Cenas que eram comuns antes da pandemia, de pessoas em filas de sopão quase invisíveis aos olhos de muitos, ganharam novos contornos, como visto em San Antonio, no Texas, onde moradores fizeram uma surpreendente fila de dez mil carros, aglomerados desde as primeiras horas da noite até a manhã seguinte, para obter comida grátis.
Os carros, claro, são a forma de arrumar algum alimento, respeitando o melhor que se pode o distanciamento social diante do avanço do coronavírus, com a entrega de caixas de comida ou sacolas sendo feita como num drive-thru.
“Geralmente alimentamos 60 mil pessoas por semana. Agora estamos tendo que alimentar 120 mil”, disse à NBC o diretor da Bank Food, que organizou o “Mega Giveaway” em San Antonio, Eric Cooper.
Segundo Cooper, grande parte das pessoas que está vindo procurar alimentos nunca havia precisado do centro de distribuição.
Com a ajuda emergencial demorando, embora aprovada pelo Congresso em março, 22 milhões de recém desempregados em quatro semanas e pequenos negócios fechando de costa a costa, a situação passou “de ruim para muito ruim e de muito ruim para pior”, afirmou Joel Sberg, diretor da ONG Hunger Free América (América Livre da Fome), entidade que se dedica a apoiar as famílias em necessidade.
O caos se repetiu em Pittsburgh, na Pensilvânia, onde uma fila de mais de mil automóveis aguardava “algo, qualquer coisa para sobreviver”. No estado, a procura pelo banco de distribuição de alimentos aumentou 38% em março.
“Muitas pessoas utilizam nossos serviços pela primeira vez. É por isso que as filas são tão longas”, explicou Brian Gulish, frisando que a rede conseguiu dividir 227 toneladas de comida.
Filas imensas de veículos se formaram para distribuição de alimentos – vegetais e enlatados – pelo Food Bank no estacionamento da arena esportiva Forum, na periferia de Los Angeles.
Em Nova Iorque, no Bairro de Queens, o latino Domingo Jiménez encarou uma fila de mais três quadras. Era o próprio retrato da política de abandono em curso. Há dois meses desempregado, estava ali “para que me deem um pouco de comida, o que seja, porque praticamente estou sem nada”.
Os bancos de alimentos, que antes atendiam a população mais vulnerável, não dão conta diante da inesperada demanda adicional.
Porta-voz de um Banco de Alimentos que atende à área da capital, Washington, e Maryland, disse que só até aqui em abril, já teve de obter 45 caminhões carregados de comida, o que normalmente duraria um ano.
Oficialmente, até há poucos meses, eram 40 milhões os norte-americanos à beira da fome. Como ressaltou Sberg, “ao menos uma de cada três crianças nos Estados Unidos recebem rações de comida”.
Mas – acrescentou – “o que aconteceu nestes últimos meses foi um aumento de ao menos cinco vezes, com o país passando a maior crise de fome desde a grande depressão da década de 30”.
É o que se repete de Nova Orleans a Chicago, de Los Angeles a Nova Iorque. Parte do problema antecede a pandemia: desde que tomou posse, Trump vem cortando pesadamente o programa federal de vale-alimentação.
Do pacote de emergência de março, já se sabia que aqueles que não tivessem feito declaração do imposto de renda, os mais carentes, possivelmente só receberiam a ajuda por volta de setembro por razões burocráticas.
Também, como é ano de reeleição presidencial, resolveram que parte dos cheques teria seu envio retardado para que fosse possível estampar neles o nome de Trump – o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, assevera que a ideia é só dele. Prevaricação já contestada por senadores oposicionistas.
Outros excluídos da ajuda emergencial, por imposição de Trump, são os cerca de 11 milhões de imigrantes indocumentados, a maioria latino-americanos. Excluídos do socorro, embora a pandemia não discrimine ninguém na hora de contagiar. Nem a fome.
Xenofobia que se repetiu na esdrúxula norma de que, se um cidadão norte-americano for casado com uma imigrante sem documentação legal, a família não poderá requerer a ajuda de US$ 2.400.