Nesse carnaval sem sambas, sem frevos, sem marchas e sem as multidões de foliões nas ruas, as lives de diversos artistas, blocos e agremiações adentraram nossas casas para animar e trazer um pouco de alento ao fevereiro da pandemia, da revolta de vermos o nosso país sob um governo irresponsável e omisso, e do luto pelas quase 240 mil mortes por Covid-19.
É nesse estranho carnaval que a cantora Maria Bethânia abriu alas com sua majestade, no show virtual apresentado no sábado (13), trazendo à cena o seu canto de esperança, de beleza e de protesto, permeado pelo repertório escolhido, por falas e gestos.
Logo no início, após abrir o show com “Explode Coração”, de Gonzaguinha, Bethânia deu o seu recado: “Eu quero vacina, respeito, verdade e misericórdia”.
Na data escolhida, 13 de fevereiro, a cantora comemorou sua estreia nos palcos cariocas, há 56 anos, quando aos 18 anos se apresentou no emblemático espetáculo “Opinião” e, com talento e personalidade irretocáveis, não saiu mais dos nossos corações.
“Penso no Brasil sem Carnaval, sem o grande desfile, a folia em Salvador. Penso no Recife, em suas ruas lindas e desertas. Ano que vem, se Deus quiser, brincaremos dobrado”, disse a cantora.
Após apresentar “Onde estará o meu amor”, de Chico César, Bethânia emendou com trecho do livro Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa – “Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura” -, tão propício ao Brasil de hoje.
Outro momento marcante foi quando ela interpretou “Cálice”, de Chico Buarque, com versos que fazem referência à ditadura e que, embora em contexto diferente, não pensaríamos que voltaria a ser tão atual.
A voz de protesto também ficou latente na canção “2 de junho”, de Adriana Calcanhoto, que trata da tragédia social e moral do país em tempos de Bolsonaro, ao falar da morte do menino Miguel Otávio, de 5 anos, pobre e negro, que foi vítima da negligência e indiferença da patroa de sua mãe e despencou do 9º andar de um prédio de luxo em Recife, em 2020.
E chegando ao fim, mais uma vez, com “Sonho Impossível”, de Chico Buarque e Rui Guerra, e finalizando com “O que é, o que é”, de Gonzaguinha, ainda que sejam músicas que fazem parte do repertório da artista, Bethânia não deixou dúvidas sobre o tom que quis dar a essa apresentação, fortalecido ainda com a mão fechada em punho para o alto com que artista encerrou a noite. Beleza sem fim dessa que é uma das maiores estrelas da nossa música, antenada com seu tempo e com seu povo.
ANA LÚCIA