Investigação descobriu que dossiês e documentos produzidos pela “Abin paralela” eram impressos e entregues ao Palácio do Planalto
A Polícia Federal já identificou indícios de que Jair Bolsonaro recebeu informações do esquema de espionagem ilegal montado dentro da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) durante a gestão do ex-diretor Alexandre Ramagem. A PF apresentou esses elementos à Procuradoria-Geral da República (PGR) e ao Supremo Tribunal Federal (STF).
As provas colhidas até o momento, a partir das novas buscas feitas em endereços de Ramagem, seus assessores e de Carlos Bolsonaro, o filho 02 do ex-presidente, indicam, de acordo com a investigação da PF, que dossiês e documentos produzidos pela “Abin paralela” eram impressos e entregues ao Palácio do Planalto durante a gestão de Jair Bolsonaro.
A PF descobriu que Ramagem imprimiu, em fevereiro de 2020, duas listas de inquéritos eleitorais em tramitação na PF do Rio de Janeiro. É sabido que Bolsonaro fez um grande empenho para ter o controle da Superintendência da PF do Rio naquele mesmo período. Em agosto de 2019, por exemplo, ele anunciou publicamente que iria trocar o superintendente da PF do Rio, Ricardo Saadi, e tentou escolher o nome do novo superintendente.
Por isso, a investigação aponta indícios de que Ramagem abasteceu Jair Bolsonaro com informações da PF do Rio.
Em uma reunião ministerial de abril de 2020, Bolsonaro chegou a verbalizar seu desejo de trocar o superintendente da PF do Rio para blindar amigos e familiares. “Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, disse Jair Bolsonaro.
As listas de inquéritos, de natureza sigilosa, teriam sido repassadas a Ramagem por algum integrante da PF do Rio de Janeiro. Os investigadores vão analisar os acessos feitos ao sistema da própria Polícia Federal para identificar a origem da informação. A Abin intensificou também o uso de uma ferramenta de espionagem israelense de nome First Mile, no período eleitoral de 2020.
Esse equipamento podia monitorar ilegalmente cerca de dez mil pessoas por ano. De acordo com a decisão do ministro Alexandre de Moraes, em um universo de 60 mil consultas ao sistema, a metade ocorreu no período eleitoral. Isso, de acordo com a investigação, indica a instrumentalização criminosa da Abin para interferir no processo eleitoral em curso.
A PF também apura se o então ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, tinha conhecimento e deu o aval para as operações de espionagem ilegal conduzidas por Ramagem. Por isso, ele foi intimado para prestar depoimento. Em uma transmissão ao vivo para seus seguidores feita no último domingo, Bolsonaro chamou de “narrativa” a investigação sobre o assunto e disse que Ramagem era “um cara fantástico”.