Peças foram presentes sauditas para o então presidente e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e entraram ilegalmente no país em comitiva do Ministério de Minas e Energia
“Novos elementos” do caso das joias teriam sido encontrados no aparelho celular de Frederick Wassef, advogado de Jair e Flávio Bolsonaro (PL), pela PF (Polícia Federal).
De acordo com as autoridades, o investigado estaria envolvido no “resgate” dos itens que haviam sido vendidos nos EUA.
Os novos indícios que serão apurados pela PF devem atrasar a conclusão do inquérito, que ocorreria durante esta semana. As informações são do blog de Camila Bomfim, no portal G1.
Wassef agiu com o tenente-coronel Mauro Cid, então ordenança de Bolsonaro, que também prestou depoimentos à PF, para recuperar as joias vendidas no exterior e tiveram de ser devolvidas às autoridades. A dupla agiu devido à decisão do TCU (Tribunal de Contas da União), que exigiu a devolução dos itens dentro de um prazo de 5 dias úteis em março do ano passado.
As joias haviam sido entregues como presente da Arábia Saudita em viagem oficial em 2019. A devolução dos itens era necessária já que deveriam estar no acervo da Presidência da República.
As investigações sugerem que os itens foram vendidos em duas lojas nos Estados Unidos e foram recuperados por Wassef e Cid. Posteriormente, as joias teriam sido entregues a Osmar Crivelatti, tenente do Exército e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
RELEMBRE O CASO
A operação investiga se militares ligados ao ex-presidente fizeram negociações de joias e itens de luxo de maneira ilegal, cujo valor podem ter superado R$ 1 milhão. Os objetos foram dados a Bolsonaro como presentes durante o período em que ele esteve na Presidência da República.
Segundo a PF, os fatos investigados configuram crimes de peculato — apropriação indébita por servidor — e lavagem de dinheiro. A operação foi batizada de Lucas 12:2 em alusão ao versículo 12:2 da Bíblia, que diz: “Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido”.
ORIGEM DA INVESTIGAÇÃO
A Lucas 12:2 foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), em desdobramento do inquérito sobre as chamadas milícias digitais, que investiga a atuação de possível organização criminosa na internet que atuaria com o objetivo de atacar o Estado Democrático de Direito e desestabilizar as instituições democráticas.
No âmbito dessa apuração, aberta após o encerramento do inquérito das fake news, o entorno de Bolsonaro passou a ser investigado.
A decisão da Corte que autoriza a Operação Lucas 12:2 cita especificamente o caso das joias oriunda da Arábia Saudita em outubro de 2021 e que teriam sido incorporadas, ilegalmente, ao patrimônio do ex-presidente, em caso que veio a público em março de 2023.
As peças sauditas foram presentes para o então presidente Jair Bolsonaro e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e entraram no país em comitiva do Ministério de Minas e Energia que esteve no Oriente Médio em eventos oficiais.
QUAIS SÃOS AS PROVAS DO ESQUEMA
Na decisão que determinou a realização da Operação Lucas 12:2, Moraes cita o avanço das investigações da PF, que aponta que o dinheiro das vendas dos presentes era remetido a Bolsonaro “por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal”.
O objetivo seria ocultar “a origem, a localização e a propriedade dos valores”.
Entre as provas obtidas na investigação está áudio que revela conversa de Mauro Cid, na qual ele cita 25 mil dólares “possivelmente pertencentes” ao ex-presidente.
Dia 18 de janeiro de 2023, Mauro Cid trocou mensagens com Marcelo Câmara, apontado como assessor de Bolsonaro, sobre a venda de esculturas presenteadas pelo governo do Bahrein durante viagem oficial.
Na avaliação dos investigadores, o general Mauro Lourena Cid, pai de Mauro Cid, estaria com o valor de 25 mil dólares, “possivelmente pertencentes a Jair Bolsonaro”. Conforme o relatório, os interlocutores também evidenciaram receio de usar o sistema bancário para “repassar o dinheiro ao ex-presidente”.
“Tem 25 mil dólares com meu pai [Mauro Lourena Cid]. Eu estava vendo o que era melhor fazer com esse dinheiro, levar em cash [dinheiro vivo] aí. Meu pai estava querendo inclusive ir aí falar com o presidente. E aí, ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas, também pode depositar na conta. Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor, né?”, escreveu Mauro Cid.
REFLEXO NO ESPELHO
Outro indício é uma foto em que aparece o rosto de Mauro Lourena Cid. Ao fotografar caixa com itens para que fossem avaliados, o militar acabou deixando seu rosto aparecer no reflexo.
Conforme as regras do TCU (Tribunal de Contas da União), presentes de governos estrangeiros dados ao governo brasileiro devem ser incorporados ao GADH (Gabinete Adjunto de Documentação Histórica), setor da Presidência da República responsável pela guarda dos presentes.
Ou seja: esses itens não poderiam ficar no acervo pessoal de Bolsonaro, nem deixar de ser catalogados.
JOIAS NO AVIÃO PRESIDENCIAL
Segundo as investigações, os desvios começaram em meados de 2022 e terminaram no início deste ano, mas os itens negociados foram recebidos em viagens desde 2019.
Em um dos casos descobertos pela PF, o general Mauro Lourena Cid recebeu, na própria conta bancária, 68 mil dólares pela venda de 2 relógios, 1 Patek Phillip e 1 Rolex. Na época, o militar trabalhava no escritório da ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, em Miami (EUA).
Os itens saíram do País em mala transportada no avião presidencial. De acordo com a PF, Mauro Cid participou do desvio.
Entre os itens que foram retirados do Brasil dia 30 de dezembro de 2022, um dia antes do fim do mandato de Bolsonaro, estão esculturas de barco e de palmeira folheadas a ouro, recebidas durante viagem do ex-presidente ao Bahrein, em 2021.
Conforme a investigação, Mauro Cid tentou vender os itens em lojas especializadas na Flórida (EUA), mas não conseguiu porque não eram 100% de ouro.
KIT DA ARÁBIA SAUDITA
Outro presente desviado foi conjunto masculino de joias da marca suíça de acessórios de luxo Chopard, composto por caneta, abotoadura, anel, rosário árabe e relógio, recebidos durante viagem presidencial a Arábia Saudita, em 2021. Esse é um dos itens do caso que veio à tona em março, de joias que teriam sido incorporadas ilegalmente ao acervo privado de Bolsonaro.
Segundo a PF, Mauro Cid negociou o kit em casa de leilão de artigos de luxo nos Estados Unidos, mas as joias não foram arrematadas. Os investigadores estimaram que os itens podem valer 120 mil dólares.
“Os elementos de prova indicam, com robustez, que os bens constantes do segundo conjunto foram evadidos do Brasil, também em mala transportada no avião presidencial em 30/12/2022, para os Estados Unidos da América, onde foram encaminhadas, pelos mesmos agentes, principalmente Mauro Cid e Mauro Lourena Cid para a casa especializada em leilão Fortuna Auction, onde não foram arrematados por circunstâncias alheias à conta dos agentes”, escreveu a PF no inquérito.
OPERAÇÃO DE “RESGATE”
A PF também informou que, quando o caso das joias sauditas veio a público, em março de 2023, e foi determinado que os itens deveriam ser devolvidos ao TCU, os aliados de Bolsonaro realizaram espécie de “operação de resgate”.
Conforme inquérito, a recuperação dos itens foi feita em duas etapas. De acordo com a PF, Frederick Wassef recuperou um dos relógios Rolex, que havia sido vendido, e o trouxe ao Brasil após viagem aos Estados Unidos. Em seguida, o relógio foi entregue à Caixa Econômica Federal.
Em outro voo, Mauro Cid saiu de Miami para Brasília e entregou o restante das joias do kit para Osmar Crivelatti, outro ajudante de ordens de Bolsonaro.
“O relógio Rolex Day-Date vendido para a empresa Precision Watches, foi recuperado no dia 14/03/2023 pelo advogado Frederick Wassef, que retornou com o referido bem ao Brasil na data de 29/3/2023. O mencionado advogado entregou o bem a Mauro Cid, em 2/4/2023, na cidade de São Paulo, que, a seu turno, retornou o bem à Brasília na mesma data, entregando o bem para Osmar Crivelatti”, escreveu a PF.