acusados na Operação Carne Fraca, chamou o juiz Marcos Josegrei da Silva de “ignorante”, “sem qualificação”, “imbecilizado”, “analfabeto voluntarioso” e “estrupício”.
O acusado que Gilmar queria soltar – e conseguiu – era o chefe do esquema que recebia propinas para não fiscalizar os frigoríficos, Juarez José de Santana, posteriormente condenado a 32 anos de cadeia por 11 crimes – 9 crimes de corrupção, além de advocacia administrativa e organização criminosa.
O juiz Marcos Josegrei da Silva – responsável por julgar os casos da Operação Carne Fraca – entrou com ação na Justiça Federal, pedindo indenização por danos morais à União pelos insultos de Mendes, uma vez que ele proferiu os xingamentos quando estava na função de “agente público” (isto é, ministro do STF).
O juiz ganhou a causa em primeira instância, mas a União recorreu. Na segunda-feira (18/11), por unanimidade, a Primeira Turma Recursal da Justiça Federal do Paraná confirmou a condenação da União a pagar indenização de R$ 20 mil ao juiz (com atualização pelo IPCA-e, mais juros de mora de 0,5% ao mês a partir da data dos últimos xingamentos de Mendes).
Em seu relatório, a juíza Márcia Vogel Vidal de Oliveira, além de transcrever a totalidade do que foi dito por Mendes, destaca os seguintes trechos, proferidos diante das câmaras de TV que transmitiam a sessão da 2ª Turma do STF:
“… parece que era uma troika de ignorantes: delegado, procurador e juiz” (…);
“… essa gente deveria ser internada em algum lugar e se submeter a cursos forçados, porque não tem qualificação alguma para entender absolutamente nada. Não entendem nada de nada”;
“Veja o perigo de se dar poder a gente desqualificada e irresponsável”;
“… nem sei se tão garotos assim, muito imbecilizados, com certeza, sem qualificação para função”;
“… deu-se bomba atômica para analfabetos voluntariosos”;
“… nós não podemos entregar bomba atômica para inimputáveis” (julgamento da AgR na PET nº 3.240, 10/05/2018).
E, em outra sessão da 2ª Turma do STF:
“O delegado – o nome precisa ser dito, não se pode esquecer – é o delegado Maurício Moscardi. O procurador que assina a denúncia é Alexandre Melz Nardes. E o juiz, Marcos Josegrei. Têm responsabilidade sobre isso. Portanto é uma coisa chocante, chocante (…) Todos querem virar um Moro, ganhar um minuto de celebridade. Não precisamos de corregedores, mas de psiquiatras. Porque é um problema sério. Quer dizer, os estrupícios se juntam e produzem uma tragédia. Produzem uma tragédia. É constrangedor” (STF, Segunda Turma, 14/08/2018).
Em seu recurso, a União argumentou que era Gilmar Mendes quem deveria ser processado pelo juiz e, eventualmente, pagar a indenização.
Porém, disse a juíza Vogel Vidal, “as críticas não foram realizadas no âmbito das atividades privadas do agente (como por exemplo, em livros, artigos acadêmicos ou entrevistas para a imprensa ou redes de televisão), mas durante o efetivo desempenho de suas funções públicas, na qualidade de magistrado da Suprema Corte. É nítido, portanto, que, neste caso, a atuação do agente público se confunde com a do próprio do Estado”.
Nota, também, a juíza, que Gilmar Mendes faltou com a verdade sobre as investigações da Operação Carne Fraca:
“… o excelentíssimo Ministro do STF praticou a conduta prevista nos arts. 49, I, da LOMAN [Lei Orgânica da Magistratura], e 143, I, do CPC [Código de Processo Penal], ao atuar, no mínimo, de modo temerário no julgamento do Habeas Corpus 151.788, divulgando publicamente informações inverídicas a respeito da ‘Operação Carne Fraca’ para o específico fim de depreciar a atuação de seus agentes. O magistrado da Suprema Corte proferiu o seu voto mencionando que as investigações teriam por objeto a venda de ‘carne com papelão’, aproveitando a oportunidade para dirigir uma série de palavras ofensivas ao autor, condutor da Operação, visando desqualificar não apenas o seu trabalho, mas, sobretudo, a sua pessoa. Buscou-se, assim, humilhar o magistrado de primeiro grau. Não se pode ignorar que o próprio autor, mais de um ano antes, já havia esclarecido publicamente que as investigações não tinham nenhuma relação com a utilização de substâncias impróprias na carne, ao contrário do que estava sendo divulgado pelos meios de comunicação até então” (grifos nossos).
Mais grave ainda:
“Além disso, é importante destacar que o Habeas Corpus 151.788 estava sendo julgado pelo STF no âmbito da ‘Operação Carne Fraca’. Ao analisar um processo referente àquela operação, o excelentíssimo Ministro da Corte Suprema já tinha ciência (ou ao menos deveria ter) de que a informação acerca da utilização de substâncias impróprias na carne não correspondia à realidade e ao objeto do processo” (grifo nosso).
Frisou a juíza que os comentários de Gilmar Mendes foram “desrespeitosos”, “atingindo a dignidade” do juiz Marcos Josegrei da Silva e “à margem de conteúdo ou técnica jurídica”.
“Quaisquer comentários impertinentes à causa analisada pelo magistrado e que ofendam a honra das pessoas envolvidas no processo não encontram guarida no ordenamento jurídico”, sintetizou a juíza Márcia Vogel Vidal de Oliveira.
Somente uma curiosidade, que pode ocorrer também ao leitor: por que Gilmar Mendes estava querendo tanto – a ponto de ofender grosseiramente um juiz, além do procurador e o delegado – soltar o chefe do esquema de propinas capturado pela Operação Carne Fraca?
Isso não sabemos, leitor. Dizem que foi apenas por amor à pureza do Direito.
C.L.