
O Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito civil para investigar suspeitas de que a gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) estaria promovendo um desmonte do programa Poupatempo como justificativa para sua privatização. A investigação foi instaurada na quarta-feira (19) e busca esclarecer possíveis irregularidades no processo.
A Prodesp (Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo), que administra o Poupatempo desde sua criação há quase 30 anos, lançou, em 9 de dezembro de 2024, a segunda versão de um chamamento público para selecionar um grupo empresarial para gerir o serviço. O contrato previsto ultrapassa R$ 3 bilhões. A promotora do Patrimônio Público, Karyna Mori, destacou que a Prodesp transformou o programa em “dos mais eficientes e resolutivos serviços públicos, senão o melhor, e uma referência de boas práticas administrativas e de gestão”. No entanto, segundo o Ministério Público, esse legado pode estar sob “sério risco” em um processo que pode causar “grave dano moral à população paulista”. O governo estadual tem um prazo de 20 dias úteis para se manifestar sobre as acusações.
A administração estadual nega qualquer desmonte do Poupatempo e afirma ter inaugurado 36 novas unidades, totalizando 245 postos no estado. A Prodesp, por sua vez, declarou que o chamamento público foi validado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), garantindo “transparência e ampla concorrência”.
Entre os pontos investigados pela Promotoria, há indícios de que o edital permite a exploração comercial de dados dos usuários e apresenta exigências que poderiam dificultar a ampla concorrência, levantando suspeitas de direcionamento da licitação.
A investigação teve início após representação feita pelo procurador aposentado Fernando Capez e pelo advogado Guilherme Farid, ambos ex-diretores do Procon-SP na gestão do ex-governador Rodrigo Garcia (PSDB). Segundo Farid, funcionários da Prodesp os procuraram para denunciar que “alguns servidores do Poupatempo relataram que coisas estranhas estavam acontecendo, um desmonte com a intenção de privatizar o Poupatempo”. Diante desses relatos, iniciaram conversas com trabalhadores do programa e da Prodesp.
Um dos aspectos que mais chamaram atenção da Promotoria foi a proposta de mudança do modelo de gestão do Poupatempo sem um estudo prévio que justificasse a privatização ou explicasse como seria sua nova estrutura. Atualmente, a operação do programa é dividida em oito lotes, com diferentes empresas prestando suporte às unidades, enquanto a administração geral cabe à Prodesp. O novo modelo prevê a redução para um único lote, com gestão compartilhada entre a Prodesp e uma empresa privada.
Anteriormente, a divisão por lotes permitia que 24 empresas participassem das licitações, enquanto no novo formato, apenas duas conseguiram se inscrever, mesmo após intervenção do TCE, que determinou que o governo aceitasse consórcios.
Capez e Farid também apontaram que o grupo gestor do Poupatempo foi esvaziado, com a retirada de 36 dos 80 funcionários de nível superior, incluindo 19 dos 20 cargos de confiança. Além disso, entre os 26 cargos de liderança – superintendente, gerentes e coordenadores –, 15 foram ocupados por pessoas de fora do programa, representando 60% das posições.
Outro fator preocupante é o desaparecimento de todo o histórico do programa que estava armazenado na intranet do órgão. Não se sabe se os dados foram apenas ocultados ou deletados permanentemente. A queixa menciona ainda que o setor de Ouvidoria, responsável por receber denúncias e monitorar possíveis irregularidades, teria sido esvaziado.
Além das preocupações com o impacto estrutural e administrativo do novo modelo, a investigação também levanta questões sobre o possível aumento de custos para a população. O documento cita a possibilidade de cobranças adicionais para a emissão de documentos como CNH e RG, caso o Poupatempo passe a ser operado por uma empresa privada.
A Promotoria também avalia que as exigências do edital podem restringir a concorrência, favorecendo um grupo específico. O documento menciona critérios como experiência na gestão de pelo menos 15 unidades de atendimento público presencial, administração de 300 colaboradores sob um único contrato e ter realizado reformas ou construções de ao menos 15 imóveis.
A investigação segue em andamento, e o governo estadual deverá apresentar justificativas para as mudanças propostas no modelo de gestão do Poupatempo
Nota da Prodesp
A Prodesp não pode se manifestar sobre o Inquérito Civil instaurado pelo Ministério Público de São Paulo, pois o processo está sob sigilo e ainda não foi comunicado à empresa. No entanto, reforçamos que todos os processos conduzidos pela Prodesp, no âmbito da gestão e fiscalização do Poupatempo, seguem protocolos rigorosos, garantindo transparência e qualidade no atendimento à população paulista.
Embora a empresa não comente especulações ou hipóteses sobre decisões administrativas internas, conforme previsto na Lei das Estatais (Lei 13.303/2016), que garante sigilo a informações estratégicas para preservar a competitividade e os interesses comerciais, é fundamental destacar que todos os chamamentos públicos, incluindo o atual, foram submetidos à análise do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP). O órgão validou sua continuidade dentro dos parâmetros legais, garantindo transparência e ampla concorrência.
O Poupatempo segue em constante expansão e modernização. Nesta gestão, 36 novas unidades foram inauguradas, totalizando 245 postos em todo o Estado. Atualmente, o programa atende mais de 45 milhões de atendimentos por ano, por meio de unidades físicas, 900 totens de autoatendimento e plataformas digitais. A oferta de serviços digitais cresceu de 300 para mais de 4.300, resultando em 76 milhões de atendimentos realizados apenas em 2024. Além disso, o tempo médio de espera foi reduzido de 15 para 5 minutos, garantindo mais agilidade e eficiência.
A modernização também permitiu uma economia de R$ 228 milhões. Esses avanços refletem diretamente na experiência do cidadão, que hoje avalia o Poupatempo com 98% de aprovação.