“Por que nós estamos indo à ONU? Porque o presidente da República, que era para ir, não foi”, disse Wellington Dias, governador do Piauí, após a reunião
Os governadores brasileiros anunciaram que a Organização das Nações Unidas (ONU) antecipou o envio de 4 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 destinadas ao Brasil por meio da Covax Facility.
A antecipação foi comunicada pelo órgão internacional durante reunião com 22 governadores e quatro vice-governadores Fórum de Governadores, na sexta-feira (16). Os imunizantes chegam ao país ainda em abril, um mês antes da data inicial prevista – maio. Há, ainda, a possibilidade da antecipação da entrega de outras 4 milhões de doses.
O encontro com os organismos internacionais foi realizado a pedido dos governadores brasileiros que, diante da sabotagem do governo Bolsonaro à imunização da população. Segundo o governador do Piauí, Wellington Dias, os chefes dos estados brasileiros pediram a reunião ”porque o presidente da República não pediu”.
Até agora, o Brasil recebeu pouco mais de 1 milhão de doses das vacinas do consórcio internacional Covax Facility, articulado pelo braço da ONU para a Saúde, a Organização Mundial de Saúde (OMS).
“Haverá esforço para que uma entrega que estava prevista para maio possa ser antecipada para até o fim de abril, de 4 milhões de doses. Vamos tratar com Coreia, Índia e China, que estão neste esforço de produção [dos imunizantes]. Até o mês de maio completa essa entrega e maio-junho tem perspectiva de regularização”, declarou Dias, que preside o Fórum dos Governadores em entrevista coletiva após a reunião.
Amina Mohammed, subsecretária geral da ONU, ressaltou o compromisso da organização com a igualdade na distribuição de vacinas e reforçou que, além da vacinação, é preciso fortalecer as medidas de prevenção contra a Covid-19.
“O mais importante, como ouvimos da OMS, é adotar medidas preventivas. O Brasil deve olhar para outros países que foram bem sucedidos na superação da crise. Ouvimos alto e claro e vamos reforçar nossos esforços para conseguir insumos. Mas, para impedir que mais de 3.000 pessoas morram por dia, precisamos quebrar o ciclo de disseminação do vírus”, disse a subsecretária geral da ONU durante o encontro.
AMEAÇA
O governador de São Paulo, João Doria, alertou que a situação brasileira pode colocar em risco o continente latino-americano.
“Ficou muito claro o drama que o Brasil vive neste momento, com mais de 365 mil mortes e, lamentavelmente, a falta de vacinas não afeta somente os brasileiros. O drama do Brasil pode ser o drama do mundo. Precisamos de ajuda e acredito que as Nações Unidas compreenderam o recado dos governadores do Brasil”, destacou Doria.
Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, que representou a região Sul na reunião, criticou a falta de coordenação nacional no combate à pandemia. “Temos uma demanda e uma preocupação nacional em relação à imunização brasileira. Problemas sanitários, assim como questões ambientais, não respeitam as fronteiras que estabelecemos no papel. E a situação que enfrentamos no Brasil é especialmente dramática em função não só de falta de coordenação nacional, mas também desse enfrentamento às políticas de distanciamento que nos ajudariam a reduzir a incidência do vírus, o que acabou criando essa triste situação de milhares de mortes diárias”, ponderou.
FLAVIO DINO DEFENDE SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DAS PATENTES
Durante a reunião, os governantes brasileiros também defenderam a quebra de patentes de vacinas contra coronavírus. “Na reunião com a ONU, além do tema da ajuda emergencial ao Brasil com mais vacinas, apresentei o tema da suspensão temporária de patentes, para ampliar a produção de imunizantes. A proposta se ampara na função social da propriedade intelectual”, explicou o governador do Maranhão, Flávio Dino, após o encontro.
Dino destacou que existe uma super-demanda e uma capacidade limitada na produção de vacinas.
“Nós temos mecanismos internacionais em que há a quebra de patentes para que outros países possam produzir vacinas em maior quantidade, inclusive o Brasil. Percebi uma acolhida muito positiva por parte da ONU e quero crer que esse debate vai se colocar para uma deliberação internacional, uma vez que há muitos organismos, entidades, lideranças e personalidades em nível global defendendo essa saída”, avaliou.
COM BOLSONARO, O QUE ACONTECE NO BRASIL PASSOU A SER UM PROBLEMA MUNDIAL
Wellington Dias disse que o pedido é para que a entidade atue “da mesma forma como lá atrás, no precedente, tratou na área do HIV”.
Segundo Dias, a ideia seria, mesmo com eventual quebra, pagar os investimentos realizados nas pesquisas para desenvolvimento das vacinas. “É possível que se pague por aquilo que foi o investimento na pesquisa, tecnologia, na ciência, nós queremos valorizar a ciência”, declarou.
“O Brasil vive uma situação particular. Já não é mais problema só do Brasil. A rigor, o que acontece no Brasil é um problema do mundo”, disse Dias. “Se o mundo não cuidar do Brasil, há um risco de daqui a pouco ter uma variante e nenhuma dessas vacinas funcionar”, disse Dias.
Outra pauta apresentada pelos governadores foi a participação de tratativas junto à Índia para enviar 15 milhões de Ingredientes Farmacêuticos Ativos (IFAs) – as matérias-primas chave da fabricação de uma vacina – para a produção e novas doses da vacina CoronaVac, desenvolvida a partir de uma parceria entre Instituto Butantan e a farmacêutica chinesa Sinovac.
Os 15 milhões de IFAs foram prometidos e seriam disponibilizados pelo laboratório Serum, da Índia. Contudo, com a explosão de casos nesse país os insumos e produção de imunizantes estão sendo voltados para atender ao mercado interno.
A demanda dos governadores é que sejam entregues até o fim de abril pelo menos 10 milhões de IFAs ou de doses prontas da Coronavac pela China. Isso porque eles alertam para o risco da falta do insumo deixar pessoas desprotegidas sem a aplicação da segunda dose ainda no mês de abril.
O conselheiro do diretor-geral da OMS, Bruce Aylward, explicou que há precariedade global na produção e distribuição de vacinas, mas a entidade está apoiando as cadeias de abastecimento, em especial na Índia e na China, para acelerar o envio de insumos. Ele ressaltou, porém, que a vacina não é a única saída.
“Não podemos sair da crise apenas com a vacina. Precisamos de testagem e isolamento, além de diminuir a movimentação de pessoas para desacelerar o pico da pandemia”, afirmou o conselheiro. Tanto ele quando Amina Mohammed enfatizaram a urgência das medidas preventivas. “Precisamos de medidas de saúde pública muito fortes, porque sozinhas as vacinas não vão tirar o Brasil dessa crise”, assinalou Aylward.