Depois de passar em fuga quase quarenta anos, sempre se dizendo inocente e vítima de perseguição, o italiano Cesare Battisti confessou, em depoimento no fim de semana no presídio de Oristano ao procurador Alberto Nobili, os quatro assassinatos pelos quais fora sentenciado à prisão perpétua em 1993 e ainda admitiu participação no ferimento de outras três vítimas. “Eu nunca fui vítima de injustiça e enganei a todos que me ajudaram”, acrescentou o condenado italiano, se referindo àqueles que foram manipulados por suas alegações de inocência.
Capturado na Bolívia após ter seu asilo cancelado no Brasil e sua prisão pedida, Battisti foi extraditado para a Itália, onde se encontra desde janeiro. O depoimento durou nove horas e foi acompanhado por seu advogado Davide Steccanella.
A tardia confissão de Battisti causou enorme repercussão na Itália e foi noticiada pelos principais jornais do país. “Pareceu-me testemunhar uma espécie de rito libertador”, disse o chefe do grupo antiterrorista do Tribunal de Milão.
Em entrevista em 2014 ao programa Diálogos, de Mario Sergio Conti, na GloboNews, ele asseverou que nunca matou ninguém. Jurava ser vítima de perseguição, condenado à revelia com base em uma delação premiada firmada por um ex-integrante.
Battisti fez parte, na década de 1970, daqueles grupos de filhinhos de papai desajustados, que em plena vigência do regime democrático na Itália, e na iminência de se realizar a convergência do setor mais avançado da Democracia Cristã com os comunistas do PCI para um governo progressista e antimonopolista, fizeram o jogo dos neofascistas e dos imperialistas, consciente ou inconscientemente, cometendo atentados e outros crimes, o pior deles o sequestro e assassinato em 1978 do primeiro-ministro Aldo Moro, o que inviabilizou o chamado “acordo histórico”.
O grupelho em que Battisti se alistou era um tal de ‘Proletários Armados pelo Comunismo’ – que, claro, não eram proletários e, menos ainda, comunistas. Apenas joguetes, em uma década em que os EUA estavam em profunda crise, o movimento de massas irrompia no mundo inteiro e ditaduras iam ao chão.
Segundo Nobili, Battisti lhe disse “perceber agora” o mal que fez, o que o leva agora a “pedir desculpas às famílias das vítimas”. “Estou na prisão, estou condenado à prisão perpétua e aproveito para fazer uma certa revisão”, acrescentou.
Battisti prova “um forte constrangimento e percebeu que ele havia contribuído para criar uma imagem de si mesmo que era absolutamente negativa por sua maneira zombeteira em que ele se propôs em entrevistas”, disse o procurador.
Conforme Nobili, Battisti revelou ter ele próprio disparado contra duas das vítimas e participado, dando cobertura, em mais dois assassinatos. Sempre figuras menores, um guarda carcerário, um agente de polícia (pelas costas), um açougueiro neofascista e um joalheiro de Milão (neste, o filho do joalheiro ficou paraplégico).
A grande admissão de Battisti foi, como assinalou o jornal La Stampa, o julgamento histórico sobre os anos de chumbo: “A luta armada esmagou o desenvolvimento do movimento de 68, que teria levado a um progresso real social e político da sociedade italiana”. “Naqueles anos”, ele relatou aos magistrados, “achei que era uma guerra justa, mesmo que agora pareça loucura para mim”.
Quanto a supostos cúmplices, Battisti se manteve calado, com a procuradoria registrando que ele “não cooperou de forma alguma com a investigação de Milão sobre a rede de possíveis apoiadores”. Seu advogado acrescentou que ele “falou exclusivamente de si mesmo e tudo ocorreu em um clima de máxima correção e transparência em relação aos respectivos papéis, sem objetivos diferentes”.
“No esforço para reconstruir, depois de tanto tempo, uma parte da vida que remonta a quando ele tinha pouco mais de 20 anos – acrescentou o advogado – Battisti reconheceu com sofrimento, mas sem qualquer pretensão, sua responsabilidade por todos os fatos pelos quais ele havia sido condenado, o último dos quais em abril de 1979”. Atualmente, ele está com 64 anos.
Inicialmente, Battisti foi condenado a 12 anos, o que foi mudado depois para duas penas de prisão perpétua. Ele fugiu da cadeia em 1981 e se refugiou na França, onde viveu alguns anos antes de se mudar para o México. Na década seguinte, voltou para Paris, sob proteção de uma lei do governo Mitterrand.
Em 2004, fugiu para o Brasil, após ter seu status de refugiado revogado pelo presidente Jacques Chirac. Recebeu asilo em 2009, depois de ter tido preso no Rio de Janeiro em 2007. Sua extradição foi pedida pela Itália, o que o STF considerou procedente, mas a extradição foi negada por decisão do presidente Lula.
Em 2017, Roma solicitou do presidente Temer a revisão da decisão sobre Battisti. No final do ano passado, o ministro Luiz Fux determinou a prisão do italiano e abriu caminho para a extradição, confirmada por Temer. Na Bolívia, Battisti, após ser preso, tentou obter asilo por carta em que se declarava inocente dos quatro homicídios.
A.P.