O presidente da República, em mensagem de 180 páginas, aproveitou a plateia que ainda lhe dá sustentação para pintar um retrato cor-de-rosa da atuação do governo na pandemia e reforçar a agenda ultraliberal de Guedes, que o governo ainda não conseguiu implementar, pela resistência da sociedade e de parcela do próprio Legislativo. Já os presidentes das duas casas legislativas, Lira e Pacheco, mesmo apoiados pelo governo em suas eleições, chegaram a defender a instituição de novo auxílio emergencial que o governo resiste em conceder
Os trabalhos do Congresso Nacional foram reabertos oficialmente nesta quarta-feira (3). Trata-se da 3ª sessão legislativa. O presidente Jair Bolsonaro compareceu à solenidade, realizada no plenário da Câmara dos Deputados, e fez discurso que dividiu opiniões entre os congressistas.
Em sua mensagem ao Congresso, Bolsonaro afirmou que o governo federal está pronto para conduzir o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 ao longo do ano de 2021, mas não fez qualquer referência aos mais de 226 mil mortos pela Covid-19 e de 9 milhões de contaminados pela pandemia, resultado da política desastrosa do governo e de seu atual ministro da Saúde frente à pandemia do coronavírus.
“O governo se encontra preparado e estruturado em termos financeiros, organizacionais e logísticos para executar [o plano]. Com isso, seguimos envidando todos os esforços para o retorno à normalidade na vida dos brasileiros”, pontificou, mesmo depois da prática de um negacionismo doentio, inclusive, em relação à vacina que chega à conta-gotas.
SEM PAUTA IDEOLÓGICA
Em seu discurso, Bolsonaro mencionou as propostas da Reforma Tributária (PEC 45/19 e PEC 110/19), do Pacto Federativo (PEC 188/19), da Reforma Administrativa (PEC 32/20), da independência do Banco Central (PLP 19/19), da modernização do setor elétrico (PLS 232/16) e do marco legal das startups (PLP 146/19).
Além desses textos, Bolsonaro elencou como assuntos que dependerão da participação do Congresso a agenda de privatizações e a revisão de subsídios e benefícios tributários a setores da economia. É a pauta do ajuste fiscal-neoliberal. É a agenda das privatizações em áreas estratégicas como o setor elétrico e gás. Quanto à pauta ideológica, preferiu mantê-la escondida.
Bolsonaro ignorou solenemente os resultados das ações (ou omissões) governamentais no enfrentamento da pandemia em 2020 e lembrou as medidas aprovadas pelo Congresso. Das quatro iniciativas recordadas por ele, três surgiram no próprio Congresso: o auxílio emergencial, o Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) e a Lei Aldir Blanc (de apoio ao setor cultural). Apenas o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda partiu do Executivo, por meio de medida provisória, que foi melhorado — e muito — pelos parlamentares.
“CAOS SOCIAL E CAOS NA SAÚDE”
O líder da Minoria no Congresso, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), afirmou que o governo não apresentou medidas para reduzir o “caos social e o caos na saúde”. “O presidente Bolsonaro parece que não enxerga a tristeza que vivemos em nosso País. Não apresentou uma única medida que dê esperança ao povo brasileiro, não tratou de nada importante”, criticou.
Zarattini cobrou a criação de novo auxílio emergencial para socorrer os mais de 15 milhões de desempregados atingidos pela crise provocada pela pandemia de coronavírus. O líder da Minoria ainda quer a discussão do “Plano de Imunização” para reduzir o número de mortes e de atingidos pela Covid-19.
Bolsonaro também foi alvo de protestos por parte de outros parlamentares da oposição durante a sessão de abertura dos trabalhos do Congresso Nacional nesta quarta-feira (3).
“URGENTE! BOLSONARO ACABA DE OUVIR UMAS VERDADES AQUI NO PLENÁRIO DA CÂMARA!!!”, escreveu no Twitter a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). A parlamentar observou que o presidente foi recebido aos gritos de “fascista” e “genocida”.
“Abertura do ano legislativo com o presidente sendo chamado de fascista e genocida. Fora Bolsonaro! O Brasil não aguenta mais!”, anotou o deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA) em sua conta no Twitter.
PACIFICADOR
O presidente do Congresso e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), dá sinais que atuará como uma espécie de pacificador entre os outros dois chefes de poderes, cujos temperamentos são semelhantes, e a própria oposição. Ao abrir os trabalhos do Poder Legislativo, Pacheco defendeu a “pacificação e conciliação entre as instituições” para que o País avance numa pauta que priorize a saúde, o desenvolvimento social e o crescimento econômico.
Durante seu o discurso, ele também considerou como prioridades do Parlamento a aprovação das reformas Administrativa e a Tributária e a atuação conjunta para agilizar o plano de vacinação no País.
Diante da vulnerabilidade econômica e social dos mais pobres, agravada pela pandemia, Pacheco também defendeu a aprovação de auxílio emergencial. “Por essa razão, estamos estabelecendo, junto ao nosso colégio de líderes e à equipe econômica do governo federal, um caminho para compatibilizar o auxílio governamental aos mais carentes, que ainda é absolutamente necessário neste momento, com os princípios que norteiam a responsabilidade fiscal”, afirmou.
“VACINAÇÃO E HARMONIA”
A seu turno, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), eleito com o apoio ostensivo do governo, exortou a vacinação contra a Covid-19 e a “harmonia” entres os poderes. Duas questões que o presidente da República confronta sistematicamente em sua atuação como chefe do Poder Executivo.
“Precisamos fazer o que estiver ao nosso alcance para facilitar a oferta de vacinas para os mais vulneráveis neste momento mais dramático, sempre obedecendo aos mais rigorosos padrões sanitários e sem colocar em risco a vida das pessoas, mas abrindo, quem sabe, as opções de novas vacinas que já estão disponíveis nos mercados mundiais”, discursou.
Sobre uma “pauta emergencial”, Lira destacou que a pandemia fragilizou a economia e que é preciso construir essa agenda para resguardar a vida dos cidadãos brasileiros, dinamizar a economia, criar novos empregos e preservar o imperativo da responsabilidade fiscal, como se o quadro econômico do País já não estivesse fragilizado mesmo antes com a agenda ultraliberal de Guedes e Bolsonaro.
Ele voltou a defender a harmonia entre os poderes como forma de superar os problemas da população brasileira. “Comprometo-me a não medir esforços para que tal harmonia se traduza em uma pauta comum em prol de toda a sociedade. A hora é de superar os antagonismos e deixarmos para trás eventuais mágoas e mal-entendidos para sairmos maiores desta crise e para que o povo brasileiro se sinta bem representado por cada um de nós”, acrescentou.
IN LOCO
Essa foi a primeira vez, em seu governo, que Bolsonaro compareceu à sessão de abertura do ano legislativo. Nos dois anos anteriores, ele apenas encaminhou sua mensagem aos parlamentares. Provavelmente, quis transmitir a mensagem de que os novos presidentes da Câmara e do Senado contaram com seu apoio (e que apoio!) para se elegerem.
MARCOS VERLAINE (colaborador)