Secom deu vexame ao traduzir ‘vote out’, ‘tirar pelo voto’, como ‘eliminar’ e acusar a revista de apologista do homicídio. É no que dá fugir da escola e pendurar-se nos algoritmos do Google Tradutor
Matéria especial da revista britânica The Economist, com a sugestiva capa da estátua do Cristo Redentor no balão de oxigênio, que aborda o desastre vivido pelo Brasil sob Bolsonaro e a urgência de “tirá-lo nas urnas” [vote him out], causou um ataque de fúria no Palácio do Planalto que, em resposta, acusou a publicação fazer apologia ao “homicídio do presidente” e de colocar como tarefa prioritária “eliminá-lo”.
A acusação foi emitida pela Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), que acrescentou que a revista “enterra a ética jornalista e extrapola todos os limites do debate público”. Mas a frase da Economist não dá margem a dúvidas: “The most urgent priority is to vote him out”. Ou seja, “a prioridade mais urgente é derrotá-lo nas urnas”.
Parece que ao apelarem na Secom ao Google Tradutor, o algoritmo se atrapalhou e cometeu um “eliminá-lo” no lugar de “tirar pelo voto” – o que é quase literal -, ou “derrotar nas urnas”. Poderiam ter consultado o Eduardo Bananinha, expert no idioma de Shakespeare desde que andou por Tio Sam fritando hamburguers, e quem sabe, o vexame fosse evitado.
Mesmo aí, dado que era clara a referência ao termo “voto”, o desconfiômetro podia ter levado alguém a revisar a escolha do Google Tradutor por “eliminar”, que logo em seguida seria histericamente promovida a “apologia do homicídio”.
Nas redes sociais, há quem veja o dedo de Carluxo nisso. Como a jornalista Vera Magalhães, que tuitou: “Carluxo desistiu de intermediários e assumiu a Secom de vez? Que vergonha, meu Deus”.
Apelando ao próprio Google, não é difícil obter retornos como do dicionário Merriam-Webster, ligado à Enciclopédia Britânica, segundo o qual “vote (someone) out or vote out (someone): to decide by a vote that (someone) will no longer have an office or position”. Ou seja, “decidir pelo voto que (alguém) não mais terá um cargo ou posição”.
A Secom afirmou que “replicou a tradução transcrita no Estadão”.
ISOLAMENTO
Reveladora de quão isolado Bolsonaro está no mundo inteiro, a matéria da Economist é demolidora. Diz num trecho que “sob Pazuello, o ministério da saúde assemelhava-se a uma boca de fumo para hidroxicloroquina”. Aponta que o Brasil está “em coma” com Bolsonaro como médico.
“Mais de 87.000 brasileiros morreram de covid-19 em abril, o pior número mensal de mortes no mundo na época. As vacinas são tão escassas que as pessoas com menos de 60 anos não as receberão até setembro. E um recorde de 14,4% dos trabalhadores estão desempregados”.
Isso entre uma e outra referência à “falta de reformas fiscais” e aos que se demitiram “no time dos sonhos” de Guedes, o que se explica pelo credo neoliberal de que a revista sempre se jactou.
A Economist rememora como Bolsonaro foi “impulsionado” pela “facada” na eleição de 2018, e diz que ele emprestou de Trump muito das táticas de “populismo, chauvinismo e fake news”. Eleição em que, depois de décadas como deputado federal, se apresentou como ‘candidato de fora do sistema’.
Sobre o tipo de apoiador que Bolsonaro vem juntando, além dos meros espalha-vírus, a revista se refere a uma integrante de uma manifestação recente a favor do presidente, que comentou “que o Brasil nunca teve uma guerra civil” e acrescentou que “já era hora”.
A Economist aponta, ainda, que Bolsonaro “lançou dúvidas sobre o voto eletrônico, assinou decretos para ‘armar o público’ e gabou-se de que ‘só Deus’ irá tirá-lo [do poder]”.
Sobre a CPI, diz que a conduta do atual presidente “provavelmente pode ser qualificada como digna de impeachment, incluindo crimes de responsabilidade como pedir às pessoas para desafiar lockdowns, ignorar ofertas de vacinas e demitir autoridades para proteger os filhos”. A revista também denuncia o desmatamento da Floresta Amazônica.
No aniversário do golpe de 1964, registra a revista, “seis potenciais adversários a Bolsonaro assinaram um manifesto dizendo que a democracia estava ‘ameaçada’”. “Será difícil mudar o curso do Brasil enquanto Bolsonaro for presidente. A prioridade mais urgente é tirá-lo nas urnas”, conclui.