O mundo inteiro repudiou na quinta-feira (15) o anúncio do presidente Trump de corte do repasse de verba dos EUA para a Organização Mundial da Saúde (OMS), em plena pandemia de covid-19, e no momento em que o coronavírus já causou 2 milhões de contágios, matou quase 130 mil e ameaça se espraiar para os países mais pobres e de sistemas de saúde mais frágeis.
“Um crime contra a Humanidade”, sintetizou o editor-chefe da principal revista médica do planeta, The Lancet, Richard Horton.
“Todo cientista, todo profissional da saúde, todo cidadão deve resistir e se rebelar contra esta tenebrosa traição da solidariedade global”, convocou.
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, afirmou que a OMS é “absolutamente crítica para os esforços do mundo para vencer a guerra contra a Covid-19” e advertiu que “não é hora” de reduzir os recursos para as operações da OMS, que está “na linha de frente” da crise.
“Agora é hora de unidade e da comunidade internacional trabalhar junta em solidariedade para deter este vírus e suas devastadoras conseqüências”, destacou.
EGOÍSMO
A Rússia denunciou o “alarmante” anúncio de Washington contra a OMS. “É uma prova da atitude muito egoísta das autoridades americanas em relação ao que está acontecendo no mundo”, disse o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Riabkov. “Esse golpe contra a OMS deve ser “denunciado e condenado”, acrescentou.
A China instou os EUA a reverem o corte. “Esta decisão enfraquece a capacidade da OMS e prejudica a cooperação internacional” em um “momento crítico” no combate à pandemia, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Zhao Lijian.
“Isso afetará os países de todo o mundo, inclusive os Estados Unidos, mas especialmente aqueles com capacidades mais frágeis”, alertou.
“OMS MAIS NECESSÁRIA DO QUE NUNCA”
Também a Europa condenou em peso a suspensão do repasse de verba à OMS. “Não há qualquer razão que justifique este movimento em um momento em que seus esforços são mais necessários do que nunca”, manifestou-se o chefe da diplomacia da União Européia, o espanhol Josep Borrell. “Apenas unindo forças poderemos superar esta crise que não conhece fronteiras”.
A França “lamenta” a decisão de Trump no meio da crise do coronavírus, disse a porta-voz do governo, Sibeth Ndiaye, ao final do conselho de ministros. Paris pediu “um retorno à normalidade” para que a OMS possa continuar seu trabalho de combate à Covid-19.
A Alemanha considerou que “culpar os outros não ajuda” em meio à pandemia do novo coronavírus, em resposta às alegações de Trump sobre o corte do repasse à OMS.
“Devemos trabalhar juntos contra a Covid-19. Um dos melhores investimentos é fortalecer as Nações Unidas, especialmente a OMS, que tem um orçamento pequeno, por exemplo, para desenvolver e distribuir testes e vacinas”, assinalou o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas.
A Grã Bretanha, que acaba de aportar à OMS contribuição adicional de £200 milhões para o combate à pandemia, reiterou que o coronavírus “é um desafio global e é essencial que os países trabalhem juntos para deter esta ameaça compartilhada”.
Londres enfatizou “não ter planos de parar de financiara a OMS, que tem um papel importante a jogar ao dirigir a resposta de saúde global”.
O presidente da União Africana, Moussa Faki, chamou o ato de Trump de “profundamente deplorável” e assinalou que “nossa responsabilidade coletiva de assegurar que a OMS possa desempenhar plenamente seu mandato nunca foi tão urgente”.
“DESASTRE ABSOLUTO”
Vozes também se levantaram nos EUA contra o desatino de Trump contra a OMS. O cientista da Universidade de Boston, Nahid Bhadelia, disse ao Guardian que o corte era “um desastre absoluto”. “A OMS é um parceiro técnico global, a plataforma através da qual países soberanos compartilham dados/tecnologia, nossos olhos no alcance global desta pandemia”.
A Associação Médica Americana considerou a decisão do presidente bilionário “um passo perigoso na direção errada que não tornará mais fácil derrotar a Covid-19” e pediu sua revogação.
O infectologista da Universidade Johns Hopkins, Amesh Adalja, disse que o ato de Washington “manda a mensagem errada no meio de uma pandemia”, quaisquer que sejam as mudanças de que a OMS eventualmente precise. “Não é no meio de uma pandemia que você faz esse tipo de coisa”.
O próprio diretor do CDC (o órgão federal norte-americano de combate às epidemias), Robert Redfield – pessoalmente informado sobre o coronavírus pelas autoridades médicas da China no dia 4 de janeiro -, buscou manter distância do ato de Trump, dizendo que sua agência e a OMS “tinham uma longa história de trabalhar juntas em múltiplas epidemias no mundo inteiro” e que essa cooperação seria “mantida”.
O editor-chefe da Lancet solicitou do principal infectologista dos EUA, e membro da força-tarefa anti-covid-19, Anthony Fauci, que restaure a verdade dos fatos quanto às alegações de Trump para o ataque à OMS.
“Caro Dr. Tony Fauci – O presidente Trump ontem alegou que a OMS era culpada de “encobrir” a pandemia de SARS-CoV-2. Ele clamou que a OMS ‘falhou em obter, verificar e compartilhar informação’. Você sabe que essas declarações são falsas. Por favor, corrija seu presidente. Por favor, fique do lado da verdade”.
IMORAL
Mas foi o deputado democrata Eliot Engel, que foi ao “x” do problema. “O presidente [Trump] está nos mostrando seu manual político: culpe a OMS, culpe a China, culpe seus oponentes políticos, culpe seus antecessores – faça o que seja para desviar do fato de que seu governo dirigiu desastrosamente esta crise”.
Mesmo foco de editorial do jornal chinês em língua inglesa Global Times, que chamou de “imoral” o ataque à OMS para “impulsionar a campanha da reeleição” e desviar a atenção dos votantes da desastrada resposta do governo Trump à pandemia, cada vez mais criticada internamente.
Como observa o GT, os epicentros da pandemia “até aqui são regiões relativamente desenvolvidas” e os países mais duramente afetados têm comparativamente mais capacidade de fazer frente à pandemia por conta própria.
Mas – alerta – é crescente o risco da pandemia se estender aos países mais pobres, e que mais dependem do apoio e assistência da OMS. “Qualquer movimento nesta hora que paralise e enfraqueça a OMS irá alimentar a pandemia e colocar seres humanos numa situação mais vulnerável”.
Quanto a um balanço sobre o enfrentamento da pandemia, ocorrerá na hora devida, diz a ONU. “Não é a hora” de cortar recursos ou questionar erros, enfatizou o secretário geral Guterres. “Uma vez que tenhamos finalmente virado a página dessa pandemia, será a hora de olhar retroativamente para entender como tal doença emergiu e espalhou sua devastação tão rapidamente através do globo, e como todos os envolvidos reagiram à crise”, disse Guterres. As lições aprendidas “serão essenciais para lidar efetivamente com desafios semelhantes, que podem surgir no futuro”.