Não fosse o Congresso Nacional pressionar o governo e a ajuda emergencial seria de R$ 200 e estados e municípios estariam à míngua
Jair Bolsonaro usou sua live das quintas-feiras para repetir pela enésima vez, desta vez no dia 16, que a pandemia do coronavírus não é tão grave assim.
Realmente não há novidade alguma nesta fala de Bolsonaro, afinal de contas, ele é criticado no mundo inteiro por ser um negacionista. Para ele a pandemia não existe. O escandaloso mesmo é o presidente dizer isso no mesmo dia em que o Brasil atingiu o número de 76.822 óbitos pela Covid-19.
“Não podemos continuar sufocando a economia! Dá para entender que a falta de salário, a falta de emprego mata, e mata mais que próprio vírus? Será que tá difícil? Será que tô errando ao falar isso daí? Eu tenho que ter mais responsabilidade?”, disse ele.
Essa afirmação mostra que Bolsonaro não se satisfaz só em desdenhar a gravidade da pandemia. Ele também admite que está sufocando a economia.
Não fosse o Congresso Nacional pressionar o governo e a ajuda emergencial seria de R$ 200. Não fosse a grita geral da sociedade e os “necessitados” estariam até hoje nas filas da Caixa para receber a primeira parcela da ajuda. As milhões de pequenas e médias empresas não tiveram acesso ao crédito emergencial. Bolsonaro só ajudou os bancos. Deu a eles uma “injeção de liquidez” de 1,2 trilhão logo no início da pandemia. Nada disso chegou na ponta. Por isso ele fala em sufocar a economia. É isso o que eles está fazendo.
Num outro momento da live ele disse: “eu podia ficar quieto, afinal de contas o Supremo Tribunal Federal disse que quem decide tudo nessa área são Estados e municípios. E ponto final.”
O Supremo não autorizou o governo a lavar as mãos enquanto dezenas de milhares de brasileiros estão morrendo. So nesta sexta-feira foram 1.299 os óbitos. Os ministros da Corte não autorizaram o governo a desmontar o Ministério da Saúde, enchendo de militares sem experiência na saúde, em plena pandemia, como fez Bolsonaro. O que o STF fez foi autorizar os estados e municípios a seguirem as orientações das autoridades sanitárias contra as insanidades de Bolsonaro.
O Fato é que o presidente usa de novo sua live para desviar a atenção dos erros graves que seu governo está cometendo.
Defende o uso da cloroquina para esconder que seu governo não está fazendo nada para proteger a população. Ele não fala nada de testes, de vacinas, de internações, de atuação das equipes de saúde. Só fala em cloroquina.
O argumento para usar essa droga é típico dos charlatães. “Se não tem alternativa, por que proibir [a cloroquina]? Ah, não tem comprovação científica que seja eficaz. Mas também não tem comprovação científica que não tem comprovação eficaz [de eficácia, provavelmente]. Nem que não tem, nem que tem”, diz ele.
Mentira. A ciência comprovou a ineficácia da cloroquina na Covid-19.
Uma doença onde 85% das pessoas infectadas terão sintomas leves e não precisarão de internação hospitalar, já que seu próprio organismo eliminará o vírus, é um terreno fértil para o surgimento do charlatanismo.
Não fazendo nada, a maioria esmagadora da população vai melhorar dos sintomas e será curada espontaneamente. Os restantes 15% necessitarão de internação e, de 3 a 5%, necessitarão de UTI. Alguns desses morrerão.
Numa situação como esta é comum surgirem os “remédios milagrosos”. Se for usado ipê roxo, por exemplo, 85% das pessoas evoluirão com melhora espontânea dos sintomas.
Se for trocada a medicação para ipê amarelo ou cloroquina ou água com açúcar, os sintomas da grande maioria dos usuários vão melhorar. Haverá os apologistas das “drogas salvadoras”. Tanto o ipê roxo quanto o ipê amarelo, quanto a cloroquina, ou a água com açúcar serão vendidos pelos charlatões como drogas eficazes. E é isso o que faz Bolsonaro com a cloroquina.
“É uma realidade: tem muita gente quando toma, como meu caso, no dia seguinte tava bom, pô! Foram embora os sintomas”, disse ele na live.
O fato é que, se não tomasse, também melhoraria, porque, como dissemos, 85% dos infectados vão melhorar. Mas, Bolsonaro não quer saber de nada disso. Como um charlatão, ele quer continuar sem fazer o que um presidente da República tem que fazer numa situação como esta. Ele prefere ficar falando do uso da cloroquina.
Mais do que isso, ele afronta toda a ciência mundial que já fez exaustivos testes com essa droga e chegou à conclusão que ela infelizmente não é eficaz. A cloroquina não só não tem eficácia como apresenta efeitos colaterais graves. Todos os grande órgãos científicos e hospitais sérios do mundo já desaconselham o uso da cloroquina no tratamento da Covid-19.
Só Bolsonaro insiste nisso. “Por que negar [a cloroquina]? Não tem outra alternativa”, insiste ele.
Aliás, ele é o único no mundo a fazer apologia deste uso. Todos os trabalhos científicos que analisaram o uso da cloroquina chegaram à conclusão de que ela é ineficaz. Nenhum chefe de estado defende o seu uso. Nem Trump, o guru de Bolsonaro, que no começo defendia, não defende mais.
Nos EUA, o CDC (Centro de Controle de Doenças) afastou definitivamente o uso da cloroquina para o tratamento da Covid-19. No Brasil, apesar de Bolsonaro ter obrigado o Ministério da Saúde a recomendar seu uso, ela foi abandonada em todos os grandes centros do país. O Hospital Albert Einstein que estudou a droga, suspendeu seu uso.
As dezenas de milhares de mortes de brasileiros poderiam ser evitadas se o governo tivesse tomado atitudes firmes no combate à doença.
Se tivesse assumido a coordenação da luta contra o coronavírus, se tivesse investido recursos na produção e aquisição de insumos para testes diagnósticos para viabilizar o rastreio de infectados e a busca de casos nas populações expostas, certamente teríamos menos casos e menos mortes.
Os países que fizeram isso, como a China, a Coreia do Sul e outros, mostraram bons resultados. Bolsonaro nem mesmo ajudou como devia os estados a criarem leitos de UTI.
Ele deixou os estados e municípios à própria sorte e, muitas vezes, sabotou a liberação de recursos para o combate à Covid-19. Agora quer jogar nas costas dos governadores e prefeitos a responsabilidade pelo desastre. Diz que foi o abandono do uso da cloroquina que causou as mortes.
“Imagina daqui a algum tempo… Por que vai ter a comprovação científica, mais cedo ou mais tarde… Diga que a hidroxicloroquina é eficaz nesse caso? E aqueles que proibiram em seus estados e proibiram em seus municípios, o uso disso aqui? Quantas mortes podiam ser evitadas?”
Aí, numa clara demonstração de que não governa e não tem compromisso com nada a não ser sua guerrinha estúpida de poder, Bolsonaro lança outra coisa para desviar atenção. Mais uma “droga milagrosa”.
“Também agora está aí, estão apresentando o Annita. Não sou médico, não recomendo nada para ninguém. O que recomendo é que procure o médico… Você que está com parente, um amigo, um idoso que tá com sintomas, procure um médico. Doutor, ministra ou não hidroxicloroquina? Ministra Annita ou não? O que o senhor recomenda? O médico vai falar alguma coisa. Pode falar ‘vai para casa e deite’. Aí você decide e procura outro médico se quiser”, disse ele.
SÉRGIO CRUZ