Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou o decreto de Jair Bolsonaro que buscava esvaziar a atuação do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT).
Entre outras coisas, o decreto acabava com a remuneração dos peritos do órgão, ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que é responsável por fiscalizar a ocorrência de tortura e outros tratamentos em prisões e instalações de privação de liberdade, além de penas degradantes.
O 11 ministros do STF votaram para derrubar os principais trechos da medida.
De acordo com o voto do relator, ministro Dias Toffoli, a falta de salário impossibilita um trabalho de dedicação integral e desestimula a entrada de profissionais especializados no órgão, fragilizando o combate à tortura no país. A remuneração dos peritos gira em torno dos R$ 10 mil brutos por mês.
Toffoli considerou que o decreto de Bolsonaro comete “violação especialmente grave, diante do potencial desmonte de órgão cuja competência é a prevenção e o combate à tortura”.
“O exercício da função de perito do MNPCT em caráter voluntário teria uma única consequência: o afastamento de profissionais qualificados e dispostos a comprometerem-se com o trabalho de fiscalização e, consequentemente, a impossibilidade de execução das competências legais do órgão. É dizer: como poderá o Estado exigir de profissionais qualificados e especializados tamanha responsabilidade e risco sem remunerá-los para tanto?”, diz um trecho do voto.
Segundo o relator, o decreto também “viola frontalmente a Constituição Federal” ao ferir o preceito fundamental segundo o qual “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
Toffoli observou, ainda, que o texto consiste em “ação do Poder Público que obstaculiza o trabalho de inspeção de estabelecimentos de privação de liberdade” e citou os compromissos do Brasil para acabar com a tortura, que ainda continua ocorrendo nos presídios do país.
O ministro lembrou que organismos internacionais, entidades da sociedade civil, associações representantes de carreiras jurídicas e órgãos públicos manifestaram “rechaço em uníssimo” ao decreto – entre elas a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão integrante da Organização dos Estados Americanos (OEA).
JULGAMENTO
Os integrantes do tribunal finalizaram sexta-feira (25) o julgamento no plenário virtual em que os ministros votam pelo sistema eletrônico da Corte.
A ação que levou o caso ao Supremo foi apresentada em 2019 pela ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge. Ela questionou o decreto de Bolsonaro, assinado em junho daquele ano, remanejando 11 cargos de perito para o Ministério da Economia e exonerando seus titulares.
Em 2021, sob a gestão de Augusto Aras, a PGR divergiu de Dodge, argumentando que o decreto questionado havia sido revogado por outro texto editado por Bolsonaro.
Toffoli, porém, considerou que a revogação se deu no contexto de sucessivas reestruturações no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. E que não houve o retorno dos 11 cargos relativos ao MNPCT.
O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura é composto por 11 peritos com mandato de três anos, acesso às instalações de prisões e instituições socioeducativas, tendo autonomia para escolher os locais que vão visitar e elaborar seus relatórios.