Presidente da multinacional norueguesa admitiu a construção dos canais e pediu desculpas. “Pura hipocrisia”, respondeu o advogado dos atingidos
A Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Semas) divulgou, no último sábado (17), que encontrou mais um ponto clandestino de lançamento de rejeitos de bauxita, da mineradora norueguesa Hydro Alunorte, em Barcarena, no Pará. A secretaria autuou a mineradora pela construção do canal e pelo lançamento de rejeitos no rio Pará sem qualquer tipo de tratamento. Esta foi a terceira vez que os fiscais constataram despejos irregulares na refinaria no meio ambiente.
O desvio no sistema de drenagem foi encontrado em uma área de armazenamento de carvão, usado pela mineradora para alimentar as caldeiras da refinaria. Segundo a Semas, o canal recebia água da chuva que se misturava aos resíduos da fábrica, o resultado era despejado diretamente no rio Pará sem tratamento.
A Hydro Alunorte disse que os parâmetros da água no sistema de drenagem estão de acordo com as determinações da lei ambiental e que o projeto do galpão de carvão foi licenciado pelos órgãos ambientais competentes. Mas a mineradora não quis explicar o desvio irregular encontrado pela secretaria.
O primeiro duto clandestino foi encontrado há cerca de um mês, ele despejava rejeitos da mineradora em uma área de floresta em Barcarena. No início da semana passada, foi descoberto segundo canal, que também lançava rejeitos no rio Pará sem autorização. Segundo funcionário da Hydro este canal era aberto no período da noite, até três vezes por semana e funcionou durante todo o ano de 2017.
Apesar de a mineradora negar o vazamento, o Instituto Evandro Chagas comprovou que os igarapés da região estavam com altas concentrações de metais tóxicos, consequência do contato com os rejeitos de bauxita. No dia 28 de fevereiro a empresa foi sentenciada a reduzir sua produção pela metade.
A empresa é reincidente em crimes ambientais. Em 2009, foi multada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a pagar R$ 17 milhões e até hoje não desembolsou um centavo.
CONFESSO
Nesta segunda-feira (19), depois de negar por um mês “qualquer incidente, garantindo que a bacia se manteve firme, intacta e sem vazamentos”, o presidente da norueguesa Norsk Hydro admitiu que descartou água não tratada no rio Pará, em comunicado publicado no site da multinacional.
“Nós descartamos água de chuva e da superfície da refinaria não tratadas no rio Pará”, afirmou o presidente e CEO da Hydro, Svein Richard Brandtzæg.
Segundo ele, “isso é completamente inaceitável e contraria o que a Hydro acredita. Em nome da companhia, pessoalmente peço desculpas às comunidades, às autoridades e à sociedade”.
O comunicado foi emitido após notificação da Semas, sobre o terceiro ponto de despejo irregular de rejeitos da mineradora. A empresa informou que irá realizar uma revisão completa de todas as licenças da operação no município de Barcarena e começar uma auditoria interna.
HIPÓCRITAS
O advogado socioambiental Ismael Moraes, defensor das comunidades de Barcarena atingidas pelo vazamento, foi taxativo ao rebater o pedido de desculpas dos noruegueses: “é pura hipocrisia”. Segundo ele, as comunidades do entorno do projeto Hydro Alunorte estão privadas de água potável, doentes de câncer, problemas estomacais, respiratórios e de pele por terem ingerido água de poço. A Hydro distribuiu garrafões de água mineral, mas para apenas três comunidades.
Desde o ano passado, ele move ações contra a empresa na Justiça Estadual e Federal, e pede agora a realização de exames nos mais de 20 mil moradores das comunidades atingidas.
“Nem plantar suas roças as famílias podem, porque a floresta e o solo também estão contaminados”, resumiu Moraes. Na última sexta-feira ingressou com nova ação judicial contra a Hydro, agora para que ela pague cerca de 350 mil exames laboratoriais em 20 mil moradores. O juiz da 5a Vara Cível de Belém, Raimundo Santana, já está analisando a ação para verificar seu cabimento.
Essas medidas, diz o advogado, deveriam ser de iniciativa da Hydro e não de pedido judicial: “o presidente da Hydro fala uma coisa na imprensa, mas nada faz para cuidar dos moradores doentes”.
FÉRIAS COLETIVAS
A Hydro Alunorte anunciou no sábado (17) que vai dar férias coletivas para mais 600 trabalhadores na refinaria em Barcarena, ainda no mês de março. Outros 400 trabalhadores da mina de bauxita, em Paragominas, já haviam sido comunicados da mesma decisão e fizeram uma manifestação na sexta-feira (18). Os trabalhadores representam metade da força de trabalho que a norueguesa emprega no Pará.
A justificativa da empresa é que a redução da operação em 50%, determinada pela Justiça após a comprovação de contaminações em rios e igarapés de Barcarena, afetou suas atividades.
Os trabalhadores em Barcarena disseram que ainda não foram notificados, mas que a determinação já está sendo articulada pela empresa. Eles temem que as férias se estendam e a companhia resolva demitir um grande número de funcionários.
Na semana passada, o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, emitiu uma liminar que proíbe que a mineradora faça demissões de trabalhadores sem o procedimento que averigue os requisitos da dispensa ou de negociação coletiva com o sindicato. O Tribunal estabeleceu uma multa de R$ 50 mil por empregado prejudicado e o retorno dos empregados dispensados a partir do dia 17 de fevereiro deste ano.