Presidente insiste em reduzir ações de proteção à população e no uso indiscriminado da cloroquina, apesar de todas as evidências em sentido contrário
Enquanto o ministro da Saúde, Nelson Teich, discutia um plano de enfrentamento da Covid-19 com os secretários estaduais de Saúde, tentando chegar a uma estratégia de consenso para enfrentar o vírus, Jair Bolsonaro seguia atropelando tudo, inclusive o próprio ministro, e tomando decisões sem ouvir ninguém.
A consequência deste comportamento insano e irresponsável do presidente foi um grande constrangimento para Nelson Teich que, em consequência disso, cancelou a entrevista coletiva na tarde da quarta-feira (13) da qual participaria e daria detalhes de seu plano.
Na véspera, Bolsonaro já havia decidido, na contramão de todos os estados, incluir categorias e setores como manicures, trabalhadores de salões de beleza, barbearias e academias de ginástica na condição de categorias essenciais. A medida foi tomada à revelia do ministro, que foi avisado dela pelos jornalistas, durante um entrevista coletiva.
Depois, Bolsonaro voltou a defender o uso indiscriminado de cloroquina para o tratamento da Covid-19, apesar de todas as evidências em contrário. Esta recomendação foi dada pelo presidente um dia após Nelson Teich ter divulgado uma nota afirmando que não há comprovação científica da eficácia da cloroquina para a Covid-19.
Nelson Teich baseou sua orientação sobre o uso ou não da cloroquina no tratamento da Covid-19 nos resultados de duas grandes pesquisas clínicas, realizadas nos EUA, que concluíram que a medicação, usada no tratamento de malária, lupus e artrite reumatoide, não tem eficácia no tratamento da Covid-19.
Uma das pesquisas foi publicada no final da semana passada na revista New England Journal of Medicine, uma das revistas médicas mais prestigiadas do mundo, e concluiu que, além de não ter eficácia no tratamento da Covid-19, a cloroquina apresenta efeitos colaterais cardíacos graves. A conclusão do trabalho é de que a droga não deve ser usada.
Apesar de todas essas evidências, confirmadas por médicos brasileiros que também pesquisam o uso de cloroquina para a Covid-19, Jair Bolsonaro decide, por conta própria, citando opiniões médicas sem apresentar nomes, atropelar Nelson Teich e recomendar a utilização da cloroquina.
E, para piorar a situação, o presidente ainda afirma publicamente que o ministro da Saúde não pode emanar orientações para os estados e municípios e para os profissionais de saúde sem estar afinado com as “posições do governo”.
As “posições” do governo brasileiro são consideradas negacionistas por todo o mundo científico. Este comportamento levou, inclusive, à demissão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta.
O ministro da saúde, Nelson Teich, afirmou na última segunda-feira (11) que era necessário debater com estados e municípios as diretrizes para o enfrentamento da pandemia. O ministro havia divulgado uma nota relatando os esforços para o combate conjunto à Covid-19.
“A gente vai estar sempre junto. Isso é um trabalho das três esferas, tanto nas ações, quanto do planejamento. Na quarta vamos apresentar de forma mais detalhada”, disse Teich. A reunião com os conselhos estaduais e municipais de saúde não chegou a um consenso sobre as diretrizes do MS.
As iniciativas atropelativas do governo e o descaso do Planalto com os esforços feitos pela equipe do ministério da Saúde levaram à suspensão da entrevista coletiva. Em nota, o Ministério da Saúde informou que desde o último sábado (9), “a estratégia tem sido debatida com os conselhos dos secretários de saúde estaduais e municipais, o Conass e o Conasems”.
“O objetivo era ter um plano construído em consenso. No entanto, esse entendimento não foi obtido nas reuniões conduzidas até o momento”, diz a nota.
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) também divulgaram uma nota conjunta afirmando que acham que o momento ainda não oportuno para a pactuação de diretrizes sobre distanciamento social. Ao final, a coletiva foi suspensa e Nelson Teich foi chamado ao Planalto para uma reunião com Jair Bolsonaro.