Após quatro adiamentos, finalmente, nesta segunda-feira (8,) os assassinos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips prestaram depoimento à Justiça Federal de Tabatinga (AM). A audiência abriu a fase processual, que vai decidir se os réus vão a júri popular ou não, o que deve ocorrer, segundo um dos advogados da defesa.
Os acusados pelo assassinato do jornalista britânico e do indigenista brasileiro voltaram atrás na confissão que tinham feito à polícia e passaram a alegar legítima defesa. Eles disseram que Bruno teria atirado primeiro.
Dois deles, Amarildo da Costa Oliveira e Jefferson da Silva Lima reafirmaram a autoria dos homicídios, enquanto o terceiro acusado, Oseney da Costa de Oliveira, alegou sua inocência e não participação no crime bárbaro ocorrido no Vale do Javari.
“Devem ir a júri popular Amarildo, que confessou inclusive que atirou, e o irmão dele que também estava na lancha. Enquanto o outro, pode-se recorrer dele pela impronúncia, ou despronúncia, caso o juiz assim proceda”, afirmou um dos advogados da defesa, Américo Leal, em entrevista ao portal Amazônia Real.
No entanto, em entrevista à Agência Brasil nesta terça-feira (9), o advogado da família de Dom, Rafael Fagundes, disse que, no depoimento que prestaram na polícia, os acusados haviam confessado que dispararam primeiro.
Os três foram denunciados pelo Ministério Público Federal sob suspeita de duplo homicídio qualificado e ocultação de cadáver. O crime aconteceu em 5 de junho de 2022 e o trio foi preso dois meses depois.
Este foi o primeiro depoimento dos réus à Justiça. Eles foram os últimos a serem ouvidos no processo. As testemunhas já tinham sido ouvidas em audiências anteriores. Segundo o advogado, “a única versão dissonante [de que eles são culpados] é a que foi dada pelos parentes dos acusados, que sequer prestaram compromisso de dizer a verdade”.
“Esse movimento é natural. É direito deles se defender, ainda que a versão que eles tenham apresentado não se sustente, nem do ponto de vista lógico, nem do ponto de vista das provas dos autos”, disse o advogado.
Com o fim das audiências de instrução nesta segunda-feira, foi estabelecido o prazo de dois dias para que acusação e defesa enviem as alegações finais por escrito para o juiz Fabiano Verli.
Em nota à Folha de São Paulo, Fagundes declarou que a assistência de acusação está satisfeita com o encerramento da etapa de instrução processual e convicta da materialidade das provas de duplo homicídio contra os réus. Os representantes da família de Bruno respaldaram o posicionamento.
“Certamente resultará em uma sentença de pronúncia e na realização do julgamento dos acusados perante o Tribunal do Júri”, analisa Fagundes no comunicado à Folha.
Amarildo voltou a confirmar sua participação no assassinato. A defesa tenta provar que Oseney de Oliveira não tem envolvimento no caso. A Polícia Federal trabalha com a tese de que o assassinato foi encomendado.
MANDANTE
Para o ex-superintendente da PF Eduardo Fontes, que esteve no cargo na maior parte das investigações, o caso está praticamente concluído e há “indícios veementes” de que Ruben Dario da Silva Villar, o Colômbia, é o mandante dos crimes.
Colômbia é suspeito de liderar uma organização criminosa de pesca ilegal na região da Terra Indígena Vale do Javari, na fronteira do Brasil com Peru e Colômbia, onde Bruno e Dom foram executados. Em outubro de 2022, o indivíduo foi posto em liberdade provisória após pagar fiança de R$ 15 mil.
O correspondente do The Guardian e o indigenista articulavam um trabalho conjunto para denunciar crimes socioambientais na região, onde há a maior concentração de povos isolados e de contato recente do mundo. Na Terra Indígena Vale do Javari, encontram-se 64 aldeias de 26 povos e cerca de 6,3 mil pessoas. Dom Phillips, inclusive, planejava publicar um livro sobre os problemas que afetam o território e fazia apurações das informações, na época.
Em agosto do mesmo ano, relatório da Comissão Temporária Externa do Senado, instalada para investigar a violência no Vale do Javari, considerou que as mortes de Bruno Pereira e Dom Philips ocorreram por negligência do Estado. Segundo os senadores, o Estado brasileiro não adotou as medidas necessárias para a proteção dos indígenas e da manutenção da política indigenista.
“O Estado tem negligenciado o seu especial dever de proteção […], não há sombra de dúvida de que a presença de invasores nas terras já homologadas, como a do Vale do Javari, é um emaranhado de crimes contra os indígenas, contra a União e contra os interesses nacionais”, apontou o relatório.
À época, o então presidente Jair Bolsonaro, ferrenho defensor do garimpo ilegal e inimigo dos povos indígenas e do meio ambiente, não moveu um dedo para esclarecer o caso e punir os responsáveis. Ao contrário disso, atribuiu às vítimas a culpa pela própria morte.
“Esse inglês, ele era malvisto na região. Porque ele fazia muita matéria contra garimpeiro, questão ambiental”, disse. “Aquela região, região bastante isolada, muita gente não gostava dele. “Ele tinha que ter mais que ter redobrado atenção consigo próprio. E resolveu fazer uma excursão”, completou.