“Se não fizer bem feito, morre por si só”, acrescentou
No mesmo dia em que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), devolvia a Medida Provisória do governo, editada na véspera do 7 de Setembro, impedindo qualquer controle sobre a disseminação do ódio e a “guerra suja” na internet, Bolsonaro usava uma solenidade no Planalto para advogar a favor desse crime, ou seja, da disseminação em massa das fake news nas redes sociais.
“Fake news faz parte da nossa vida”, disse ele, numa confissão aberta de que o seu comportamento e de seu governo se baseiam em mentiras, em fake news. Ele disse textualmente que as fake news “fazem parte” de sua vida. “Quem nunca contou uma mentirinha para a sua namorada? Se não contasse, a noite não ia acabar bem. Eu nunca menti para a dona Michelle”, acrescentou, dando risadas.
A Medida Provisória que impede a remoção de mentiras, ameaças e ataques de ódio das redes sociais, além de ser duramente criticada por parte do Congresso Nacional, recebeu parecer contrário até do procurador-geral da República, Augusto Aras. O chefe do Ministério Publico pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão do texto. A decisão do Senado, devolvendo a MP ao Planalto, frustra alguns dos planos do governo para a sua baixaria digital.
Tanto as fake news são parte do submundo de Bolsonaro que a mais escrachada de todas foi a propagação, em 2018, de que ele seria o “paladino” da luta contra a corrupção. Hoje é de domínio público que era uma tremenda fake news. A verdade era exatamente o contrário. Para se proteger e acoitar comparsas e membros da família envolvidos em lavagem de dinheiro, o “mito”, assim que assumiu, começou a desmontar toda a estrutura de combate à corrupção no país. Acabou com o Coaf (Conselho de Controle de Informações Financeiras), perseguiu servidores da Receita Federal, tentou aparelhar a Policia Federal, etc.
Bolsonaro explicou também que a fake news tem que ser “bem contada”. “Tem que saber se comunicar”, disse ele. Ou seja, não pode ser coisa de amador. É por essas e outras que foi criado, dentro do Palácio do Planalto, o chamado “gabinete do ódio”. Estrutura profissional. Tem que produzir “bem feito” e espalhar milhões de vezes a mentira, se não, a coisa não funciona. “Quem não se comunica, se estrumbica. Se comunicar mal, não tem futuro”, acrescentou.
Em defesa de sua produção em série e de sua máquina de propagação de suas mentiras, ele alegou que “hoje em dia, fake news morre por si só”. Ou seja, se pararem de falar e de repetir, ela morre. “Se não fizer bem feito, morre por si só”, argumentou.
Se não permanecer nas redes, não adianta. “Não vai para a frente”, disse. “Eu que mais sofro com fake news, não é isso mesmo? Sim, se for levar em conta o que se fala do presidente nas mídias sociais, eu duvido quem apanha mais que eu. Mas em nenhum momento recorri ao Judiciário para tentar reparar isso porque eu entendo também que fake news é quase como um apelido. Se botar um apelido no (ministro da Saúde, Marcelo) Queiroga e ele ficar chateado, vai pegar o apelido. Cai por si só”, afirmou Bolsonaro.
Por fim, ele abriu o jogo do real motivo do discurso que fazia. Ele não quer que a “guerra suja” seja controlada. Seu plano era manter a MP. “Não precisamos regularizar isso aí. Deixemos o povo à vontade. Obviamente, quando se vai para pedofilia e outras coisas mais, aí não tem cabimento. Isso não é fake news, isso é crime. E as comunicações representam a liberdade. Muitas vezes erramos. Quem nunca errou, né, no palavreado. Às vezes, custa caro para a gente, mas é melhor viver assim como a imprensa, em liberdade, do que não ter liberdade. Realmente não tem fronteira nas comunicações”, concluiu, de forma cínica e demagógica. Não deu certo, a MP foi devolvida.