Com onda de protestos, nas ruas e nas redes, e após imensa repercussão negativa, bancada evangélica na Câmara admite adiar votação
O deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), o primeiro subscritor do fatídico projeto — PL 1.904/24 —, que pune a interrupção da gestação com mais de 22 semanas, mesmo nos casos permitidos em lei, admitiu que a votação da proposta na Câmara poderá ficar para depois das eleições municipais, em outubro.
A mudança de postura do parlamentar da bancada evangélica veio após enxurrada de críticas, nas ruas e nas redes. Essas, primeiro inundaram as redes digitais e depois ocupou as ruas de diversas capitais brasileiras na última semana.
Enquanto a urgência do projeto foi aprovada em votação que durou apenas 5 segundos, a votação da matéria em plenário terá “o ano todo” para ocorrer, disse Sóstenes, em atitude de confronto com a opinião pública contrária à aberração que ele lidera na Câmara dos Deputados.
Além de Sóstenes, há outros 32 coautores do projeto: Evair Melo (PP-ES), Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP), Gilvan da Federal (PL-ES), Filipe Martins (PL-TO), Dr. Luiz Ovando (PP-MS), Bibo Nunes (PL-RS), Mario Frias (PL-SP), Delegado Palumbo (MDB-SP), Ely Santos (Republic-SP), Simone Marquetto (MDB-SP), Cristiane Lopes (União-RO), Renilce Nicodemos (MDB-PA), Abilio Brunini (PL-MT), Franciane Bayer (Republic-RS), Carla Zambelli (PL-SP), Dr. Frederico (PRD-MG), Greyce Elias (Avante-MG), Delegado Ramagem (PL-RJ), Bia Kicis (PL-DF), Dayany Bittencourt (União-CE), Lêda Borges (PSDB-GO), Junio Amaral (PL-MG), Coronel Fernanda (PL-MT), Pastor Eurico (PL-PE), Capitão Alden (PL-BA), Cezinha de Madureira (PSD-SP), Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Pezenti (MDB-SC), Julia Zanatta (PL-SC), Nikolas Ferreira (PL-MG), Eli Borges (PL-TO) e Fred Linhares (Republicanos-DF).
PROMESSA DE LIRA
Segundo o deputado, em entrevista, o projeto é promessa feita pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), quando se candidatou à reeleição em 2023, e o cumprimento dessa está vinculado agora ao apoio para a eleição do sucessor.
Lira permanece na Presidência da Casa até final do ano, quando não poderá se candidatar outra vez.
“Não estou com pressa nenhuma. Votei a urgência e agora temos o ano todo para votar isso. O Lira tem compromisso conosco e ele pode cumprir até o último dia do mandato dele”, disse, e afirmou que sem que Lira cumpra o combinado “fica difícil de pedir apoio [para candidato dele à sucessão]” à Presidência da Câmara dos Deputados.
APOIO ESTRATÉGICO
O apoio do partido de Sóstenes, mesmo do ex-presidente inelegível Jair Bolsonaro (PL), é visto como estratégico, já que se trata da maior bancada da Casa, com 95 deputados.
A escolha do novo presidente da Câmara está marcada para fevereiro de 2025. Por isso, Lira está se expondo tanto para bancar essa “pauta das trevas”
A Frente Parlamentar Evangélica — a bancada evangélica —, é poderosa na Câmara e apoiou Lira nas duas candidaturas à Presidência da Casa. Até agora, porém, não definiu qual candidato vai apoiar à sucessão do deputado alagoano.
A bancada tem cobrado dele o apoio às pautas conservadoras. Lira prometeu-lhes, em maio, que consultaria o Colégio de Líderes sobre a votação do pedido de urgência do “projeto do estuprador”.
“PL DO ESTUPRADOR” TERÁ MULHER COMO RELATORA
Foi o que fez, na última quarta-feira (12), quando conduziu a votação relâmpago e simbólica da urgência, que não teve o número e a ementa do requerimento anunciados.
A manobra funcionou, mas a vitória foi de Pirro, pois foi obtida com alto custo e imensos prejuízos, inclusive para a imagem do presidente da Câmara, que está associado a essa agenda das trevas, que a bancada evangélica defende no Congresso Nacional.
Após a repercussão negativa, Lira viu o próprio nome vinculado à matéria, que ficou conhecida como “PL do Estuprador”. Para remediar o dano na imagem, o presidente da Casa disse que pautará deputada, de centro e moderada, para ocupar a relatoria do projeto.
Que deputada, com estas características, topará essa tarefa ingrata e indefensável? Terá de garimpar muito para encontrar. Quem relatar esse projeto medieval pagará alto preço, podendo, inclusive, comprometer projetos políticos futuro.
ARROGANTE E EMPEDERNIDO
Autor do projeto, Sóstenes lê a postura do governo, que demorou para se pronunciar sobre o caso, e a falta de resistência para conferir celeridade ao processo como cenário em que está “tudo dominado”.
“O governo está dando corda para as feministas nesse assunto, elas estão desesperadas. Eu estou muito calmo, deixa elas sapatearem. Eu já ganhei, votamos a urgência, sem nominal, ninguém chiou, tudo caladinho, tudo dominado, dominamos 513 parlamentares. Eu sei jogar parado, eu jogo parado”, disse o deputado, arrogante e empedernido.
O governo demorou, mas também se posicionou com firmeza sobre o projeto após a grande repercussão contrária. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, no último sábado (15), que é “insanidade querer punir uma mulher vítima de estupro com uma pena maior que um criminoso que comete o estupro”.
M. V.