Estudo de Serrana é categórico: redução de 95% no número de óbitos, 86% de internações e 80% em casos sintomáticos de Covid-19. Além disso, o número de hospitalizações e mortes na faixa etária superior aos 70 anos após vacinação foi reduzido a zero
Jair Bolsonaro afirmou, nesta terça-feira, 16, que a Coronavac, vacina contra Covid-19, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan, “não tem comprovação científica ainda”. A afirmação do ‘garoto propaganda’ da cloroquina está alinhado à sua conduta de resistência e de sabotagem às vacinas em geral e contra a CoronaVac, em particular.
BOLSONARO É CONTRA VACINAS E OUTRAS MEDIDAS SANITÁRIAS
Além de combater as vacinas e viabilizar sua tese genocida da imunização de rebanho, Bolsonaro, que já achincalha diariamente o distanciamento social, defendeu também na semana passada o fim do uso de máscara no país. Todas as autoridades sanitárias do país e do mundo repelem esta posição negacionista de Bolsonaro e têm chamado a atenção para a necessidade se manter as medidas de proteção não farmacológicas contra o vírus até que um percentual significativo da população esteja vacinada com as duas doses.
Bolsonaro ainda disse, na entrevista à SIC TV, afiliada da Record, em Rondônia, que a vacina da Pfizer teria “mais credibilidade do que a que foi e está sendo distribuída aqui”, referindo-se à CoronaVac.
Sua adesão a uma suposta credibilidade maior da vacina da Pfizer está em completa sintonia com o conhecido alinhamento automático de Bolsonaro aos interesses dos governos e dos monopólios dos EUA. Mas, mesmo em relação à vacina da Pfizer, o que prevaleceu, no entanto, foi a sabotagem geral do Planalto às vacinas, já que, inexplicavelmente, o governo demorou mais de seis meses para responder a uma oferta de 70 milhões de doses de vacinas, feitas pela Pfizer, em agosto de 2020.
SERRANA: MORTALIDADE CAIU DEPOIS QUE 75% DA POPULAÇÃO RECEBEU SEGUNDA DOSE
Os resultados da pesquisa com a vacina CoronaVac, feitas na cidade de Serrana, no interior de São Paulo, pelo Instituto Butantan – primeiro estudo científico mundial de fase 4 de um imunizante – jogam por terra a afirmação leviana, feita por Bolsonaro, de que a CoronaVac não tem eficácia comprovada cientificamente. Aliás, é fato que, para o capitão cloroquina, as únicas coisas que têm comprovação científica neste mundo são a imunidade de rebanho, o “tratamento precoce” e o kit Covid.
Os resultados de Serrana são categóricos na confirmação da eficácia da CoronaVac. Eles revelaram que houve redução de 95% no número de óbitos, 86% de internações e 80% em casos sintomáticos de Covid-19. Além disso, o número de hospitalizações e mortes na faixa etária superior aos 70 anos foi reduzido a zero após a semana epidemiológica 14 (meio de abril), quando 95% dos adultos de Serrana já estavam vacinados.
A pesquisa, pioneira no mundo, foi desenvolvida pelo Butantan, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP e avaliada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Foi realizada em parceria com a Secretaria de Saúde e a Prefeitura Municipal de Serrana. O objetivo do projeto era entender qual a efetividade da CoronaVac, ou seja, como a imunização de toda uma população pode afetar o curso da epidemia. Na prática, entender como a vacina se comporta no mundo real.
Para os cientistas do Projeto Serrana, a pandemia foi controlada após três dos quatro grupos em que a cidade foi dividida receberem a segunda dose, ou seja, cerca de 75% da população. O epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da USP, Paulo Lotufo, concluiu que o estudo de Serrana mostrou que, para se controlar uma epidemia, é necessária ação populacional, e não apenas individual.
ANTES DE DESCER, NÚMERO DE CASOS SUBIU EM SERRANA
“Com 75% da população-alvo imunizada, a pandemia foi controlada em Serrana e esse mesmo cenário pode se reproduzir em todo o Brasil. Os resultados mostram de maneira categórica o que poderia estar ocorrendo no país inteiro”, afirmou Dimas Covas, diretor-presidente do Instituto Butantan.
BOLSONARO SEMPRE QUIS IMUNIDADE DE RABANHO
“Apesar de óbvia, a conclusão da pesquisa deixa claro a todos que imunidade de rebanho é algo que se atinge com a vacinação, e não deixando as pessoas expostas para que elas fiquem doentes”, avaliou a microbiologista Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência. “O Projeto Serrana indica que a CoronaVac tem alcançado uma efetividade no mundo real que é superior aos dados de eficácia obtidos nos testes clínicos”, apontou a médica Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Assim como ocorre hoje no Chile, onde 46% da população foi imunizada com a CoronaVac, em Serrana, apesar de ter havido já no início da imunização uma redução da mortalidade, a taxa de infecção, ou seja, o número de casos, só veio a cair significativamente quando a imunização atingiu índices superiores a 75% da população. O que reforça a opinião do professor Paulo Lotufo de que a ação das vacinas é eminentemente populacional e não individual.
A citação da experiência chilena surge neste momento pelo fato dela ter ensejado, assim como ocorreu em Serrana, dúvidas – ocorridas na fase inicial da imunização, naquela cidade – quanto à eficácia da vacina do Butantan. No Chile, a CoronaVac representa 90% da vacinas utilizadas no país. Em abril, dois meses e meio após o começo da vacinação maciça contra a Covid-19 naquele país, que já administrou 12,7 milhões de doses, o Ministério da Saúde publicou o primeiro relatório de efetividade da vacina.
80% DE PREVENÇÃO DE MORTES NO CHILE
De acordo com o estudo chileno, realizado com a informação de 10,5 milhões de pessoas, a CoronaVac tem 80% de efetividade para prevenir mortes, 14 dias depois da segunda dose. Os resultados, que foram chamados de “animadores” pela comunidade médica chilena, mostraram que a vacina chinesa foi efetiva em 89% para evitar a internação de pacientes críticos em UTIs, em 85% para prevenir as hospitalizações e 67% para impedir a infecção sintomática da doença.
A pesquisa de dois meses de duração começou no início de fevereiro, paralelamente ao começo da vacinação maciça e utilizou a base de dados dos pacientes do sistema público, ao que pertencem oito de cada 10 chilenos (Fundo Nacional de Saúde – Fonasa, na sigla em espanhol). Foram feitos filtros de variáveis fundamentais para poder ajustar o modelo: idade (maior de 16 anos), sexo, região da residência, divisão das internações e nacionalidade, entre outros fatores, como doenças crônicas. Por fim, além dos filtros, se trabalhou com a informação de 10,5 milhões de pessoas: 2,5 milhões que receberam duas doses (completamente imunizadas), 1,5 milhão com uma dose (parcialmente imunizadas), e outros 6,5 milhões que não receberam nenhuma vacina no período do estudo.
Em números redondos: no período da pesquisa faleceram 54 pessoas com duas doses da Sinovac, 527 com só uma dose e 1.069 que não haviam recebido nenhuma.
“São resultados muito bons”, afirmou Rafael Araos, assessor da Subsecretaria de Saúde Pública, encarregado de apresentar o estudo. “Se todos fôssemos vacinados no começo da pandemia e a efetividade da vacina se mantivesse estável no tempo, em vez dos 24.923 mortos confirmados até hoje, teríamos por volta de 5.000”, calculou o especialista. O Colégio Médico, o órgão que liderou a contraparte do Governo na pandemia, reagiu imediatamente ao estudo: “Resultados animadores. Vamos nos vacinar e continuar nos cuidando”, escreveu nas redes sociais Izkia Siches, a médica que preside o órgão.
CHILE: COM 46% DE IMUNIZAÇÃO, PANDEMIA AINDA NÃO ESTÁ CONTROLADA
Segundo o governo chileno, com 46% da população imunizada com o imunizante chinês, o país apresentou um nível de proteção de 67% em pacientes sintomáticos, preveniu em até 80% as hospitalizações, em 89% as internações em UTI e em 80% o risco de morte. Esses índices, lembra o governo, foram atingidos 14 dias após a segunda dose.
Apesar desses resultados, o biólogo brasileiro, Fernando Reinach, levantou, em artigo publicado no jornal Estadão no último dia 5 de junho, a hipótese de que a eficácia da CoronaVac pode não estar se confirmando no Chile ao ser comparada com outros imunizantes. A dívida surgiu pelo fato de ocorrer no país sul-americano, assim como aconteceu em Serrana, um aumento de casos de Covid-19 nas últimas semanas, antes de se atingir 75% da população com o imunizante.
Bolsonaro se baseou em dúvidas como a de Fernando Reinach e outros para voltar a atacar a CoronaVac e, por conseguinte, toda a vacinação contra a Covid-19.
O biólogo cita que “no Chile onde mais de 40% da população foi vacinada com duas doses ainda são registrados 400 casos por dia por milhão de habitantes. Esse número vem crescendo e é muito maior que o registrado no Brasil, que, com 10% da população vacinada, tem pouco menos de 300 novos casos por dia por milhão de habitantes”.
COM 75% DE VACINADOS, NÚMERO DE CASOS DESPENCA
Entretanto, como pode ser visto no gráfico do estudo de Serrana (acima), o número de casos na cidade ainda estava subindo quando o nível de imunização estava no mesmo nível do que hoje está o Chile. Esse índice só despencou depois que o nível de imunização atingiu 75% ou mais da população.
Assim como ocorreu no inicio da pesquisa de Serrana, onde também houve aumento de casos antes de fosse atingido um índice de 75% ou mais de imunização, a dúvida levantada por Reinach sobre o Chile é compreensível. No entanto, todos os trabalhos, inclusive no Uruguai apontam noutra direção.
A CoronaVac foi capaz de reduzir em 97% a mortalidade por Covid-19 no Uruguai, segundo estudo preliminar feito pelo Ministério da Saúde daquele país e divulgado no dia 27 de maio. Os dados mostram ainda que o imunizante da Pfizer também teve alta proteção contra as mortes, ainda que em patamar inferior ao da CoronaVac: 80%. O governo uruguaio, contudo, solicitou cautela na interpretação dos dados e na comparação com outras vacinas, já que os resultados não foram estratificados segundo faixa etária, presença de comorbidades e risco de exposição ao vírus.
Um artigo científico preliminar divulgado em 11 de abril na revista Lancet aponta que a eficácia da CoronaVac contra a Covid-19 é maior do que o dado anteriormente divulgado. A chamada eficácia primária, que representa a proteção da vacina contra a doença em qualquer intensidade, passou de 50,38% para 50,7%, chegando a 62,3% com intervalos maiores que 21 dias entre as doses. Contra casos moderados, o imunizante tem eficácia de 83,7%, quando o dado anterior apontava 78%.
“É MUITO COMPLICADO COMPARAR VACINAS”, DIZ INFECTOLOGISTA
Já um outro estudo preliminar divulgado no dia 21 de maio indica que a efetividade da CoronaVac cai conforme a idade e varia de 61,8% a 28% a partir dos 70 anos. O trabalho mostra também que o imunizante não confere nenhuma proteção com apenas uma dose. Na média, a efetividade após 14 dias da segunda dose ficou em 42% no grupo de idosos analisado. O índice é inferior ao verificado nos testes clínicos da vacina no Brasil, feitos majoritariamente com voluntários mais jovens.
Sobre opiniões a cerca de uma suposta superioridade de umas vacinas sobre outras, a infectologista do Hospital Sírio-Libanês Mirian Dalben afirma que todas as vacinas disponíveis hoje no País são eficazes e seguras. “É muito complicado comparar a eficácia global das vacinas”, diz.
“O estudo da Pfizer foi feito antes da maioria das variantes surgir, no meio do ano passado, e a da CoronaVac, depois.” “Lançadas após a fase três das pesquisas, todas elas ainda passam por acompanhamento para se medir a eficácia em populações maiores ao longo do tempo, a chamada fase 4”, disse ela. “Pode ser que depois de um tempo, no futuro, possa se dizer que uma é melhor que a outra para determinada população”, afirma a infectologista. “Agora, o importante é tomar qualquer uma das três e não adiar. Não dá para ser sommelier de vacina”, conclui a médica.
SÉRGIO CRUZ
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