Os acontecimentos de junho de 1989, na Praça da Paz Celestial, apresentado como um ‘massacre’ sob a visão da mídia ocidental, são examinados pelo pesquisador e escritor Elias Jabbour no episódio desta semana do programa Meia Noite em Pequim, da TV Grabois, que sublinha que basicamente o que houve foi a luta pela manutenção ou entrega do poder conquistado em 1949.
A versão ocidental todo mundo sabe: ‘houve um massacre’, um governo malvado pôs os tanques na rua para silenciar jovens indefesos na Praça da Paz Celestial, que pediam democracia e fim da corrupção.
Para Jabbour, “na luta de classes, quando se chega no limite da luta política, ou você entrega o poder que você conquistou via um processo revolucionário, ou você vai lutar por ele”.
Foi disso – ele enfatiza – que se trataram os acontecimentos da Praça da Paz Celestial em 1989.
Tudo começou como manifestações ‘espontâneas’, tendo como alvo questões candentes na primeira fase das reformas chinesas, que nos dez primeiros anos, geraram um aumento explosivo do consumo e, com isso, veio o aumento da inflação.
Também a corrupção. A China, ao fazer parte do mundo capitalista e ao se abrir ao capital estrangeiro, como disse Deng Xiaoping, abriu a janela e entraram os mosquitos.
A ocupação da Praça da Paz Celestial teve início em maio de 1989, como parte das condolências dos estudantes pela morte do ex-secretário-geral Hu Yaobang, afastado por Deng Xiaoping por ser excessivamente liberal dois anos antes.
Durante um mês inteiro o governo negociou com os organizadores das manifestações, que rapidamente foram se tornando em uma rebelião contra-revolucionária, como registrado nos ‘Tiananmen Papers’, da CIA.
Jabbour registra que, como está documentado, não houve o massacre da Praça da Paz Celestial, não houve “2 mil mortos”, embora tenha ocorrido, sim, um conflito campal aberto.
Assim como há imagens chocantes de soldados sendo queimados vivos ‘pelos estudantes’, há a imagem icônica daquela figura que fica diante do tanque e o tanque para, o cara fica na frente e depois ele é retirado e hoje mora nos Estados Unidos. Os acontecimentos também coincidiram com a viagem do então líder soviético Gorbachov à China.
A passagem a uma contra-revolução aberta ficou marcada pela vandalização do retrato de Mao Tse Tung na Praça da Paz Celestial e pela adoção de uma Estátua da Liberdade em gesso. O poder político chinês e a soberania estavam sendo desafiados explicitamente.
Deng Xiaoping faz um discurso histórico depois daqueles acontecimentos: “os ventos da contra-revolução mundial chegaram à China. Isso iria acontecer independente da nossa vontade”. Existiam as condições objetivas para isso, ou seja, inflação, corrupção, as primeiras grandes contradições das reformas econômicas, ao mesmo tempo em que existia uma questão internacional.
Um integrante do Comitê Central do PCCh, que estava lá no auge dos acontecimentos, confidenciou a Jabbour que Deng Xiaoping no começo não tinha maioria no Comitê Central para promulgar a lei marcial. Antes dessa questão da lei marcial ser colocada, já existiam combates abertos na periferia de Pequim entre o Exército Popular e os estudantes.
O secretário-geral era Zhao Ziyang, Deng Xiaoping era o presidente da Comissão Militar do partido. Ao perceber que perde a maioria no Comitê Central, Zhao vai até os estudantes, confraterniza com eles e vai para prisão domiciliar.
“Por que o regime chinês não cai ali?”, indaga Jabbour. Em primeiro, porque a China não é Pequim, não é Xangai, assim como o Rio de Janeiro não é a Praça São Salvador e São Paulo não é a Lapa, ele explica.
“Existe uma China profunda da massa camponesa e aquela massa camponesa nunca ganhara tanto dinheiro como ganhou com as reformas econômicas, essa massa camponesa ficou ao lado do Partido Comunista e esse é o principal fator que explica o fato do governo não ter caído naquele momento”.
O pesquisador observa, ainda, que várias daquelas demandas foram atendidas: democracia, no sentido chinês da palavra, luta contra a corrupção, luta contra os privilégios.
Elias Jabbour é professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas e em Relações Internacionais da UERJ