O governo de São Paulo lançou um edital na última quarta-feira (22) para a contratação de 12 mil novas câmeras corporais para a Polícia Militar. O ponto mais crucial, segundo o documento, é que a gravação de vídeos pelo equipamento deverá ser realizada de forma intencional, ou seja, o policial será responsável pela escolha de gravar ou não uma ocorrência.
Ao menos dezoito entidades da sociedade civil, entre elas, a Comissão Arns, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), criticaram o que altera uma das principais normas do programa atual: a possibilidade da gravação ininterrupta de todo o turno do policial.
No novo modelo, o próprio policial será responsável por ligar o equipamento no momento da ocorrência, o que poderá ser feito também pela central de operações da polícia.
De acordo com as entidades, a mudança pode colocar em risco os bons resultados alcançados com a utilização dos equipamentos.
“Ao extinguir a funcionalidade de gravação ininterrupta, a PM deixa a cargo dos próprios policiais a escolha sobre o acionamento das câmeras, o que pode diminuir os efeitos positivos do programa. Diferentes estudos realizados no Brasil e no exterior indicam que, em média, os policiais não acionam a câmera corporal em 70% das ocorrências atendidas”, informaram as entidades, em nota.
A gravação ininterrupta, reforçam as instituições, pode ser considerada uma das maiores inovações do programa paulista e atualmente é referência mundial sobre uso de câmeras corporais.
“Ao prever câmeras que apenas podem ser acionadas após uma decisão discricionária do policial (ainda que remotamente pelo gestor), que não gravam ininterruptamente e ainda incorporam outras funcionalidades como leituras de placas veiculares e identificação de pessoas, a PM gera desconfianças sobre a manutenção do programa”, continua a nota.
As entidades chamam atenção ainda sobre outra alteração: a nova licitação reduz o tempo de armazenamento dos vídeos de 365 dias para 30 dias, “que pode comprometer o uso das imagens como provas técnicas e evidências em investigações e processos judiciais pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública e pelo Tribunal de Justiça”.
Segundo a nota, relatório publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública identificou queda de 62,7% na letalidade policial, entre 2019 e 2022, com maior ênfase nas regiões onde as câmeras estavam em uso. Análise realizada pelo Centro de Ciência Aplicada à Segurança Pública, da Fundação Getulio Vargas (CCAS-FGV), apontou também que as câmeras foram responsáveis diretamente por 57% de redução no número de mortes decorrentes de intervenção policial e queda de 63% nas lesões corporais causadas por policiais militares.
As entidades ressaltam que estudo do Instituto Sou da Paz revelou que os casos de mortes de jovens (entre 15 e 24 anos) caíram 46% após a implementação das câmeras. “O uso das câmeras reduziu drasticamente o número de policiais mortos em serviço, de 18 vítimas policiais em 2020, para quatro, em 2021, e seis, em 2022, os menores números da série histórica”, dizem as entidades.
Veja a nota na íntegra: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2024/05/nota-imprensa-cameras-v05.pdf
RETROCESSO
Em entrevista ao portal G1, o ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida, afirmou que esse novo edital é um retrocesso inominável, sobre PMs de SP, que decidirem se querem ligar câmeras corporais em ocorrências
“Esse é mais um retrocesso inominável, verdadeiro teatro”, disse o ministro. “Ora, se de um lado há policiais que vão ligar e há outros que vão desligar a câmera, onde está o critério de preservação das vidas envolvidas em ações policiais? Me parece que o governo de SP ignora o fato de que a câmera também serve para proteção da vida dos policiais. Esse é mais um retrocesso inominável, verdadeiro teatro”, continuou o ministro.
Na prática, a mudança pode dificultar investigações de atos de violência policial, uma vez que pode aumentar o uso da força de forma indiscriminada e sem controle, dificultar a produção de provas para investigações e diminuir a proteção do próprio policial que se encontre em situação de risco e/ou que tenha sua conduta questionada.
Atualmente, há 10.125 câmeras em operação no estado que foram compradas por meio de dois contratos, e as gravações são divididas em duas categorias: de rotina e intencionais. Todas elas serão substituídas pelos novos equipamentos e 2 mil novas serão compradas.
Os vídeos de rotina registram todo o turno do policial e são obtidos sem o acionamento, portanto gravam de forma ininterrupta. Os PMs não têm autonomia para escolher o que desejam registrar. As imagens ficam arquivadas por 90 dias no sistema do Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) e, para reduzir os custos, a resolução delas é menor e sem o som ambiente.