A força-tarefa da Operação Lava Jato, em São Paulo, apresentou à Justiça na denúncia por cartel e fraude na licitação no Rodoanel Sul, uma cópia das planilhas do ‘amor’ e da ‘briga’, da Odebrecht. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), como o cartel corria riscos, a empreiteira elaborou uma planilha do “amor”, onde acontecia o conluio completo com as dez construtoras que compunham o cartel, e outra planilha, a da “briga”, para o caso de haver disputa “real” nos preços entre as empresas conluiadas.
A denúncia do MPF aponta que a diferença de valores entre os quadros superava os R$ 100 milhões em um dos lotes. “Isso demonstra a gravidade da conduta e a magnitude dos danos não apenas aos demais concorrentes do mercado, mas ao erário, ou, em último sentido, a toda a sociedade”, afirma o MPF.
Segundo o Ministério Público, as planilhas “briga” e “amor” foram criadas pela Odebrecht em um momento em que o cartel “corria riscos”. “Com ‘amor’, a obra saía bem mais cara”, destacou a denúncia.
Na divisão, cada um dos lotes do trecho Sul do Rodoanel foi listado pela Odebrecht com preços entre R$ 496 milhões e R$ 567 milhões dentro do esquema intitulado “amor”. Em caso de “briga”, com concorrência real, as propostas despencariam para entre R$ 410 milhões e R$ 518 milhões.Adicionar novo
Em 27 de abril de 2006, foram divulgados os resultados dos cinco lotes, “com os consórcios previstos como vencedores e os preços quase idênticos aos que a Odebrecht previu na tabela do ‘amor’”, avaliou o Ministério Público.
O PROJETO
O Rodoanel é um projeto tocado por governos tucanos que comandam o estado de São Paulo desde 1995. Trata-se de um anel viário de 176 km que circula a capital, interligando dez estradas que passam pela região metropolitana, cruzando 17 cidades.
Ele é a obra viária mais cara do Brasil. Seu custo final deve ficar em torno de R$ 26 bilhões, um valor 163% maior do que o previsto em 1998, segundo levantamento do jornal ‘O Estado de S. Paulo’.
São quatro trechos construídos nas gestões tucanas de Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin: oeste, sul e leste, já entregues, e norte, ainda em obras, com previsão de conclusão em 2019.
As suspeitas de fraude, superfaturamento e formação de cartel envolvendo o projeto, as empreiteiras e os governos tucanos existem há anos. Em 2018, elas se transformaram em denúncias criminais, com o avanço das investigações da Lava Jato. São duas até julho, uma em março e outra no último dia 27.
TRECHO SUL
Na denúncia de março envolvendo o trecho Sul, o principal alvo da operação foi Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto aliado de longa data do, hoje senador, José Serra. Mas também com relações com Alckmin. Ele foi diretor de relações institucionais da Dersa de 2005 a 2007, no primeiro período de Alckmin no governo do estado, até Serra assumir em 2007, quando Serra assumiu o comando de São Paulo, foi promovido a diretor de engenharia, responsável pelas grandes obras da empresa do estado, posto que ocupou até 2010.
De acordo com o MPF, Paulo Preto e outras quatro pessoas participaram de um esquema que desviou R$ 8 milhões que deveriam ser destinados a moradores removidos de áreas onde seriam feitas obras do trecho sul. O homem apontado como operador dos tucanos paulistas foi acusado de peculato, formação de quadrilha e inserção de dados falsos em sistema público de informação. Ele nega ilegalidades.
Paulo Vieira de Souza chegou a ser preso preventivamente mais de uma vez, mas acabou solto por determinação do ministro do STF Gilmar Mendes.
TRECHO NORTE
Na denúncia mais recente, no final do mês passado, o MPF acusou 14 pessoas, entre elas Laurence Casagrande, braço direito de Alckmin, ex-secretário de Transportes do tucano (2017) e ex-presidente da Dersa (2011-2017), empresa que conduz obras de estradas do estado, envolvida nos esquemas.
Lourence está preso preventivamente desde junho, acusado dos crimes de fraude em licitação, associação criminosa e falsidade ideológica.
De acordo com os procuradores da Lava Jato, os lotes do trecho norte tiveram um superfaturamento de R$ 480 milhões, a partir de aditivos feitos no contrato inicial com as construtoras OAS, Mendes Júnior e Isolux, para a retirada de rochas por onde a via vai passar.
Essa denúncia criminal não faz acusação de corrupção ou peculato, quando há desvio de dinheiro para benefício pessoal de agentes públicos. O MPF, porém, pediu a abertura de inquéritos separados para que investigações nesse sentido sejam conduzidas.
As acusações envolvendo obras no trecho norte incidem também sob Pedro da Silva, ex-diretor de engenharia da Dersa. Silva substituiu Paulo Preto no cargo durante gestão Alckmin.
TUCANOS
As denúncias criminais apresentadas até aqui pelo MPF, em São Paulo, não envolve os governadores tucanos que comandavam as obras do Rodoanel, porém seus nomes aparecem recorrentemente nas colaborações premiadas da Odebrecht.
Com esses depoimentos Alckmin se tornou suspeito de ter recebido R$ 10 milhões da construtora, por meio de seu cunhado, para as campanhas de 2010 e 2014. Seu caso estava no Superior Tribunal de Justiça, responsável por suspeitas envolvendo governadores, até o início de 2018. Mas foi transferido para a primeira instância paulista quando ele renunciou para se tornar pré-candidato do PSDB à Presidência.
Até o momento essas suspeitas não estão sendo tratadas como casos de corrupção, ou seja, a justiça ainda não investiga os casos com ligação entre o cartel no Rodoanel e o caixa dois nas campanhas de Alckmin.
O tucano se favorece disso por que na legislação brasileira, caixa dois, diferentemente de corrupção não pressupõe uma contrapartida paga por empreiteiras em troca de benefícios em obras públicas, portanto as punições são mais brandas do que na corrupção.
O nome do PSDB que vai concorrer ao Palácio do Planalto nas eleições de outubro de 2018 nega ilegalidades. Quando questionado pela imprensa se a prisão de seu ex-secretário de Transportes teria algum efeito negativo ou positivo em sua campanha, ele respondeu: “nenhum”.
Já José Serra, senador, com foro privilegiado, é alvo de um inquérito que está sob a guarda do Supremo e cujo relator é Gilmar Mendes. Um dos delatores da Odebrecht afirma ter pago R$ 23 milhões para a campanha presidencial do tucano em 2010 em troca de obter auxílio em obras.
MAÍRA CAMPOS