STF decide na quarta se Justiça é para valer
Para não ter que pagar pelos seus crimes, Lula quer impunidade geral
O que está em pauta no julgamento do pedido de habeas corpus de Lula, nesta quarta-feira, é se os ladrões do dinheiro e da propriedade pública – provados, comprovados e condenados – irão para a cadeia ou ficarão impunes, gozando do seu roubo à coletividade até que o Diabo os leve para o Inferno.
O objetivo do pedido de Lula é não ir para a cadeia pelos delitos que perpetrou e pelos quais foi condenado duas vezes – no primeiro dos seis processos a que responde na Justiça.
Não é por acaso que jamais houve, no Brasil, uma manifestação de juízes, procuradores e promotores como a do manifesto – a nota técnica – a favor da manutenção da atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que determina a prisão dos condenados em segunda instância (ou seja, além da condenação na Vara Criminal, também outra condenação pelos Tribunais de Justiça, que são a segunda instância estadual, ou pelos Tribunais Regionais Federais, que são a segunda instância federal).
Em três dias, mais de cinco mil membros da Magistratura – juízes – e do Ministério Público – promotores e procuradores – assinaram a “nota técnica”, que foi entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde de segunda-feira.
Se isso parece um fenômeno extraordinário até mesmo para os organizadores – que esperavam um total de quatro mil assinaturas, largamente ultrapassado em algumas horas – e para os participantes desse movimento, mais ainda é relevante quando a tentativa lulista de responder aos membros da Magistratura e do Ministério Público, através de um abaixo-assinado dos advogados, obteve apenas três mil assinaturas.
Evidentemente existem muito mais advogados no Brasil do que juízes, procuradores e promotores: só existem, em nosso país, ao todo, 14.188 magistrados (juízes e desembargadores) e 36.457 promotores e procuradores.
Enquanto isso, existem um milhão de advogados (todos os dados são do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público).
Como esclareceram, no próprio texto da “nota técnica”, os juízes e membros do Ministério Público, seu objetivo não era, e não é, especificamente, o caso de Lula.
“Estamos reivindicando o inconformismo com a eventual mudança do posicionamento do STF sobre a execução provisória da pena”, declarou o promotor Renato Varalda, um dos organizadores. “Se a prisão em segunda instância for proibida, vai ocorrer a liberação de traficantes, de homicidas, de pedófilos e diversos outros criminosos. É um risco para a sociedade”.
O promotor Varalda tocou numa questão importante: para garantir a impunidade dos corruptos, vale até mesmo garantir a impunidade de qualquer criminoso. Como dizia aquele prócer da ditadura, “às favas os escrúpulos”.
Mas é evidente que não são os pedófilos ou os estupradores – nem mesmo os pedófilos e estupradores endinheirados – que estão fazendo pressão sobre o Supremo para que este lhes garanta a impunidade.
São, evidentemente, os membros da confraria dos que roubam o povo – aquele “pacto oligárquico para saquear o Estado brasileiro, celebrado entre parte da classe política, parte da classe empresarial e parte da burocracia”, a que se referiu o ministro Luís Roberto Barroso, do STF (v. matéria nesta página) – que estão fazendo essa pressão.
Lula é a carranca de proa dessa orgia pseudo-jurídica pela impunidade. Ele e Temer, aliás, não têm mais alegações distintas. Seus casos passaram a ser intercambiáveis, com Lula se solidarizando porque Temer teria vencido “o golpe” – e Temer apresentando-se como colega de Lula na suposta perseguição que os dois estariam sofrendo… da Justiça.
Enfim, agora sabemos o que é “golpe” para esses elementos: golpe é a lei valer também para eles. Isso, eles não admitem.
Ir para a cadeia porque roubaram o povo, porque assaltaram o país, porque meteram a mão no dinheiro da Petrobrás? Pode existir algo mais golpista do que isso?
Basta ver as decisões, na semana passada, do ex-advogado de Lula (elevado por este a ministro do STF), Dias Toffoli – que soltou Picciani, Maluf e liberou, completamente contra a lei, a candidatura de Demóstenes Torres, cassado pelo Senado (e, portanto, inelegível a qualquer cargo) por falta de decoro, já que não passava de um empregado do contraventor Cachoeira (v. “Dura lex sed latex”: o princípio Toffoli para soltar corruptos).
As decisões de Toffoli até pareceriam o ponto culminante da prevaricação judiciária – para usar uma expressão de Rui Barbosa -, se não fosse o seu objetivo: preparar a impunidade geral, a começar pelo que lhe interessa: Lula. Portanto, na cabeça do seu autor, e de seu grupo, é uma abertura, e não um final, para o planejado atentado às leis e ao próprio Judiciário. Quem respeitará um Judiciário que toma semelhantes decisões?
Daí a reação em massa de juízes, procuradores e promotores, que veem o país em perigo, quando tenta-se rebaixar a própria cúpula do Poder Judiciário ao nível das quadrilhas que pilharam o país nos últimos anos, quando tenta-se fazer do STF um abrigo ou guarda-chuva para ladrões.
Esses homens e mulheres da Lei acham que o STF deve ser o guardião da Constituição – e não a guarda da corrupção.
A questão – jurídica e política – é simples e já abordada outras vezes por nós: hoje o cavalo de batalha de todos os corruptos, de todos os ladrões do dinheiro e da propriedade pública, é fazer com que o STF somente permita a prisão do condenado depois que todos os recursos se esgotarem.
O problema é que, a rigor, esses recursos jamais se esgotam – como disse a procuradora geral da República, Raquel Dodge, no sistema de recursos do Brasil, eles são praticamente infinitos.
Assim, a prevalecer a ideia de que o condenado somente pode ser preso depois que todos os recursos se esgotarem, se esse condenado tiver dinheiro, ele nunca será preso – nem cumprirá qualquer sentença – pois sempre existirão recursos, recursos e mais recursos, até que seu crime seja prescrito, ou seja, até que a condenação seja anulada por decurso de prazo.
A questão – prática – é essa: a prisão após o “trânsito em julgado” (isto é, só depois que se esgotem todos os recursos) é uma garantia da impunidade.
Porém, é mais do que isso: como notou o saudoso ministro Teori Zavascky, a ideia de que somente depois de esgotados todos os recursos o meliante pode ser preso, é completamente inconstitucional.
A Constituição não diz que um condenado somente pode ser preso depois que todos os recursos se esgotarem (v. Por que a prisão após a segunda condenação é legal, justa e necessária).
Em toda a História do Brasil, inclusive depois da Constituição de 1988, a regra sempre foi a prisão após a segunda condenação – por um juiz, na primeira instância, e por um tribunal colegiado, na segunda instância -, com exceção de um breve período, entre 2009 e 2016, em que prevaleceu o entendimento oposto, com o funesto resultado de que se estabeleceu no país uma indústria da impunidade para quem tem dinheiro – ou obteve bastante dinheiro com o seu roubo.
O motivo pelo qual a execução da pena começa – e deve começar – após a condenação em segunda instância, é que esta é a última a examinar se o réu é culpado ou inocente. A isso, os juristas chamam “duplo grau de jurisdição”: o acusado tem direito a dois julgamentos.
As outras instâncias – Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF) – examinam apenas se as normas jurídicas foram respeitadas nos julgamentos anteriores, mas não a questão da culpabilidade ou não do acusado.
Por isso, sempre a execução da pena – no Brasil e em todos os países – começou após a condenação na segunda instância. Aliás, para ser exato, há países (como os EUA) em que a execução da pena começa logo depois da condenação em primeira instância.
Não deixa de ser peculiar que toda a batalha se trave, no momento, em cima do pedido de habeas corpus de Lula.
Examinando-se as provas apresentadas nos seus dois julgamentos (na 13ª Vara Federal de Curitiba e no Tribunal Regional Federal da 4ª Região), existe alguma dúvida que Lula é culpado? Existe alguma dúvida de que a OAS usou e preparou o triplex de Guarujá para passar parte da propina de Lula?
Vendo essas provas, qualquer sujeito honesto – que não seja um fanático imbecilizado ou um imbecil fanatizado – não tem dúvida de que a propina foi provada e que Lula foi justamente condenado.
Porém, existe uma prova extra: a de que Lula não se importa em ser a porta-bandeira de um bloco formado por Geddel, Temer, Cunha, Aécio, Argello, Bendine e outros heróis.
Deve ser porque todos eles são tão inocentes quanto Lula.
CARLOS LOPES
Abaixo, a íntegra da nota técnica assinada e enviada ao STF por mais de cinco mil juízes e membros do Ministério Público (ver aqui o nome dos signatários).
Dizem os juristas:
“… nada justifica que o STF revise o que vem decidindo no sentido de que juridicamente adequado à Constituição da República o início do cumprimento da sanção penal a partir da decisão condenatória de 2ª instância. A mudança da jurisprudência, nesse caso, implicará a liberação de inúmeros condenados, seja por crimes de corrupção, seja por delitos violentos, tais como estupro, roubo, homicídio etc.”
Aqui, a íntegra:
“O princípio da presunção de inocência, ao longo dos tempos, evidenciou-se de extremo valor para a liberdade individual e a sociedade civilizada. Suas implicações, no entanto, jamais foram reputadas absolutas.
“Não se trata de cláusula meramente declaratória em benefício exclusivo de um cidadão, mas sim de parâmetros para o exercício legítimo da atividade de persecução criminal em favor da subsistência da sociedade. Embora se firme o amplo significado da presunção de inocência, ora regra de tratamento, ora regra de juízo, ora limitador da potestade legislativa, ora condicionador das interpretações jurisprudenciais, o referido princípio, enquanto tratamento dispensado ao suspeito ou acusado antes de sentença condenatória definitiva, tem natureza relativa.
“A propósito, o termo ‘presunção de inocência’, se analisado absolutamente, levaria ao paroxismo de proibir até mesmo investigações de eventuais suspeitos, sem mencionar a vedação de medidas cautelares constritivas no curso de apurações pré-processuais, ensejando, consequentemente, a inconstitucionalidade de qualquer persecução criminal. Contudo, normativamente, a presunção de inocência não consubstancia regra, mas princípio, que não tem valor absoluto, pelo que, deve ser balizado por outros valores, direitos, liberdades e garantias constitucionais. Por tais razões, o princípio da presunção de inocência deve ser ponderado, a fim de que não se exacerbe a proteção de sujeitos à persecução criminal, em detrimento dos valores mais relevantes para a sociedade.
“A interpretação do princípio da presunção de inocência deve-se operar em harmonia com os demais dispositivos constitucionais, em especial, os que se relacionam à justiça repressiva. O caráter relativo do princípio da presunção de inocência remete ao campo da prova e à sua capacidade de afastar a permanência da presunção. Há, assim, distinção entre a relativização da presunção de inocência, sem prova, que é inconstitucional, e, com prova, constitucional, baseada em dedução de fatos suportados ainda que por mínima atividade probatória.
“Disso decorre que não é necessária a reunião de uma determinada quantidade de provas para mitigar os efeitos da presunção de inocência frente aos bens jurídicos superiores da sociedade, a fim de persuadir o julgador acerca de decreto de medidas cautelares, por exemplo; bastando, nesse caso, somente indícios, pois o direito à presunção de inocência não permite calibrar a maior ou menor abundância das provas.
“Ademais, o princípio da livre convicção motivada remete à livre ponderação dos elementos de prova pelo Judiciário, de um ponto de vista objetivo e racional, a quem corresponde apreciar o seu significado e transcendência, a fim de descaracterizar a inocência, de caráter iuris tantum [ou seja, inocência que tem base apenas na declaração do acusado ou suspeito], ante a culpabilidade. Para se poder afirmar que determinado sujeito praticou um delito, é preciso que se tenha obtido uma prova; que essa obtenção tenha cumprido as formalidades legais e que o julgador haja valorado corretamente a prova.
“Nem mesmo a Declaração de Direitos pretendeu que a presunção de inocência tivesse valor absoluto, a ponto de inviabilizar qualquer constrangimento à liberdade do indivíduo antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, conforme dispõe, em seu artigo 9º, contrariamente à aplicação de qualquer medida restritiva de liberdade, salvo arbitrárias (Art. 9º “Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado”). Certo é que a instituição do princípio da presunção de inocência deu-se para atenuar a violação do status libertatis do sujeito, seja como investigado, seja como réu, que, antes, abria margens a formas degradantes de colheita de prova, permitindo-se até mesmo tortura.
“Se o direito constitucional e processual, ao perseguir determinados fins, admite constrições entre os princípios (a verdade material é restringida pela proibição de prova ilícita), se há elasticidade na própria dignidade humana (como exemplos: mãe, doente terminal, que doa seu órgão vital para salvar seu filho; o condenado à morte que renuncia pleitear o indulto; o militar, por razões humanitárias, dispõe-se a realizar missão fatal para salvar a vida de milhares de pessoas), não é menos admissível a restrição do princípio da presunção de inocência, cuja aplicação absoluta inviabilizaria até mesmo o princípio da investigação e da própria segurança pública.
“Evidencia-se, destarte, a necessária revisão dos ‘tradicionais conceitos dogmáticos de culpa, culpabilidade e pena, reescrevendo um panorama teórico mais realista e factível, intimamente relacionado às modernas demandas sociais’ e o combate à macro-criminalidade organizada.
“Hoje, as relações econômicas tendem a ser impessoais, anônimas e automáticas, possibilitando, por conseguinte, uma criminalidade organizada pautada em aparatos tecnológicos, caracterizada pelo racionalismo, astúcia, diluição de seus efeitos e, assim, a garantia da permanência da organização está na execução de procedimentos de inteligência que minem os operadores do sistema para a persecução e sanção penal. Nesse contexto, as organizações criminosas absorvem agentes públicos, corrompendo ações do Estado.
“Tratando-se, pois, de crime organizado, a sociedade é duplamente agredida, isto é, verifica-se prejuízo social nefasto oriundo das ações criminosas e prejuízo oriundo das ações artificiais do Estado que, impotente para evitar e prevenir o grave delito, ilude a sociedade com a imagem de eficiência funcional da investigação criminal. Mais grave é a deterioração da própria democracia, porquanto, ao adquirir poder de controle econômico e político, o crime organizado passa a ocupar posições de ‘autoridades democráticas’.
“Torna-se, assim, imprescindível recuperar a capacidade de executar adequadamente as penas, porque a ineficácia da persecução penal estatal não se situa na dosagem das penas, mas na incapacidade de aplicá-las. ‘A regulamentação legal dos fenômenos humanos deve ter em vista a implementação da lei, ou seja, como se dará, concretamente, sua aplicação, circunstância que não tem sido objeto de preocupação frequente de nossos legisladores’.
“Desse modo, a condenação em segundo grau deve viabilizar o cumprimento das sanções penais, inclusive as privativas de liberdade, ainda que haja recurso extraordinário ou especial ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, tendo, inclusive, essa última Corte já pacificado o entendimento na Súmula 267: ‘A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão’.
“Ademais, no plano internacional, a prisão após a condenação em 2ª instância é admitida nos Estados Unidos da América e países da Europa (França, Alemanha e Portugal). A título de esclarecimento, em Portugal, o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça é de que o arguido preso em situação de prisão preventiva, no momento em que vê a sua situação criminal definida por acórdão condenatório do Supremo, deixa de estar em situação de prisão preventiva para estar em situação análoga à de cumprimento de pena, mesmo que do acórdão condenatório tenha sido interposto recurso, que impeça o trânsito em julgado da decisão condenatória, para o Tribunal Constitucional. Segundo o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de constitucionalidade não tem a natureza de recurso ordinário nem respeita diretamente à decisão que, conhecendo do mérito da causa, ordenou e manteve a prisão, pois é um recurso restrito à matéria de constitucionalidade, não se traduzindo numa declaração de nulidade do acórdão recorrido e, uma vez interposto tal recurso, não há a necessidade da análise de expiração dos prazos da prisão cautelar na data da decisão.
“Na perspectiva histórica das Cortes brasileiras, a admissibilidade da execução provisória, na verdade, está em consonância com entendimentos anteriores sobre a recepção do artigo 594 do Código de Processo Penal (CPP), que tratava da necessidade do réu ser recolhido à prisão para poder apelar, a não ser que fosse primário e de bons antecedentes. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça posicionou-se, num primeiro momento, pela recepção do artigo 594 do CPP pela Constituição brasileira de 1988, passando a exigir posteriormente alguns requisitos subsidiários à exigência da prisão para apelar.
“A edição da Súmula 9 do Superior Tribunal de Justiça brasileiro (‘A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência.’) demonstrou claramente o posicionamento jurisprudencial firme quanto à ausência de contradição entre o artigo 594 do CPP e o princípio da presunção de inocência, que podem ser observadas nas decisões abaixo transcritas:
RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL. NECESSIDADE DE PRÉVIO RECOLHIMENTO A PRISÃO (ART. 594 DO CPP). ALEGAÇÃO DE INCOMPATIBILIDADE DESSA EXIGÊNCIA COM O PRECEITO DO ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO.
Improcedência dessa alegação já que a prisão provisória processual, como providência ou medida cautelar, está expressamente prevista e permitida pela Constituição em outro inciso do mesmo artigo 5º (inciso LXI). No caso, a prisão decorre de mandado judicial (art. 393, I, do CPP). Primariedade e bons antecedentes são dois requisitos que não se confundem, podendo verificar-se o primeiro e estar ausente o segundo. Recurso de ‘Habeas Corpus’ a que se nega provimento. (STJ, RHC 270/SP – 1989/0010264-8, Min. ASSIS TOLEDO, 5ª T., v.u., j. 25.10.1989)
PRISÃO DECORRENTE DE SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRÍVEL. EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL.
I – A prisão decorrente de sentença condenatória recorrível (CPP, Art. 393, I), tanto quanto a prisão do condenado para poder apelar (CPP, Art. 594), é de natureza processual, compatibilizando-se, por isso, com o princípio inscrito no art. 5º, LVII, da Constituição de 1988, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da decisão condenatória
II – O efeito meramente devolutivo dos recursos extraordinário ou especial, pela mesma razão, também não se choca com o princípio constitucional mencionado.
III – Pedido indeferido. (STJ, HC 84/SP – 1989/0009250-2, Min. CARLOS THIBAU, 6ª T., v.u., J. 31.10.1989)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA. PRETENSÃO DE AGUARDAR JULGAMENTO DE APELAÇÃO EM LIBERDADE. ART. 594, DO C.P.P.
I – O artigo 594, do Código de Processo Penal, que tem o escopo de abrandar o princípio da necessidade do recolhimento à prisão para apelar, só alcança quem, ao tempo da decisão condenatória, esteja em liberdade. Não beneficia aqueles que já se encontram presos provisoriamente, pois, um dos efeitos da sentença condenatória é ser o condenado conservado na prisão (Art. 393, inciso I, C.P.P.).
II – Recurso improvido. (STJ, RHC 2995/ES – 1993/0023100-6, Min. PEDRO ACIOLI, 6ª T., v.u., J. 21.9.1993)
Os julgados sustentam a não revogação da norma processual acima referida diante à presunção de inocência, resguardando a manutenção do status quo estabelecido pelo Código Processual Penal de 1941. Declarou-se assim a compatibilidade entre os princípios consagrados nos incisos LXI e LXVI, ambos do artigo 5º e o artigo 594 do CPP. Vale dizer que a prisão cautelar poderá ser efetuada por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária, quando ausente permissão legal para a liberdade provisória.
Do mesmo modo, o Supremo Tribunal Federal declarou válido o artigo 594 do CPP frente a Constituição brasileira de 1988, inclusive, frente à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Pacto de San José da Costa Rica”), exigindo, assim, a prisão como requisito indispensável ao recurso de apelação.
PENAL. PROCESSUAL PENAL. “HABEAS CORPUS”. RÉU CONDENADO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO CONFIRMADA PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DETERMINAÇÃO NO SENTIDO DA EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO CONTRA O RÉU. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE. C.F., ART. 5., LVII. C.P.P., ART. 594.
I. – O direito de recorrer em liberdade refere-se apenas a apelação criminal, não abrangendo os recursos extraordinário e especial, que não tem efeito suspensivo.
II. – A presunção de não culpabilidade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória – C.F., art. 5º, LVII – não revogou o artigo 594 do C.P.P. III. – Precedentes do STF. IV. – H.C. indeferido. (HC 72741/RS, Min. CARLOS VELLOSO, 2ª T., v.u., J. 1.9.1995)
EMENTA: HABEAS-CORPUS. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. INDEFERIMENTO. DECISÃO FUNDAMENTADA. ARTIGO 594 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRECEITO NÃO REVOGADO PELO ARTIGO 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1 – Recurso de apelação interposto pelo Ministério Público. Provimento para submeter o paciente a novo julgamento, pelo Júri, sem o direito de recorrer em liberdade. Questão superada pelo advento da sentença condenatória que vedou esse direito em decisão fundamentada.
2 – É pacífico, nesta Corte, o entendimento de que o artigo 594 do Código de Processo Penal não foi revogado pelo artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, que instituiu o princípio da presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes. Habeas-Corpus prejudicado. (HC 80548/PE, Min. MAURÍCIO CORREA, 2ª T., v.u., J. 20.2.2001)
No entanto, o reconhecimento do caráter instrumental da prisão decorrente da sentença condenatória recorrível sofreu novamente malabarismos da doutrina e da jurisprudência brasileira para reconhecê-la como forma excepcional de execução provisória da pena imposta em sentença condenatória, com recurso exclusivo da defesa, para o fim de beneficiar o condenado-preso dos direitos consagrados na Lei de Execução Penal (progressão ou cumprimento inicial em regime aberto ou semi-aberto, livramento condicional, remição da pena pelo trabalho etc.), na “…consideração de que o princípio da presunção de inocência foi, constitucionalmente, articulado para favorecer e, não, para prejudicar o acusado.” Denota-se, neste caso, uma hipótese de antecipação dos efeitos da condenação transitada em julgado, cuja restrição do princípio da presunção de inocência é justificada pelo princípio constitucional do favor rei.
O preceito foi trabalhado flexivelmente pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro para favorecer o acusado, conforme se verifica a Súmula 716, que possibilita a progressão de regime de cumprimento de pena ou a aplicação imediata de regime prisional menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Destaque-se, por fim, que a prisão em 2ª instância também está em consonância com a jurisprudência do próprio STF, com base em outro precedente julgado em 2005 (HC 86.125/SP, Ellen Gracie, DJ: 2/09/05). A partir dessa decisão, pacificou-se no STF o entendimento, no sentido de que com o esgotamento da instância ordinária, que ocorre no Tribunal de segundo grau (tribunais de justiça, TRFs e STM) não corre prescrição da pretensão punitiva, mas inaugura a contagem do prazo de prescrição da pretensão executória da pena. Ressalte-se: só corre o prazo de prescrição executória à medida que é possível executá-la, isto é, a partir da decisão condenatória da 2ª instância.
Nessa direção, mais recentemente, vale destacar que o STF, em sede de repercussão geral, ratificou, a adequação da prisão após condenação em 2ª instância:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). ACÓRDÃO PENAL CONDENATÓRIO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA.
1. Em regime de repercussão geral, fica reafirmada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento, com o reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria. (ARE 964246 RG, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, julgado em 10/11/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-251 DIVULG 24-11-2016 PUBLIC 25-11-2016 ).
Ademais, coerentemente com o afastamento do princípio da presunção de inocência e pelo início da execução da sanção penal depois do julgamento condenatório de 2ª instância, o próprio STF, ao julgar o RE 696533/SC, em 6 de fevereiro de 2018, Relator o Min. Luiz Fux e Redator do acórdão, o Min. Luiz Barroso, determinou que o prazo prescricional da prescrição da pretensão executória conta-se não da data do trânsito em julgado para a acusação (artigo 112, I do Código Penal) , mas sim levando em consideração o esgotamento da instância ordinária, a partir da qual só cabem os recursos extraordinário e especial que não possuem efeito suspensivo.
Por todos esses argumentos, nada justifica que o STF revise o que vem decidindo no sentido de que juridicamente adequado à Constituição da República o início do cumprimento da sanção penal a partir da decisão condenatória de 2ª instância. A mudança da jurisprudência, nesse caso, implicará a liberação de inúmeros condenados, seja por crimes de corrupção, seja por delitos violentos, tais como estupro, roubo, homicídio etc.
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