“Mantenha suas tropas em seus próprios edifícios ou tire-as da nossa cidade”, exigiu o prefeito de Portland, Ted Wheeler, diante da truculência das forças federais, que vêm atacando com gás lacrimogêneo e balas de borracha manifestantes pacíficos que exercem seu direito de expressão contra o racismo e a injustiça. Um manifestante atingido por uma bala de borracha disparada à queima-roupa teve o crânio fraturado na semana passada.
“O que está acontecendo aqui é que temos dezenas, talvez centenas, de tropas federais chegando na cidade. O que eles estão fazendo é agravar a situação”, denunciou Wheeler em declarações ao programa “Stage of the Union”, da CNN.
“Na verdade, a presença de agentes federais está resultando em mais violência e vandalismo. Não estão ajudando em nada. Não os quero aqui. Não os chamamos. Assim, quero saiam”, continuou Wheeler.
A truculência das forças federais de Trump em Portland também foi rechaçada pela governadora democrata, Kate Brown. “Eles só querem escalar [o confronto]. Eles querem dominar as ruas”.
Terceiro maior porto da costa oeste, e maior cidade do estado de Oregon, Portland foi cenário de grandes manifestações de repúdio ao linchamento de George Floyd e os trabalhadores portuários chegaram a fazer uma paralisação em solidariedade.
As forças federais que Trump enviou são tropas de elite da Imigração e da Segurança Interna (Homeland), sob o pretexto de que era preciso “proteger” os prédios federais de Portland da suposta repetição da “área libertada” de Seattle, no vizinho Washington.
Ao visitar Portland, o secretário de Segurança Interna do governo Trump, Chad Wolf, classificou os manifestantes de “anarquistas sem lei”, dando o sinal verde para que seus comandados cometessem todo tipo de desmando.
SEQUESTRO
A Rádio Pública de Oregon noticiou – o que foi confirmado por vídeos – que agentes de Trump sem identificação circulam em veículos sem placa e capturam supostos manifestantes, que sequer estão próximos de prédios federais.
O porta-voz de Brown, Charles Boyle, disse na sexta-feira que a prisão de pessoas sem causa possível é “extremamente preocupante e uma violação de suas liberdades civis e direitos constitucionais”.
“Normalmente, quando vemos pessoas em veículos não identificados tirando à força alguém da rua, chamamos de sequestro”, afirmou Jann Carson, diretor-executivo interino da seção estadual da principal entidade de defesa das liberdades democráticas dos EUA, a ACLU. “As ações dos agentes federais militarizados são claramente inconstitucionais e não ficarão sem resposta”, acrescentou.
Confirmando tudo, o vice da Homeland, Ken Cuccinelli, disse em entrevista à Rádio Pública (NPR) que seus agentes “usaram veículos não identificados para manter os mesmos a salvo e longe das multidões, ao mesmo tempo que levaram os detidos para um ‘local seguro para interrogatório’”.
A ACLU impetrou uma ação para deter os agentes federais de Trump que “aterrorizam a comunidade, põem vidas em risco e atacam brutalmente manifestantes que repudiam a brutalidade policial”.
Também a procuradora-geral de Oregon, Ellen Roseblund, foi aos tribunais contra o Departamento de Segurança Interna (Homeland), o Serviço de Xerifes federais e a Imigração e Alfândega por “violarem os direitos civis dos cidadãos de Oregon e os deterem sem causa provável”.
A ação assinala, ainda, que foi impossível identificar individualmente os agentes que cometem os atropelos por não usarem em operação “qualquer identificação, nem mesmo a agência que os emprega”.
MILÍCIA
O prefeito Wheeler chamou os agentes federais sem identificação de “exército pessoal de Trump”, acrescentando que a ingerência é “parte de uma estratégia coordenada da Casa Branca de Trump de usar tropas federais para reforçar seus números em declínio nas pesquisas”. Parte deles usa uniforme camuflado e parte, vestes escuras.
Tem sido parte da estratégia de reeleição de Trump dizer que “radicais” vão destruir a América e que o candidato democrata Joe Sonolento não passará de um foguete nas mãos deles. Mas, com 3,6 milhões de norte-americanos infectados e 139 mil mortos pela pandemia que dizia ser “uma gripe comum” e com dezenas de milhões de desempregados, as pesquisas continuam alarmando a Casa Branca, e o presidente até mudou de chefe de campanha.
Em entrevista no fim de semana, Trump asseverou que só quer “ajudar Portland” e que o problema é que seus líderes “perderam, há meses, o controle sobre os anarquistas e os baderneiros”. Isto é, aquela gente que toma gás lacrimogêneo e bala de borracha porque insiste em gritar que “não consigo respirar” e “vidas de negros importam” – e, o que é ainda pior sob o ponto de vista de Trump, aquela gente é branca…
O senador democrata por Oregon, Jeff Merkley, anunciou no sábado que irá apresentar emenda à lei de orçamento do Pentágono em discussão para “proibir o governo Trump de enviar seus esquadrões paramilitares às ruas da América”.
Concordando com o prefeito Wheeler, a governadora de Oregon reiterou que o confronto que Trump busca provocar em Portland tem como objetivo ganhar pontos políticos em outros lugares – possivelmente se referindo àquelas áreas em que a cloroquina continua com prestígio – e principalmente desviar a atenção sobre o desastre que é a resposta da Casa Branca à pandemia de coronavírus.
ABUSOS DE PODER FLAGRANTES
No final da noite de sábado, a presidente da Câmara dos Deputados, a democrata Nancy Pelosi, e o deputado de Oregon, Earl Blumenauer, divulgaram um comunicado de repúdio à ingerência em Portland. “Embora o objetivo imediato seja Portland, o que está acontecendo lá pode acontecer em qualquer cidade”, advertiram, lembrando o uso no mês passado de gás lacrimogêneo contra manifestantes pacíficos em Washington e os vídeos que mostram seqüestros de manifestantes em carros não identificados no porto da costa oeste.
Pelosi e Blumenauer sublinharam que isso está sendo feito “com o objetivo de inflamar as tensões em benefício próprio [do governo Trump]”. A Câmara dos Deputados, advertiram, “está comprometida em agir rapidamente para conter de imediato esses abusos de poder flagrantes”.