Ao menos 20 refugiados afegãos que estão abrigados no Aeroporto Internacional de Guarulhos foram detectados com escabiose, doença popularmente conhecida como sarna. O surto foi identificado na semana passada por médicos da Prefeitura de Guarulhos e confirmado por médicos de ONGs que atuam no auxílio das famílias recém-chegadas ao Brasil.
A sarna é uma doença contagiosa transmitida pelo contato direto entre as pessoas ou por meio de objetos, como roupas, cobertores e travesseiros compartilhados, explica o infectologista do Instituto Emílio Ribas Jamal Suleiman.
“As condições adversas de habitação e de higiene facilitam substancialmente o aparecimento dessa doença”, afirma o médico. Atualmente há 206 imigrantes afegãos no aeroporto. Além de 177 vagas para acolhimento de migrantes e refugiados disponíveis na cidade de Guarulhos. Todas ocupadas por afegãos.
Por isso, entre as medidas necessárias para conter o surto, estão os banhos, a constante higienização dos bancos das áreas comuns do aeroporto e a troca de roupa dos doentes. As vestimentas devem ser lavadas e passadas, uma vez que temperaturas altas são necessárias para acabar com os ovos do parasita.
As organizações Coletivo Frente Afegã, Afghanistan Refugee Recue Organization e Projeto Abarcar, que auxiliam os refugiados recém-chegados ao país, pedem que o aeroporto libere os banheiros para higienização pessoal dos afegãos. Segundo essas organizações, desde agosto de 2022, o aeroporto liberou apenas três vezes a utilização dos vestiários com chuveiros para essa população.
Além das medidas de higiene, o tratamento medicamentoso é fundamental para curar a doença.
Os principais sintomas da sarna são coceira intensa e lesões na pele. “Em crianças, isso é extremamente desgastante. Ao coçar, você lesa a sua pele e pode contrair uma infecção secundária, e é aí que está o perigo”, afirma o infectologista Suleiman.
A Prefeitura de Guarulhos informou por meio de nota que a Secretaria de Saúde do município forneceu atendimento médico aos doentes no próprio aeroporto, com a prescrição de medicamentos para o tratamento, e que os remédios foram fornecidos pela própria municipalidade.
A nota ainda afirma que “apesar de não ser uma questão de responsabilidade da Prefeitura de Guarulhos, a administração municipal segue acompanhando a situação dos afegãos acampados no aeroporto” e que “são realizadas ações de saúde no aeroporto semanalmente, como vacinação tendo em vista a otimização do bloqueio de doenças imunopreviníveis e investigação epidemiológica, consultas médicas no local e orientações de saúde”.
ACOLHIMENTO
Desde 2021, quando o Talibã assumiu o poder no Afeganistão, milhões de afegãos têm deixado o país para fugir de um regime que viola seus direitos. O Brasil passou a ser destino de parte deles quando foi publicada uma portaria interministerial, em setembro de 2021, autorizando o visto temporário e a residência por razões humanitárias.
O grupo tem contado com o apoio de voluntários e da prefeitura de Guarulhos, que tem contribuído com alimentos e buscado encontrar vagas em abrigos municipais.
Uma afegã, que prefere não se identificar por medo de ser reconhecida pelo regime Talibã, deu uma entrevista ao portal Agência Brasil, onde disse que tinha uma galeria de arte em seu país, que produzia trabalhos com madeira e pintura. No entanto, como o Talibã proíbe que as mulheres exerçam atividades como essa por lá, ela precisou deixar seu país. “Temos vários problemas. Embora tenhamos almoço e jantar, não conseguimos tomar banho e diversas famílias estão com problemas na pele”, disse.
Segundo essa afegã, que está há duas semanas no país, somente no último domingo (25), ela conseguiu tomar banho desde que chegou ao Brasil. “Foi em um hotel muito bom, mas o tempo para o banho é reduzido, de apenas dez minutos. Dez pessoas foram tomar banho hoje nesse hotel”, contou.
Agora, no Brasil, ela espera conseguir a oportunidade de voltar a exercer a profissão. “Eu espero abrir minha galeria de arte aqui”.
Por meio de nota, a GRU Airport, concessionária que administra o aeroporto, informou que a atuação direta no acolhimento e acompanhamento das famílias afegãs que chegam ao Brasil é realizada pela prefeitura de Guarulhos e demais autoridades públicas competentes.
“A concessionária tem contribuído no suporte à realização de procedimentos de higiene pessoal e manutenção de limpeza constante do espaço. A higienização dos banheiros daquela área também foi intensificada. O vestiário, por se tratar de uma área operacional destinada a funcionários, é viabilizado dentro das condições e disponibilidade do aeroporto, de acordo com um planejamento alinhado com a prefeitura de Guarulhos”, informou a concessionária.
Na semana passada, o portal Agência Brasil também procurou diversos órgãos federais e estaduais para se manifestarem sobre a situação dos afegãos no aeroporto.
O Ministério Público Federal (MPF) informou que tem conhecimento da existência de um novo grupo de imigrantes afegãos vivendo de forma precária no aeroporto, por falta de opção. “Já foram realizadas reuniões na semana passada e outras serão promovidas ainda nesta semana, com diversas instituições, para encontrar uma solução humanitária para os imigrantes com a máxima urgência”, disse o MPF.
Já o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Secretaria Nacional de Justiça, informou na semana passada que também “está ciente e sensível à situação no aeroporto de Guarulhos” e que estão ocorrendo reuniões interministeriais e com diversos órgão, tanto da sociedade civil quanto das polícias e do Poder Judiciário, para encontrar uma solução para o problema.
A Anvisa informou que as ações relativas ao acolhimento e encaminhamento de refugiados não competem ao órgão. “Os refugiados afegãos atualmente acampados no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP) são viajantes nacionalizados, ou seja, que já passaram pelos controles de imigração e ingressaram no Brasil. Desta forma, os controles sanitários de competência da Anvisa foram aplicados no momento da nacionalização dessas pessoas”, disse a Anvisa.
“O acampamento existente na área pública do aeroporto configura uma situação totalmente atípica, de pessoas à espera de vagas em abrigos ou centros de acolhimento para refugiados, situação que foge à competência de atuação da Agência. Como medida de prevenção de eventuais problemas de saúde, a Anvisa tem exigido que o acampamento seja desmontado diariamente para realização de limpeza e desinfecção pela administração do aeroporto, sendo montado novamente em seguida. A Anvisa também tem fornecido equipamentos de proteção individual (EPI) para voluntários que realizam trabalho de acolhimento a essas pessoas no local”, acrescentou.