O governo, sob a liderança de Bolsonaro, está envolto num grande e emblemático escândalo político, pois envolve recursos bilionários e a morte de mais de 500 mil brasileiras e brasileiros por Covid-19
A CPI da Covid-19 no Senado vai aprofundado o que antes era narrativa ou especulações e se expressa fidedignamente no título desta matéria — frase proferida pelo vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) —, sobre os casos de corrupção no Ministério da Saúde ligados à compra de vacinas para combater a pandemia.
Os escândalos vieram à tona a partir dos depoimentos, na última sexta-feira (25), dos irmãos Miranda, o deputado Luis Miranda (DEM-DF), e o servidor público concursado Ministério da Saúde, Luis Ricardo, à CPI.
Ambos foram responsáveis por apontarem irregularidades do governo federal na compra da vacina indiana Covaxin. O Palácio do Planalto nega qualquer problema na aquisição do imunizante.
Em sessão tensa — com quase 9 horas de duração — o deputado confirmou, quase ao fim da oitiva, que o nome citado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre o “rolo” na aquisição das vacinas Covaxin é o do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
A CPI da Covid-19 no Senado, instalada em 27 de abril, investiga as ações, omissões e inações do governo federal relacionadas à má gestão no combate à pandemia do novo coronavírus.
PREVARICAÇÃO
Tanto o deputado quanto o servidor público confirmaram que o presidente da República, os recebeu no Palácio do Alvorada, em 20 de março, para que pudessem conversar e entregar documentos que comprovariam as irregularidades.
E Bolsonaro disse que iria encaminhar os documentos para o “DG” [diretor-geral] da PF (Polícia Federal) para que pudesse abrir investigação e instaurar inquérito, a fim de apurar as denúncias feitas pelos depoentes à CPI da última sexta-feira.
GOVERNO NO EPICENTRO DA CRISE
A intrincada história por trás da compra das vacinas Covaxin, produzidas pelo laboratório indiano Bharat Biotech, ainda têm muitas lacunas. Contudo, série de personagens da trama já foram revelados no depoimento do deputado Luis Miranda, da base bolsonarista na Câmara, e do irmão dele, Luis Ricardo Miranda.
Autoridades brasileiras fizeram viagens à Índia para agilizar a compra da vacina da Bharat Biotech. A primeira dessas ocorreu em 6 de janeiro, e teve como um dos membros da comitiva Francisco Maximiano, um dos sócios da empresa Precisa Medicamentos — que viria a se tornar a intermediadora da compra do imunizante indiano pelo governo Jair Bolsonaro.
No dia 7, representantes da Precisa se reuniram com o embaixador brasileiro na Índia. Em 8 de janeiro, Bolsonaro enviou carta ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, informando que a Covaxin havia sido uma das vacinas “escolhidas” pelo governo brasileiro, com a AstraZeneca. Naquela data, o governo já havia recebido cinco ofertas da Pfizer e quatro do Instituto Butantan — responsável pela produção da CoronaVac no Brasil em parceria com o laboratório chinês Sinovac.
O acordo entre o laboratório Bharat Biotech e a Precisa Medicamentos foi divulgado em 12 de janeiro. Seis dias depois, o Ministério da Saúde enviou ofício à Precisa demonstrando interesse em fechar contrato para a compra da Covaxin.
EMENDA DE BARROS CRIOU BRECHA PARA COMPRA
Apontado pelo deputado Luis Miranda como pivô do suposto esquema para facilitar a compra da Covaxin, o deputado Ricardo Barros — líder do governo na Câmara — foi o autor da emenda que criou a brecha para que a vacina pudesse ser adquirida antes do registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
A MP (Medida Provisória) foi publicada pelo governo em 6 de janeiro, mesmo dia em que foi feita a primeira viagem à Índia para negociar a compra da Covaxin.
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a manobra ocorreu durante a tramitação da “MP das Vacinas”, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em 2 de março. O texto permitiu a aquisição de quaisquer vacinas e medicamentos sem aprovação da agência reguladora brasileira, desde que os produtos tivessem sido chancelados por entidades sanitárias de um rol de países — considerados referências.
A emenda de Barros incluiu nessa lista a CDSCO (Central Drugs Standard Control Organization) — equivalente da Anvisa na Índia. Foi a agência indiana que concedeu registro à Covaxin.
Barros também propôs PDL (Projeto de Decreto Legislativo) para derrubar a exigência de realização da chamada “fase 3” de ensaios clínicos no Brasil, como condição para autorização emergencial de imunizante.
CONTRATAÇÃO ANTES DE VACINAS EM FASE MAIS AVANÇADA
A primeira reunião do governo federal com a Bharat Biotec, fabricante da Covaxin, ocorreu no fim de novembro. No mesmo encontro, as autoridades brasileiras também receberam executivos dos laboratórios Pfizer, Moderna, Janssen e do Fundo Russo de Investimento Direto —responsável por negociar a vacina russa Sputinik V.
No entanto, as negociações com a Covaxin avançaram mais rápido do que com os demais imunizantes. O contrato para a compra da vacina indiana foi assinado em 25 de fevereiro — a autorização da Anvisa para a importação da Covaxin só veio em 4 de junho.
Em contrapartida, o contrato com a Pfizer só foi assinado em 15 de março. A vacina conseguiu registro definitivo na Anvisa em 23 de fevereiro. No mesmo período, o governo também anunciou a compra do imunizante da Janssen, cuja autorização para uso emergencial veio em 31 de março.
Além de terem obtido autorização da Anvisa antes, as vacinas da Pfizer e da Janssen eram negociadas com o governo brasileiro há mais tempo e tinham preço menor do que o da Covaxin.
PRESSÃO SOBRE IRMÃO DE MIRANDA
Segundo relatos do deputado Luis Miranda e o servidor de carreira do Ministério da Saúde responsável pela importação de imunizantes, Luis Ricardo Miranda, houve pressões de várias pessoas em cargos de comando no Ministério da Saúde para facilitar a compra da Covaxin. O servidor disse que não houve o mesmo tipo de ingerência na aquisição de outras vacinas.
De acordo com Luis Ricardo, teriam pressionado a liberar a importação da Covaxin:
- Alex Lial Marinho, então coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde do Ministério da Saúde;
- Roberto Ferreira Dias, diretor do Departamento de Logística em Saúde da Secretaria-Executiva do Ministério da Saúde; e
- Marcelo Bento Pires, então diretor de Programa do Ministério da Saúde.
Os contatos para pressioná-lo ocorreram entre 19 e 24 de março e tinham como objetivo fazer com que Luis Ricardo liberasse rapidamente a LI (Licença de Importação) para o primeiro lote da Covaxin.
Luis Miranda e o irmão Luis Ricardo se reuniram com o presidente Jair Bolsonaro nesse mesmo período, em 20 de março. De acordo com o deputado federal, os dois denunciaram o suposto esquema de corrupção na compra da vacina indiana e teriam ouvido de Bolsonaro que a situação era “grave”.
Em depoimento na CPI da Covid-19, em 25 de junho, Miranda revelou ainda que Bolsonaro atribuiu o esquema a Ricardo Barros, que o presidente da República não interrompeu, não encaminhou à PF para investigar.
M. V.