“Cale a boca! Bota a tua toga e fica aí sem encher o saco dos outros!”, disse. Capitão Cloroquina ainda elogiou o golpe de 64, distorcendo e mentindo sobre a história da ditadura sanguinária
No dia em que seu aliado Daniel Silveira foi enquadrado pelo ministro Alexandre de Moraes e teve que colocar tornozeleira eletrônica, Jair Bolsonaro voltou a atacar desesperadamente o Supremo Tribunal Federal (STF) e seus ministros além de fazer elogios ao golpe de 64.
Bolsonaro distorceu e mentiu sobre a história do golpe que derrubou o então presidente João Goulart e deu início ao regime de prisões, torturas, assassinatos, cassações e censura. Essa parte, Bolsonaro escondeu e não falou nada como sempre.
Na solenidade de anúncio da saída de dez dos 22 ministros que disputarão as eleições deste ano ele disse que “nada” ocorreu em 31 de março de 1964, que completou 58 anos nesta quinta-feira.
Vários observadores notaram que Bolsonaro estava mais azedo do que o costume. Não é para menos, porque além de Daniel Silveira ter obedecido a ordem do ministro Alexandre de Moraes e pôr o equipamento de monitoramento, as manifestações convocadas com estardalhaço por bolsonaristas para comemorar o 31 de março, fracassaram no país inteiro, foram um fiasco.
No ataque ao STF, não teve coragem de citar o Supremo, falou indiretamente que não se pode “aceitar o que vem acontecendo passivamente”. “Temos inimigos, sim. São poucos, de todos nós no Brasil, e habitam essa região dos Três Poderes”, declarou.
Segundo ele, o Brasil não vai para frente porque alguns atrapalham, no caso o STF. “O que que falta? Que alguns poucos não nos atrapalhem. Se não tem ideias, cale a boca! Bota a tua toga e fica aí sem encher o saco dos outros! Como atrapalham o Brasil”, disse. “Democracia e liberdade são batalha diária”, disse, profanando as duas palavras que ele mais odeia.
Defendeu seu correligionário, o deputado Daniel Silveira (União-RJ) que foi enquadrado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, e teve que colocar a tornozeleira que resistiu a colocar por ordem do ministro. Silveira foi preso em fevereiro de 2021 por desacatar e agredir ministros do STF.
“É muito fácil falar ‘Daniel Silveira, cuida da tua vida’. Não vou falar isso”, disse Bolsonaro. “‘Ele pode ser preso a qualquer momento’, ‘não é comigo’, ‘deixa para lá’… Vai chegar em você”, continuou. “Pode ter seus bens confiscados?”, acrescentou, em nova referência indireta a Moraes que estabeleceu multa de R$ 15 mil diários e bloqueou os bens de Daniel Silveira.
Após estas medidas, Silveira foi pianinho colocar a tornozeleira na Polícia Federal.
Ele também atacou a Justiça Eleitoral, cobrando uma suposta transparência no voto. “Agora proibiram duvidar de urna eletrônica”, afirmou. Ele disse que ia agir, sem explicar como. “Não pode ter conselheiros ao teu lado dizendo o tempo todo: ‘Calma, calma’, ‘espera o momento oportuno’. Calma é o cacete, pô”, explodiu.
GOLPE
“31 de março. O que aconteceu nesse dia? Nada. Nenhum presidente da República perdeu o mandato nesse dia”, disse Bolsonaro. “Congresso, com quase 100% dos presentes, elegeu Castello Branco presidente à luz da Constituição”.
Naquele dia, não, mas no dia 1º de abril de 1964, o Congresso, manietado pela ditadura, declarou vaga a Presidência da República, mesmo Goulart estando em território nacional, e empossou como interino o então presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, golpeando a Constituição em vigor, promulgada em 1946.
Ele elogiou obras do período militar e ainda fez comparações entre a ditadura e o seu governo. “O que seria da Amazônia sem Castello Branco, que criou a Zona Franca de Manaus? Todos aqui tinham direito, deputado Silveira, de ir e vir”, afirmou. “A composição dos ministérios (na ditadura) era parecida com os meus [ministérios]”, acrescentou.
Ele mentiu de novo. A Zona Franca de Manaus foi criada pela Lei número 3.173, no governo Juscelino Kubistchek, em 1957. Castello Branco não criou a Zona Franca, apenas a efetivou, com o Decreto-lei 288.
ORGANIZAÇÕES E AUTORIDADES
Mais de 90 organizações da sociedade civil reagiram nesta quinta-feira (31) ao texto que classifica o “movimento de 31 de março de 1964″ como um “marco histórico da evolução política brasileira”.
A Ordem do Dia divulgada pelo Ministério da Defesa, dirigido até então por Braga Netto, na quarta-feira (30), comemora a data da implantação da ditadura no Brasil.
Entre as organizações que assinaram o documento estão a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Instituto Vladimir Herzog, Transparência Brasil, WWF-Brasil e por 89 outras organizações.
As entidades repudiam no documento as “recorrentes tentativas de se reescrever a história brasileira”. “A censura imposta a estudantes, jornalistas, artistas e intelectuais deixou cicatrizes profundas nas instituições e na sociedade brasileiras”, destaca o texto em referência ao golpe de 1964.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso também lembrou no Twitter que durante a ditadura no Brasil, as eleições foram canceladas, o Congresso foi fechado, deputados e professores foram cassados, e estudantes foram proibidos de se organizar.
O presidente do Congresso e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), escreveu que “o norte de uma nação deve ser sempre o da estrita obediência à sua Constituição”, que, segundo ele, “rechaça flertes, mesmo que velados, com posições autoritárias e que ferem as liberdades”.
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