A juíza federal Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos processos da Operação Lava Jato, proferiu, na quarta-feira (6/02), sentença condenando o ex-presidente Lula a 12 anos e 11 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso das obras do sítio em Atibaia, São Paulo.
A sentença – um arrazoado de 360 páginas – expõe fartamente as provas de que a Odebrecht, a OAS e José Carlos Bumlai pagaram e efetuaram a reforma do sítio, para uso de Lula, como parte da propina repassada para assaltar a Petrobrás, através do sobrepreço e superfaturamento nos contratos, por um cartel de empreiteiras.
Havia outros doze réus no mesmo processo.
O Ministério Público Federal (MPF) pediu a condenação de Lula pelo recebimento de propina do Grupo Schain, de José Carlos Bumlai, da OAS a da Odebrecht, por meio da reforma e decoração do sítio – na verdade, composto por dois sítios: o Santa Bárbara e o Santa Denise.
A acusação trata do repasse de propina de pelo menos R$ 128 milhões pela Odebrecht e de outros R$ 27 milhões por parte da OAS, dos quais teriam saído, segundo o MPF, os valores usados para a reforma do sítio.
O sítio está em nome de Fernando Bittar, filho do amigo de Lula e ex-prefeito de Campinas, Jacó Bittar, e de seu sócio Jonas Suassuna.
As obras foram feitas, segundo os procuradores, a pedido da então primeira dama Marisa Letícia, para adequar o imóvel às necessidades de Lula e de sua família, reais proprietários do imóvel.
Na quarta-feira, a juíza Hardt decretou o confisco do sítio:
“… nesta sentença que não se discute aqui a propriedade do sítio. Contudo, os valores das benfeitorias, no mínimo equivalem ao valor do terreno (…). Não há como se decretar a perda das benfeitorias sem que se afete o principal.
“Diante disto, não vislumbrando como realizar o decreto de confisco somente das benfeitorias, decreto o confisco do imóvel, determinando que após alienação, eventual diferença entre o valor das benfeitorias, objeto dos crimes aqui reconhecidos, e o valor pago pela totalidade do imóvel, seja revertida aos proprietários indicados no registro”.
VEREDITO
As benfeitorias na propriedade totalizaram R$ 1.020.500,00, somando a Odebrecht, a OAS e José Carlos Bumlai – que intermediava a propina com a Schain -, conforme provas apresentadas pelo MPF.
Lula atendeu às empreiteiras para manter nos cargos os então executivos da Petrobrás Renato Duque, Paulo Roberto Costa, Jorge Zelada, Nestor Cerveró e Pedro Barusco, que comandavam, dentro da Petrobrás, os esquemas de propina montados pelo cartel das empreiteiras com o PT e outros partidos, para assaltar a estatal – e que foram descobertos posteriormente pela Operação Lava Jato.
Já condenado em segunda instância no caso do triplex do Guarujá, Lula recebe agora sua segunda condenação em primeira instância.
Além dessa segunda condenação, o ex-presidente é processado por corrupção e lavagem de dinheiro também no caso do terreno que abrigaria o Instituto Lula e um apartamento vizinho ao que ele morava, em São Bernardo do Campo.
Nesse processo, o MPF denunciou Lula por ter recebido propinas da Odebrecht. O processo também já recebeu as alegações finais e aguarda sentença.
Depois de analisar as provas (testemunhais e documentais) constantes nos autos, os argumentos da defesa e as alegações finais, que se concentraram na afirmação de que Lula é inocente pelo fato de não ser dono formal do sítio, a juíza Gabriela Hardt proferiu a sentença, condenando-o por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
A juíza decidiu extinguir, sem julgamento de mérito, a acusação imputada a Lula de corrupção ativa no caso do recebimento de propina da OAS, relativa ao contrato Novo Cenpes, em prol do Partido do Trabalhadores.
O caso está sendo investigado em outro processo.
Leia aqui a integra da sentença
Para a juíza ficou provado que:
1 – A OAS foi a responsável pelas reformas na cozinha do sítio de Atibaia no ano de 2014.
2 – As obras foram feitas a pedido de Lula e em benefício de sua família, sendo que ex-presidente acompanhou o arquiteto responsável, Paulo Gordilho, ao menos na sua primeira visita ao sítio, bem como o recebeu em São Bernardo do Campo para que este lhe explicasse o projeto.
3 – Consta da denúncia o valor pago à empresa Kitchens, no valor de R$ 170 mil.
4 – Toda a execução da obra foi realizada de forma a não ser identificado quem executou o trabalho e quem seria o beneficiário.
5 – Todos os pagamentos efetuados pela OAS à empresa Kitchens foram feitos em espécie, no intuito de não deixar rastros de quem era o pagador;
6 – Não houve ressarcimento à OAS dos valores desembolsados pela empresa em benefício de Lula e de sua família.
Assim, considerou a juíza, sobre Lula:
“A culpabilidade é elevada.
“O condenado recebeu vantagem indevida em decorrência do cargo de Presidente da República, de quem se exige um comportamento exemplar enquanto maior mandatário da
República.
“A prática do crime corrupção, só nos quatro contratos citados na presente denúncia, envolveu a destinação R$ 85.431.010,22 ao núcleo de sustentação da Diretoria de Serviços da Petrobrás – diretoria vinculada ao Partido dos Trabalhadores.
“Além disso, o crime foi praticado em um esquema criminoso mais amplo, no qual o pagamento de propinas havia se tornado rotina.
“… o custo da propina foi repassado à Petrobrás, através da cobrança de preço superior à estimativa, aliás propiciado pela corrupção, com o que a estatal ainda arcou com o prejuízo no valor equivalente.
“… o esquema de corrupção sistêmica criado tinha por objetivo também, de forma espúria, garantir a governabilidade e a manutenção do Partido no Poder”.
A juíza Hardt, depois de ressaltar as amplas provas documentais e testemunhais sobre os delitos, concluiu:
“Comprovado ainda que o réu Luiz Inácio Lula da Silva teve participação ativa neste esquema, tanto ao garantir o recebimento de valores para o caixa do partido ao qual vinculado, quanto recebendo parte deles em benefício próprio. Tais verbas foram solicitadas e recebidas indevidamente em razão da função pública por ele exercida, pouco importando pelo tipo penal se estas se deram parcialmente após o final do exercício de seu mandato.”
Assim, resolveu a juíza:
- Extinguir sem julgamento a acusação de corrupção ativa, imputada a Lula pelo recebimento de vantagens indevidas da OAS, relativas ao contrato Novo Cenpes em prol do Partido do Trabalhadores. Essa acusação já pertence a outro processo.
- Condenar Luiz Inácio Lula da Silva pelo crime de corrupção passiva, pelo recebimento de vantagens indevidas da Odebrecht em razão do seu cargo, em prol do Partido do Trabalhadores.
- Absolver Luiz Inácio Lula da Silva do crime de lavagem de dinheiro, envolvendo a ocultação e dissimulação dos valores utilizados por José Carlos Bumlai nas reformas feitas por ele no sítio de Atibaia.
- Condenar Luiz Inácio Lula da Silva por lavagem de dinheiro, envolvendo a ocultação e dissimulação dos valores utilizados pela Odebrecht e do beneficiário nas reformas feitas no sítio de Atibaia por aquela empreiteira e pelo crime de corrupção passiva ante o recebimento de vantagens indevidas da Odebrecht, em razão do seu cargo, em benefício próprio.
- Condenar Luiz Inácio Lula da Silva por crime de lavagem de dinheiro, envolvendo a ocultação e dissimulação dos valores utilizados pela OAS e do beneficiário nas reformas feitas no sítio de Atibaia por aquela empreiteira, e pelo crime de corrupção passiva ante o recebimento de vantagens indevidas da OAS em razão do seu cargo em benefício próprio.
Lula está preso em Curitiba desde abril de 2018, cumprindo a pena de 12 anos e um mês, determinada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), na sua primeira condenação em segunda instância nos processos da Operação Lava Jato – nesse processo, a propina foi sob a forma de um triplex em Guarujá.
O então juiz federal Sérgio Moro havia condenado o ex-presidente a 9 anos e 6 meses de prisão.
A defesa de Lula recorreu para a segunda instância e a condenação foi confirmada pelo colegiado do TRF4.
Além de confirmar a condenação, a pena foi aumentada para 12 anos e 1 mês.
OUTROS RÉUS
Foram, também, condenados, na quarta-feira, pela juíza Gabriela Hardt:
José Adelmário Pinheiro Neto, conhecido como Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, a 1 ano, 7 meses e 15 dias.
Marcelo Odebrecht, a 5 anos e 4 meses de cadeia.
Emilio Odebrecht, a 3 anos e 3 meses.
José Carlos Bumlai, o amigo de Lula que intermediava propinas com a Schain, a 3 anos e 9 meses.
Roberto Teixeira, advogado e compadre de Lula, a 2 anos de reclusão.
Fernando Bittar, em nome de quem estava o sítio, a 3 anos de cadeia.
Paulo Gordilho, o diretor e arquiteto da OAS que, com Léo Pinheiro, combinaram com Lula a reforma do sítio, a 3 anos de reclusão.
Alexandrino Alencar, o lobista da Odebrecht que tratava diretamente com Lula, a 4 anos de cadeia.
Carlos Armando Guedes Paschoal, superintendente da Odebrecht em São Paulo, na época das obras do sítio, a 2 anos.
Emyr Diniz Costa Junior, engenheiro da Odebrecht responsável pelas obras, a 3 anos de prisão.
A juíza absolveu Rogério Aurélio Pimentel, ex-segurança e ex-assessor de Lula no Planalto, que atuou como capataz das obras do sítio.
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