Delegado foi segurança do candidato, virou amigo de Carlos, e depois virou assessor no Planalto, antes de ser colocado na Abin
Há uma discussão em curso no país hoje sobre a necessidade de apuração rigorosa de atos cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro. Um deles é a pressão exercida sobre a Polícia Federal para obter informações sigilosas de inquéritos conduzidos pelo órgão, denunciado pelo ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro.
Mas, há também um outro ato do presidente que merece uma investigação. A informação prestada por ele sobre os cargos ocupados pelo delegado que ele queria que assumisse o comando da Polícia Federal.
Jari Bolsonaro não se ateve à verdade quando, em discurso, feito na quarta-feira (29), durante a posse do substituto de Sérgio Moro na pasta da Justiça, afirmou que “gostaria de ter honrado Alexandre Ramagem” com o cargo de diretor-geral da Polícia Federal porque “ele teve a honra de chefiar a segurança do chefe máximo da Presidência da República”.
Ramagem não chefiou a segurança do presidente da República. Ele chefiou a segurança do então candidato Jair Messias Bolsonaro nas eleições de 2018.
Depois que Bolsonaro assumiu a Presidência, Alexandre Ramagem assumiu um cargo de assessoria no Palácio do Planalto, subordinado ao general Santos Cruz. Sua credencial era, além da ligação com Jair Bolsonaro, uma amizade íntima com o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente.
Logo no início do governo, segundo o ex-ministro Gustavo Bebianno, o vereador apresentou a ele e ao general Santos Cruz um plano de montar uma especie de “Abin paralela”, já que ele [Carlos] não confiava no órgão. Apresentou o nome de um delegado para a função. Tanto Bebianno quanto Santos Cruz se opuseram ao intento de Carlos Bolsonaro.
Logo após a saída de Bebianno e Santos Cruz do governo, Jair Bolsonaro nomeou o delegado Alexandre Ramagem para a direção da Abin. Então, o delegado passou de assessor do Planalto e amigo de Carlos, a diretor da Abin e nunca esteve na segurança da Presidência da República como afirmou Jair Bolsonaro.
Ramagem tinha íntimas ligações com o filho de Bolsonaro que é um aficcionado por espionagem. Os dois se entendiam muito bem e foram vistos juntos numa festa de final do ano (foto).
Durante o primeiro ano de governo foi montado dentro do Planalto o chamado “Gabinete do Ódio”, denunciado em detalhes pela ex-líder do governo, deputada Joice Hasselmann.
O “gabinete” é uma espécie de central de espionagem e fábrica de fake news para atingir as instituições e a honra de adversários políticos e desafetos do presidente. Essa central está sob a coordenação de Carlos Bolsonaro e é motivo de um inquérito conduzido pelo Supremo Tribunal Federal e a Polícia Federal.
As investigações sobre as fake news da “agência de espionagem” levaram às convocações de atos contra a democracia que ocorreram no último dia 19 de abril em alguns pontos do país.
Além da presença de Jair Bolsonaro num desses atos pela volta do AI-5 e pelo fechamento do Congresso e do STF, a Polícia Federal investiga a participação de deputados e empresários ligados ao “Gabinete do Ódio” na organização das manifestações. Foi detectada a intensa participação deste esquema nos atos contra o STF e o Congresso.
Foram exatamente essas investigações que levaram Bolsonaro a enviar mensagem a Sérgio Moro dizendo que isso – as investigações de 10 a 12 deputados bolsonaristas – era “mais um motivo para a troca”. A troca em questão era a saída de Henrique Valeixo da direção da PF e a entrada de Alexandre Ramagem em seu lugar.
A mensagem de Bolsonaro pressionando Moro a trocar o comando da PF veio à público pela voz de Sérgio Moro, que denunciou as intenções de Bolsonaro. Segundo o ex-ministro, o presidente queria “interagir” com a PF, como ele mesmo disse, para obter informações sigilosas de inquéritos e interferir nas investigações. A concretização de seu plano se daria com a indicação de Ramagem para a PF.