Para o professor José Giacomo Baccarin, 90% dos aumentos nos preços dos alimentos no final do ano se concentraram em três produtos: carne, leite e café, que têm preços dolarizados. Os dados foram apresentados em seminário promovido pelo Corecon-SP
O professor em Desenvolvimento Agroindustrial e Política Agrícola da UNESP e diretor do Instituto Fome Zero, José Giacomo Baccarin, afirmou, em palestra no Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), na segunda-feira (27), que “o aumento de preços de alimentos no Brasil não tem nada a ver com excesso de demanda interna e nem com problema de oferta”. “Nós temos produção sobrando no Brasil”, ressaltou.
PREOCUPAÇÃO COM ALTA DE PREÇOS
Baccarin destacou a preocupação do presidente Lula com os preços dos alimentos, manifestada na primeira reunião ministerial deste ano, e enfatizou que a Inflação de alimentos causa maiores problemas aos mais pobres, “maior percentual de renda usada na compra de uma cesta restrita de consumo”.
Ele discorda das várias explicações que surgem para a recente alta da inflação “porque o desemprego caiu, a renda aumentou, etc”, e, portanto, “foram às compras e pressionaram os preços para cima, a tal da inflação de demanda”, diz.
Assista ao seminários do Corecon
“Os número não comprovam isso”, afirma. “Os preços dos produtos não comercializáveis caíram, como o preço do feijão, do ovo de galinha, da farinha de mandioca, da batata”, exemplifica. “Não tivemos inflação de demanda afetando os preço dos alimentos. Se a gente está falando isso, estamos jogando água no moinho do Banco Central, ‘então tem que aumentar a taxa de juro'”.
CARNE, CAFÉ E LEITE
Segundo ele, “a demanda cresceu, mas a oferta respondeu”, ressaltando que apenas “três itens contribuíram com 90% do aumento da alimentação do domicílio no ano passado”. “A gente teve elevação dos preços da carne bovina e suína ao consumidor de 20%; café moído, alta de 40%; leite longa vida, alta 19%. Nesses três produtos, os preços internacionais se elevaram”.
“No ano passado, o câmbio acirrou o aumento de preços vindo do mercado das commodities”, disse Baccari, destacando “o caso da carne bovina que vinha caindo de preço desde o começo de 2023 até agosto do ano passado, uma queda de -2,5% no preço no Brasil. Entre setembro e dezembro, as carnes bovinas aumentaram 23,9%.”
“Não consigo entender esse ciclo pecuário que nos oito primeiros meses do ano cai, pouco, mas cai, e depois aumenta em 24%!. Acho que é um movimento pesado, talvez especulativo”.
EXPORTAR E ABASTECER O PAÍS
Nesse sentido, o diretor do Instituto Fome Zero defende que é importante discutir “como a gente arbitra a decisão de abastecer o mercado interno e exportar”. “Não sou contra o Brasil exportar, isso é uma conquista nacional […], exportar em si não causa desabastecimento no mercado interno”, mas, “tem um efeito sobre a segurança alimentar que a gente não pode desconsiderar”, argumentou.
No caso da carne, ele defende que os frigoríferos deviam ser convocados para explicar o motivo que levou os preços das carnes bovinas e suínas a subirem tanto no final de 2024. Além disso, as autoridades deveriam questionar o Banco Central sobre a taxa Selic. Segundo ele, em 2024, “se os alimentos tivessem subido igual a média dos outros grupos do IPCA, o nosso IPCA seria de 4,1% e não de 4,8%”. “Aumentar os juros não tem efeitos sobre isso”.,
Baccarin avalia que a inflação dos alimentos está atrelada à alta dos preços de commodities internacionais e a valorização do dólar frente ao real, que estimula corrida por exportações no país.
INFLAÇÃO LOCALIZADA
“Os responsáveis, a fonte da inflação de alimentos no Brasil é agricultura e agroindústria”, afirmou. “Não são os supermercados, não é o varejo e nem a indústria alimentícia de maneira geral, que até em alguns momentos, eles seguraram a inflação de alimentos”, ressaltou o especialista.
“A pressão [dos preços] vem da agricultura e agroindústria – aquela indústria que faz o primeiro processamento de insumos agrícolas, frigoríficos, laticínios, indústria de sucos e energéticos (açúcar, laranja), esse tipo de indústria”, explicou o professor.
De acordo com o pesquisador, a inflação dos alimentos cresceu 283,6% entre 2007 e 2024, enquanto a inflação geral teve alta de 171,6% no mesmo período. No mesmo intervalo, o Índice de Preços de Alimento e Bebidas (IPAD) variou em 7,8% ao ano, em média, ao mesmo tempo que o indicador oficial de inflação, IPCA (calculado pelo IBGE), teve uma alta anual de 5,8%.
INTERNACIONALIZAÇÃO DA AGRICULTURA
Para Giacomo Baccarin, o aumento da internacionalização comercial dos produtos agrícolas no Brasil é a “causa base” que gera o aumento dos preços do alimento no país.
“A causa básica do aumento dos alimentos no Brasil é a falta de produção? Não. Tem excesso de demanda? Também não. A causa básica, na minha interpretação, é que o Brasil aumentou a sua participação no mercado internacional agrícola. A partir de 1990 nós tivemos um crescimento das nossas exportações, isso foi muito acentuado no século atual, no século 21”, afirmou.
“O Brasil, pegando o que nós exportamos sobre o que nós produzimos, aumentou as (exportações); e pegamos o que nós exportamos sobre o que o mundo exporta, também aumentou. Nós tivemos um crescimento da participação do mercado internacional agrícola em um momento que os preços internacionais dos alimentos cresceram”, destacou o professor.
INFLAÇÃO ESTRUTURAL
“Estamos acompanhando um aumento dos preços internacionais desde a virada do século e o Brasil aumentou sua participação quando os preços internacionais estavam crescendo. Então, isso implicou em inflação de alimentos no Brasil”, enfatizou José Giacomo Baccarin no debate promovido pelo Corecon-SP e transmitido pela TV Economista.
O debate “Internacionalização da Agricultura e Inflação de Alimentos no Brasil”, mediado pelo coordenador da Comissão de Políticas Públicas de Superação da Desigualdade Social do Corecon-SP, Antonio Prado, contou com as participações do presidente do Corecon-SP, Odilon Guedes; a coordenadora do Movimento de Luta contra a Carestia e ex-vereadora de São Paulo, Lídia Corrêa, e do coordenador do Núcleos de Acompanhamento de Políticas Públicas (NAPP) da Fundação Perseu Abramo, Luiz Alberto Melchert.