A declaração do relator do Orçamento, senador Márcio Bittar (MDB-AC), de que foi autorizado por Bolsonaro, na quarta-feira (16/09), a incluir o “Renda Brasil” na proposta orçamentária, não causou surpresa nos meios políticos (aliás, ao que parece, em nenhum meio, exceto àqueles bolsonaristas especialmente obtusos).
A surpresa, que não houve, seria devido a que, 24h antes de tomar café da manhã com o senador Bittar – e autorizar a inclusão do suposto programa -, Bolsonaro ter dito, em ostentosa “live”, que estava proibido, até o final de seu governo, falar em “Renda Brasil” (v. HP 15/09/2020, Bolsonaro acaba com “Renda Brasil”, que sempre foi, apenas, vigarice).
Mas, se o problema do “Renda Brasil”, como disse Bolsonaro, era que a equipe de Guedes queria “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”, o que, então, mudou?
Nada, esclareceu o senador Bittar, ao lhe ser perguntado sobre a origem dos recursos para incluir no Orçamento o novo “renda Brasil”:
“Não adianta agora a gente especular do que vai tirar, onde que vai cortar, mas estou autorizado pelo presidente, ele me deu sinal verde”, disse Bittar.
O novo “renda Brasil” (ou lá que nome tenha) é igual ao antigo.
Aliás, tudo nesse governo é sempre igual ao que já foi cancelado…
Não é uma piada, mas uma constatação: Bolsonaro sempre tenta fazer alguma aberração, e, se não consegue – porque a reação provocada foi explosiva ou perto disso -, a culpa é dos guabirus que ele mesmo colocou no governo para fazer o que ele quer que seja feito.
Mas essa condenação dos guabirus, com o cancelamento suposto das propostas que não conseguiram passar pela sociedade brasileira, não significa uma desistência.
Ao oposto: significa uma insistência, em que somente mudam os nomes dos estrupícios e disparates, que continuam, sempre, sendo os mesmos.
Vejamos o caso do “Renda Brasil”.
O AUTORIZADOR
“Foi o próprio Bolsonaro que autorizou estudos e vazamentos tanto sobre o congelamento do salário mínimo e das aposentadorias quanto sobre a volta da CPMF, ainda que com outra roupagem e com outro nome”, escreve Celso Ming, em sua coluna no jornal “O Estado de S. Paulo” (v. O frio e o tamanho do cobertor, OESP 17/09/2020).
A informação foi obtida por Ming, colunista econômico altamente prestigiado nos meios financeiros, dentro do próprio governo.
Ou seja, o “Renda Brasil” de Bolsonaro era com o rebaixamento das aposentadorias (que não seriam, por dois anos, reajustadas de acordo com a inflação), tal como disse à imprensa o secretário da Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues (v. HP 15/09/2020, Bolsonaro acaba com “Renda Brasil”, que sempre foi, apenas, vigarice).
Não houve, a propósito, “vazamento”. O que houve foi uma entrevista do citado Rodrigues, um carrega-mala de Paulo Guedes, ao site G1, no domingo (13/09).
Bolsonaro, portanto, estava ciente, tanto do “plano” de rebaixar as aposentadorias, quanto de sua comunicação à imprensa sob forma de suposto “estudo” (?). Da mesma forma, estava ciente do “plano” de acabar com o abono salarial, acabar com o Programa Farmácia Popular, acabar com o seguro-defeso dos pescadores e reduzir a assistência aos idosos e deficientes – tudo, supostamente, em prol do “Renda Brasil”.
Assim, a “live” da terça-feira, com supostas ameaças de “cartão vermelho”, etc., foi mera palhaçada demagógica. Até porque Bolsonaro conversou com Guedes e com Waldery Rodrigues antes de gravá-la.
Se quisesse ou estivesse disposto a dar algum “cartão vermelho”, não iria conversar, antes, com os supostos alvos de tal medida.
Entretanto, nem isso significa alguma coisa. Pelo menos, nada de bom.
Como insinua – nesse caso, mais insinua do que diz – o colunista que mencionamos no início deste artigo, o então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, foi demitido apesar de Bolsonaro estar plenamente informado da tentativa de Guedes de reinstaurar um tributo tipo CPMF, “ainda que com outra roupagem e com outro nome”.
Por algum acaso a “nova CPMF” deixou de ser aventada após a demissão de Cintra?
É claro que não. Pelo contrário, nunca foi tão bimbalhada, quanto após a demissão de Cintra – exonerado, precisamente, por propor ou tramar uma “nova CPMF”.
Bolsonaro, portanto, faz a palhaçada que acha que lhe convém em determinado momento.
Se não consegue passar alguma coisa, então está “proibido” falar nela, que ressurge com outro nome.
E assim vai indo esse governo, sem sair do lugar – enquanto o país, este desce de lugar.
Na terça-feira, Bolsonaro disse que “até 2022, no meu governo, está proibido falar a palavra Renda Brasil. (…) eu jamais vou tirar dinheiro dos pobres para dar para os paupérrimos. Quem porventura vier propor para mim uma medida como essa, eu só posso dar um cartão vermelho”.
Então, por causa disso, Bolsonaro acabou com as especulações sobre o “Renda Brasil”. Ou seja, fez exatamente o que queriam aqueles que ameaçou com “cartão vermelho”…
Não fosse o fato de que o rebaixamento das aposentadorias – isto é, na linguagem do governo, sua “desindexação” – sempre foi, desde seu primeiro momento (e até antes, na campanha eleitoral), um objetivo desse governo, isto é, de Bolsonaro, Guedes e suas quadrilhas.
O que nada tem de original: esta é, há muito, a tentativa do Banco Mundial (v. HP 23/11/2017, Banco Mundial dá solução: amontoar alunos nas salas, cortar Saúde e pagar aposentado abaixo do salário mínimo).
CARLOS LOPES