Não abordamos, por excesso de asneiras do Bolsonaro na sexta-feira (19/07), a questão da Agência Nacional do Cinema (Ancine).
O leitor vai nos compreender, apesar de ser uma falha: com um cardápio tão grande – agressões aos governadores nordestinos; mentiras sobre a prisão e tortura de Míriam Leitão; descobertas de que a fome no Brasil é uma mentira; de que o desmatamento foi fabricado pelo Inpe; e de que a embaixada do Brasil em Washington é um filé mignon para servir ao filho -, alguma coisa acabou ficando fora.
No sábado (20/07), Bolsonaro, em frente ao Palácio da Alvorada, essa construção comunista de Oscar Niemeyer, perguntou a um magote de bolsonaristas:
“Vamos fechar a Ancine ou não vamos?”
E o magote, um pouco desanimado, talvez porque a maioria nem sabe o que é Ancine:
“Vamos”
No dia anterior, Bolsonaro disse que a Ancine usa dinheiro público para fazer “filmes pornográficos”. E apresentou, como exemplo, “Bruna Surfistinha”.
De onde se conclui que ele é um grande apreciador de filmes pornográficos. Se não fosse, como poderia emitir essa crítica cinematográfica sobre “Bruna Surfistinha”?
Além disso, todos se lembram do vídeo pornográfico que ele postou, durante o carnaval, no Twitter.
Onde foi que ele achou aquele vídeo, se não fosse chegado ao assunto?
Porém, para impedir a pornografia na Ancine, Bolsonaro quer transferi-la do Rio de Janeiro para Brasília. Certamente, o ambiente da atual capital federal deve ser menos dissoluto que aquele da antiga capital federal – uma cidade, por sinal, em que Bolsonaro foi eleito vereador, e, depois, sete vezes deputado federal, para não mencionar a sua votação para presidente.
Mas o Rio deve ser um perigo, com aquelas mulatas esplendorosas que saem no carnaval…
O que isso tem a ver com pornografia? Nada, leitor, mas não estamos tratando de gente normal.
Bolsonaro disse, também, que vai estabelecer um “filtro” para os filmes brasileiros:
“Vai ter um filtro sim. Já que é um órgão federal, se não puder ter filtro, nós extinguiremos a Ancine.”
A Ancine foi criada por Medida Provisória transformada em lei, em 2001, conhecida como Lei da Agência Nacional do Cinema (ANCINE).
Portanto, Bolsonaro não pode extinguir a Ancine. Nem mexer nos mecanismos de financiamento, também definidos em lei.
Para isso, teria que aprovar um projeto de lei nas duas Casas do Congresso, o que, todos sabem, é pouquíssimo provável.
Mas… e os “filtros”?
Indagado sobre que filtros quer instituir para os filmes brasileiros, ele esclareceu:
“Culturais, pô”.
E continuou:
“Temos tantos heróis no Brasil, e a gente não fala dos heróis do Brasil, não toca no assunto. Temos que perpetuar, fazer valer, dar valor a essas pessoas no passado deram sua vida, se empenharam para que o Brasil fosse independente lá atrás, fosse democrático e sonha-se com um futuro que pertence a todos nós.”
“Independente” e “democrático”?
Para quem, no mesmo dia, berrou que um caso notório de tortura – admitido até por seu vice-presidente, Hamílton Mourão, que é insuspeito nessa questão – era “mentira, mentira”, Bolsonaro se converteu rápido à democracia. Quanto à independência, que um “poodle” do Trump resolva dar aulas sobre isso aos cineastas, era só o que faltava. Aliás, não falta mais.
Façamos justiça: durante a ditadura, na época do sesquicentenário da Independência, houve um filme histórico (“Independência ou Morte”, de Carlos Coimbra, com Glória Menezes, Tarcísio Meira e Dionísio Azevedo), que até não era ruim, talvez devido ao roteiro de Anselmo Duarte, Lauro César Muniz e Abílio Pereira de Almeida. O filme fez até bastante sucesso.
Mas Bolsonaro, em relação à independência, é muito pior que a ditadura, que nunca saiu por aí, publicamente, lambendo os sapatos de Nixon, tal como ele faz com os de Trump.
Então, que heróis são esses que ele quer passar no seu “filtro” de filmes brasileiros?
Quem matou primeiro a charada (é verdade que não muito difícil) foi Eliane Catanhêde:
“O governo vai parar de financiar ‘filmes pornográficos’, instituir ‘filtros’ na cultura e enaltecer ‘heróis nacionais’. Ai, que medo! Bolsonaro vai assumir pessoalmente o controle da produção cultural, trocando o que considera ‘pornográfico’ por seus próprios valores – talvez, quem sabe, por filmes evangélicos… E o que entende como ‘herói’? Brilhante Ustra, como Pinochet e Stroessner?”
Pois é isso mesmo.
C.L.