Desde a última sexta-feira, 23 de julho, os sistemas de informação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) estão fora do ar. O apagão foi confirmado pela direção do órgão federal, que diz estar enfrentando “problemas técnicos”.
O caso veio à tona após denúncias de pesquisadores, nas redes sociais. De acordo eles, a Plataforma Lattes, a Plataforma Carlos Chagas e os demais sistemas utilizados pelo CNPq, não funcionam.
Segundo um áudio atribuído a uma funcionária do CNPq, que circula em grupos de pesquisadores, houve uma “queima” de “uma controladora dos servidores” e que este equipamento queimado tornou indisponíveis todos os sistemas.
A situação é gravíssima, pois o andamento das chamadas públicas, editais e bolsas, estão comprometidos, inclusive com possibilidade de perda de dados e atraso no pagamento dos bolsistas, pois a folha de pagamento também teria sido afetada.
“Seguiremos com problemas essa semana, pois queimou a placa de servidores do CNPq. Tirando o site do CNPq que é hospedado na plataforma do governo federal, todo o resto do CNPq está inoperante. A gente está sem e-mail, sem plataforma Carlos Chagas, sem o e-fomento, sem nada. Então, qualquer coisa que os senhores precisarem do CNPq essa semana e não tiverem em seus telefones particulares, vão ficar sem resolver”, diz o áudio atribuído a funcionária do órgão.
“Não tem e-mail, não tem comunicação e até os telefones não estão funcionando. Tudo isso porque a placa queimou, não tinha backup. A gente não sabe exatamente o que do backup a gente perdeu, se perdeu alguns minutos, alguns segundos, horas, dias. A folha de pagamento também está comprometida, pois vai ter que fazer algum processo manual. Enfim, um caos”, finalizou.
Na plataforma Reclame Aqui, famosa por reportar problemas de usuários com empresas e serviços online, pesquisadores relatam o problema.
Um pesquisador de São Francisco de Paula, no Rio Grande do Sul, afirmou: “Boa noite. Desde às 16h de hoje, dia 24.07.2021 que eu não consigo acessar a página da plataforma Lattes. Preciso acessar a página para atualizar o meu currículo. Estou prestes a me inscrever num processo seletivo. Aguardo retorno o mais breve possível”.
Um outro pesquisador, de Goiânia, capital de Goiás disse, no Reclame Aqui: “Preciso atualizar e copiar o link do meu currículo Lattes para um processo seletivo com urgência, mas a plataforma está fora do ar”, e finalizou: “SOCORRO CNPQ”.
Irresponsabilidade
Mariana Moura, coordenadora do grupo Cientistas Engajados denuncia que a pane nos sistemas pode ter causado graves consequências ao CNPq.
“Milhares de pesquisadores, que têm toda a sua vida acadêmica vinculada às plataformas do órgão como a Carlos Chagas e Lattes, estão sem acesso. Mas mais do que isso, a pane afetou também o sistema de e-mails dos funcionários e o sistema de pagamentos das bolsas de pesquisa”, explicou.
Mariana, que é doutora em Energia pela USP, informa que ainda não se sabe a extensão dos danos. “Informações de fontes dos Cientistas Engajados indicam que o principal sistema de servidores do CNPq – o EMC VNX 8000, teve uma interrupção no seu funcionamento sendo que o equipamento está fora da garantia e não possui um contrato de manutenção ativo que permita seu reparo imediato”.
Para termos dimensão do problema, explica Mariana, “a Plataforma Lattes, que roda com um programa cuja versão utilizada foi descontinuada em 2018, não possui backup”.
A pesquisadora denuncia ainda a “irresponsabilidade do governo para com a ciência brasileira”. “São quatro dias de apagão em todos os sistemas do CNPq – incluindo o sistema de pagamento de bolsas e salários – em função da queda de um sistema que não tinha backup nem redundância, estava sem manutenção desde 2018 e o contato com a Dell está sendo feito de forma emergencial”.
Sucateamento
A presidenta da Associação Nacional dos Pós Graduandos (ANPG), Flávia Callé, denunciou o sucateamento que a agência sofre sistematicamente por esse governo.
“A questão central são os baixos investimentos que o CNPQ tem tido recorrentemente nos últimos anos. São orçamentos que, nitidamente, não dão conta do conjunto de atribuições e de demandas do CNPQ”, disse Flávia ao HP.
Segundo ela, o órgão precisa optar “entre pagar bolsa e pesquisas e assegurar a manutenção e infraestrutura da agência. Eu acho que esse é um problema que está nesta ordem, nesta ordem de sucateamento da agência, do enfraquecimento da agência e em última instância, do projeto do governo de encerrar a agência”.
A pesquisadora explica que, para manter seu pleno funcionamento seriam necessários cerca de 800 servidores, mas “conta com cerca de 300”.
“O CNPq solicitou concurso para 180 servidores, no primeiro semestre deste ano, mas ainda não tem previsão orçamentária para sua realização. É preciso defender o CNPq e a ciência brasileira! Para isso, precisamos derrotar Bolsonaro”, ressaltou Flávia Callé.
“O pano de fundo do drama do CNPq é o orçamento. Em 2014, a agência tinha orçamento de R$ 2.7 bi. Em 2021, foram R$ 1.2 bi. É por isso que dos mais de 3.000 projetos aprovados por mérito no último edital, apenas 13% receberão financiamento”, destacou Flávia.
No Twitter, a presidenta da ANPG divulgou os gráficos que mostram os sistemáticos cortes na pesquisa brasileira.
“É o estado brasileiro limitando o alcance da pesquisa científica do Brasil deliberadamente. É o governo operando para extinguir o CNPq e concretizar o apagão da Ciência”, concluiu Flávia Calé.
Em nota o CNPq respondeu que está “trabalhando para resolver o problema, mas não explicou exatamente o que aconteceu e o que deixou todo o sistema fora do ar desde o dia 23.
“O CNPq informa que identificou, neste sábado, a indisponibilidade dos seus sistemas e tem, desde então, trabalhado para solucionar o problema. Ainda não há previsão para o restabelecimento total, mas todos os esforços estão sendo envidados para o pleno retorno o mais breve possível. Pedimos desculpas pelo inconveniente e manteremos todos atualizados quando tivermos mais informações. Informamos que eventuais prazos referentes às chamadas do CNPq que possam ser prejudicados pelo problema serão reavaliados”.