Charlatanismo do ‘kit kovid’ foi condenado pelos médicos da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). Furioso, o capitão cloroquina proibiu que o órgão tomasse qualquer decisão
Jair Bolsonaro não respeitou a opinião dos técnicos do Ministério da Saúde e deu ordem ao ministro Marcelo Queiroga para retirar da pauta da reunião desta quinta-feira (7) da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) a análise do protocolo para o tratamento da Covid-19.
A intromissão e o atropelo na Conitec se deu pois a comissão colocou-se contra o charlatanismo de Bolsonaro. Os técnicos chegaram à conclusão de que não se deve recomendar uso de drogas sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid-19. Leia aqui a íntegra da resolução da Conitec, vetada por Bolsonaro.
RETIRADA DE PAUTA
O Ministério da Saúde confirmou a retirada de pauta do estudo, encomendado pelo ministro Marcelo Queiroga a uma equipe do médico Carlos Carvalho, professor titular de Pneumologia da USP. “Azitromicina e hidroxicloroquina não mostraram benefício clínico e, portanto, não devem ser utilizados no tratamento ambulatorial de pacientes com suspeita ou diagnóstico de covid-19″, diz o relatório.
Já desde que assumiu a pasta, Queiroga vinha protelando a decisão final do ministério sobre o uso ou não do “kit covid” para não ‘desagradar’ o chefe.
Quando depôs à CPI da Covid, em 8 de junho, pressionado pelos senadores, o ministro disse que a Conitec daria a palavra final sobre a recomendação ou não do uso de cloroquina e outras drogas no tratamento de pacientes infectados pelo novo coronavírus no SUS. Diante da protelação, o Supremo Tribunal Federal (STF) chegou a dar um prazo até 26 de outubro para a comissão se pronunciar definitivamente sobre o assunto.
A retirada intempestiva do tema da pauta da reunião desta quinta-feira foi denunciada pelos técnicos à CPI da Pandemia. “Técnicos foram informados da retirada apenas ontem à noite, na véspera da reunião do Conitec, e ficaram insatisfeitos. O governo não quer que um órgão desautorize o presidente da República, que insiste no tratamento precoce com cloroquina”, afirmou o senador Randolfe Rodrigues, vice-presidente da CPI. A comissão reagiu imediatamente e aprovou requerimento para que o órgão envie o estudo em até 24 horas e explique por que adiou a análise.
BOLSONARO DEFENDEU CHARLATANISMO NA ONU
Apesar das comprovações científicas da ineficácia, Bolsonaro continuou a defender o chamado “tratamento precoce”, inclusive em seu discurso na Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU), no mês passado. “Desde o início da pandemia apoiamos a autonomia do médico em busca do tratamento precoce. Eu mesmo fui um desses que fez tratamento inicial”, afirmou Bolsonaro, na ocasião. Com a posição da Conitec ficaria definitivamente proibido pelo ministério o uso e a propaganda dessas drogas para tratamento da Covid-19.
Queiroga, desautorizado mais uma vez por Bolsonaro, tentou arranjar uma desculpa. Disse que a solicitação de retirada da pauta teria sido feita pelos próprios autores da análise, diante do surgimento de novas informações sobre outros medicamentos que estariam sendo defendidos. A retirada teria como motivo, segundo o ministério, atualizar o estudo antes que ele fosse analisado pela Conitec. Carlos Lula, presidente do Conselho de Secretários Estaduais de Saúde, que participa do Conitec, desmentiu o ministro, informando que a decisão de retirar a análise da pauta foi “de cima para baixo”.
O parecer que seria votado na reunião do Conitec desta quinta determina que o uso da cloroquina deve ser mantido apenas para pacientes com doenças reumatológicas ou malária, para as quais a droga é indicada. As exceções quanto à azitromicina é caso haja infecção bacteriana.
INDICIAMENTO PELA CPI
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) denunciou a intromissão de Bolsonaro: “A informação é que o presidente Jair Bolsonaro, que defende o uso da cloroquina, se irritou com o ministro Marcelo Queiroga e determinou que o estudo não fosse analisado agora, às vésperas de a CPI votar seu relatório que vai exatamente pedir o indiciamento do presidente por defender o tratamento precoce com o kit-covid”, disse.
A Conitec é formada por um representante de cada secretaria do Ministério da Saúde, do Conselho Federal de Medicina (CFM), do Conselho Nacional de Saúde (CNS), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Agência Nacional de Saúde (ANS), além de secretarias estaduais e municipais de saúde. O órgão é responsável por assessorar o ministério nas decisões sobre quais medicamentos e tratamentos devem ser utilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).