Valor chega a R$ 7,2 bilhões. TCU quer que sejam anuladas liberações de obras de educação autorizadas sem critérios técnicos, e com suspeitas de corrupção, durante o governo Bolsonaro
O Tribunal de Contas da União (TCU) quer que sejam anuladas liberações de obras de educação autorizadas sem critérios técnicos e com suspeitas de corrupção, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
As anulações se referem a autorizações no valor total de R$ 7,2 bilhões.
O processo no TCU apura medidas da gestão do então ministro da Educação, Milton Ribeiro, que deixou o cargo em 2022 desgastado com a atuação na pasta de pastores que não possuíam cargo formal no governo.
Para atender aliados políticos e lobistas, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) liberou milhares de novas obras ao fracionar empenhos (que reservam o dinheiro de obras) em pequenas quantias, na maioria das vezes de R$ 30 mil.
Os ministros do TCU iniciaram, na quarta-feira (12), o julgamento final do tema, mas houve pedido de vista e há prazo de 60 dias para ser então retomado.
SEM CRITÉRIOS TÉCNICOS
De acordo com documentos finais, o Tribunal vê irregularidades na atuação do FNDE entre 2020 e 2022 ao ignorar as regras na escolha dos municípios beneficiados com as verbas.
A liberação de novas obras beneficiou cidades mais ricas, em detrimento daquelas que mais precisam, além de ter ignorado a reserva de recursos para construção já em andamento.
Os autos devem ser encaminhados ao Ministério Público Federal (MPF) para investigar “indícios de ato de improbidade administrativa” e também para a PF (Polícia Federal).
O FNDE é órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC). Tanto as indicações dos pastores quanto as de agentes políticos se valeram dos empenhos fracionados sem critérios técnicos.
O TCU identificou casos em que houve liberações de empenhos após reuniões com Milton Ribeiro intermediadas pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura — pivôs do escândalo.
A proximidade dos pastores e Milton Ribeiro foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo. O ex-ministro foi demitido em março de 2022, uma semana depois do jornal Folha de S.Paulo revelar áudio em que Ribeiro falava em priorizar pedidos dos pastores a mando de Bolsonaro.
SUPERFATURAMENTO
O FNDE firmou, entre 2020 e maio do ano passado, 3.356 termos de compromisso entre o órgão e prefeituras relacionados a novas obras (construção de creches, escolas, quadras e reformas). Ao somar os valores das operações aprovadas a partir de empenhos menores, chega-se a R$ 8,8 bilhões.
O valor é 14 vezes superior ao que estava no orçamento para essa finalidade.
Sob Bolsonaro, o órgão passou a liberar empenhos de novas obras sem o cumprimento das exigências burocráticas e legais, como a própria existência de terreno para que a obra fosse realizada. Isso foi feito por meio das chamadas aprovações condicionais, como a Folha de S.Paulo também mostrou em 2022.
“O método adotado pelo FNDE consistia em substituir a análise técnica e prévia do projeto pela denominada ‘aprovação técnica condicional’ para, em seguida, empenhar parcela ínfima do valor necessário para execução da obra e, ato contínuo, celebrar o intitulado ‘termo de compromisso com cláusula suspensiva’”, está na decisão do TCU.
Esse formato de aprovações condicionais perpassa 79% das liberações no período (2.657 termos), o que soma R$ 7,2 bilhões, considerando o valor total das obras — não apenas o que foi reservado. São esses os atos que devem ser anulados, segundo o TCU.
CANCELAMENTO DOS EMPENHOS
A maioria dos empenhos são do orçamento direto do FNDE, mas também há casos de emendas parlamentares, incluindo as de relator. O tribunal quer que as anulações ocorram independentemente da origem dos recursos.
O FNDE foi presidido por Marcelo Lopes da Ponte entre junho de 2020 e dezembro passado. Ele era assessor de Ciro Nogueira (PP-PI), então ministro da Casa Civil do governo Bolsonaro e líder do Centrão.
Empenho é o primeiro estágio da execução da despesa pública que se caracteriza pelo ato emanado de autoridade competente que compromete parcela de dotação orçamentária disponível. Funciona como garantia ao credor do ente público de que existe o crédito necessário para a liquidação de compromisso assumido.
O TCU concluiu que Lopes da Ponte deve ser ouvido em processo apartado para que ele explique quais os critérios para a escolha dos municípios beneficiados, a razão dos recursos irem para novas obras — e não para aquelas em andamento — e a prática de empenhos fracionados que, ao somar tudo, atinge valor bastante superior ao que é orçado. O Tribunal cita o desrespeito à LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).
AGILIDADE FORA DO COMUM
Dois municípios do Maranhão que apareceram nos relatos sobre a atuação dos pastores são citados no processo do TCU. Em relação à cidade de Centro Novo (MA), o ex-presidente do FNDE movimentou pessoalmente o sistema do órgão para aprovação de termo de compromisso no mesmo dia em que houve reunião no MEC com a presença de Milton Ribeiro e o prefeito.
No caso de Bom Lugar (MA), o processo para autorizar o empenho foi movimentado no dia seguinte à reunião da gestora da cidade com Milton Ribeiro e os pastores, no próprio MEC, em fevereiro de 2022. O empenho foi efetivado 16 dias depois.
“Constatou-se a existência de ambiente propício no FNDE para a ocorrência de direcionamento de recursos a entes federados sem observância ao princípio da impessoalidade e sem o atendimento a critérios técnicos preestabelecidos”, está escrito no documento.
INQUÉRITO PARADO
Foi aberta também investigação criminal sobre o caso contra Ribeiro e os pastores, que chegaram a ser presos em junho de 2022. Desde o ano passado, entretanto, o inquérito está parado.
Os pastores pediam propina em troca de liberações de obras do MEC, de acordo com os relatos, que incluíram até a solicitação de barra de ouro para gestor.
Desde o ano passado, Milton Ribeiro tem dito que não cometeu nenhuma ilicitude e que aguarda “o reconhecimento da inexistência de justa causa para a continuidade do inquérito”.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aguarda as deliberações do TCU.
“ACORDOS ESCUSOS”
O jornal Folha de S.Paulo revelou em setembro passado a conclusão da área técnica da CGU (Controladoria-Geral da União) de que o governo Bolsonaro ignorou sistematicamente critérios técnicos na transferência de verbas da educação, potencializando “acordos escusos”.
O fundo ignorou atendimento a ranking de municípios — que deveria orientar a priorização para empenhos —, e liberou obras a partir de e-mails das lideranças.
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