Proposta do chanceler russo, Sergei Lavrov, de assinatura de um tratado internacional sobre o ciberespaço, no âmbito da ONU, apresentada na Assembleia Geral de setembro, em meio ao silêncio total de Washington e seus satélites, foi afinal respondida em coro pela Otan, acusando, sem apresentar qualquer prova, de que seria a Rússia que estaria hackeando tudo, da Organização Mundial Anti-doping à Opaq (Armas Químicas). A provocação, por notável coincidência, veio a público na véspera de reunião da aliança imperial que oficializou novo departamento da Otan de guerra cibernética.
As acusações contra a Rússia são ainda mais cínicas, levando-se em conta que, desde as assombrosas denúncias de Edward Snowden, é amplamente sabido que quem grampeia tudo – de presidentes, instituições, empresas a gente comum – 24 horas por dia são os EUA, através da NSA, sem falar, no terreno ‘civil’, que os gigantes que monopolizam a internet são norte-americanos e de conhecidos vínculos com a inteligência norte-americana. Ou que, como revelou o vazamento CIA Vault Seven, feito pelo WikiLeaks, é a CIA que promove a guerra cibernética e inclusive desenvolveu uma tecnologia para implantar pegadas falsas para atribuir a outros países os ataques cibernéticos que comete. (Sem falar que a maior parte dos hackers que operam nos EUA estão na folha do FBI).
Então, de uma só sacada, a Holanda requentou uma provocação de abril seis meses depois, para dizer que expulsara quatro russos que “iriam hackear a rede wifi da Opaq” – no dia em que uma instituição de proibição de armas químicas depender de wifi para manter sigilo, será o fim da picada. Eles também planejariam ir até um laboratório da Opaq na Suíça – “onde estaria sendo testado o ‘novichok’ do caso Skripal” -, de acordo com tais alegações.
Rapidamente, Londres engrossou a provocação, com seu embaixador em Amsterdã, Peter Wilson, asseverando que um dos expulsos também teria “tentado roubar os dados da investigação sobre a derrubada do MH17 da Malásia Airlines na Ucrânia em 2014. Mais tarde a Alemanha se somou, asseverando que quem estava por trás do grupo de hackers conhecido como ‘Fancy Bear’ era a ‘inteligência militar russa’. Mais declarações, e os “ataques russos” também teriam supostamente atingido a Agência Mundial Anti-Doping
A cada hora que passava, as elucubrações iam mais longe, a ponto da porta-voz da chancelaria russa, Maria Zakharova, ter ironizado a mixórdia resultante. “Sem nenhuma distinção, em um só frasco – ou talvez, um frasco de perfume Nina Ricci – se misturou tudo: o GRU, os espiões cibernéticos, os hackers do Kremlin e a Agência Anti-Doping [Wada]. É uma mescla de perfume infernal”. “A prolífera imaginação de nossos colegas do Reino Unido realmente não tem limite”. A inclusão da Agência Anti-Doping provavelmente se deve a que esta, assim como o Comitê Olímpico Internacional, restabeleceram o status da agência russa correspondente. E, como Zakharova notou, tudo sem qualquer prova, só na base do “altamente provável” – ou, como agora, nem isso.
A Rússia chamou o embaixador holandês, que só tergiversou. Como apontou Lavrov, trata-se de uma “manobra diversionista”, não houve qualquer queixa formal a Moscou em abril, os dois russos não se esconderam em momento algum, nem quando se hospedaram em um hotel nem quando foram até a embaixada russa. No início da provocação, estão os EUA, cujo Departamento de Justiça havia “denunciado” sete agentes militares russos por hackearem a Wada e agências antidoping de várias nações e a divisão nuclear da Westinghouse.
Por sua vez, o chefe do Pentágono, ‘Cachorro Doido’ Mattis diz ter visto as “provas” que Londres e Amsterdã não mostram para mais ninguém e têm “100% de certeza”. Também ofereceu os préstimos no Pentágono sobre a guerra cibernética. Já o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, após repetir o script encomendado sobre ‘a imprudente interferência russa’, saudou os avanços “no estabelecimento do novo Centro de Operações Cibernéticas” da aliança imperial.
Em tempo: segundo o Sunday Times, o exército inglês estaria realizando um exercício de guerra cibernética contra a Rússia, em que “apagaria as luzes do Kremlin”, sob hipóteses como a de que “Moscou invadiria a Líbia para roubar o petróleo e provocar outra crise de refugiados”. A Rússia pediu esclarecimentos a Londres.
A.P.