![](https://horadopovo.com.br/wp-content/uploads/2020/06/a1.jpg)
Até Donald Trump, guru do presidente, disse que seus métodos são “terríveis”
Além de reter os recursos para o combate à pandemia – governo bloqueou R$ 8,6 bilhões de fundos extintos que iriam para hospitais – Jair Bolsonaro agora quer impedir o acesso às informações sobre os números de infectados, internados e mortos pela Covid-19. Ele começou suspendendo as entrevistas coletivas diárias de integrantes do Ministério da Saúde, depois foi retardando a divulgação dos números. Perguntado sobre os motivos do atraso, ele respondeu: “acabou matéria do Jornal Nacional”.
Agora, o presidente passa do atraso para a manipulação direta dos números. Ele ordenou que o Ministério da Saúde reveja os números de mortos que são informados pelas Secretarias Estaduais de Saúde. O novo secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, o empresário dono de cursos de inglês, Carlos Wizard, seguindo as ordens do chefe, acusou, sem nenhuma prova, gestores municipais e estaduais de inflacionar o número de mortos pela Covid-19 para receber mais recursos do governo federal.
“Você sabe, eu sei, a população do Brasil sabe que existem centenas, milhares de pessoas que nunca tiveram sintoma nenhum da Covid-19, por alguma razão vieram a óbito, e daí no certificado está escrito que morreu de Covid. O que defendemos é um critério mais apurado para identificar quem são as vítimas”, comentou ainda, mais uma vez sem trazer provas. Wizard disse que “as pessoas estão morrendo por causas diversas”, e que a preocupação com o novo coronavírus é porque, antes da pandemia, não havia a possibilidade de registrar esta doença como causa da morte em certificados de óbito. “Temos que ser um pouco mais voltados para a solução do problema, e não ficar fantasiando esses números que aleatoriamente passam”, comentou.
Por meio de nota divulgada neste sábado (6), o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) repudiou a fala do novo secretário. “Ao afirmar que secretários de Saúde falseiam dados sobre óbitos decorrentes da Covid-19 em busca de mais ‘orçamento’, o secretário, além de revelar sua profunda ignorância sobre o tema, insulta a memória de todas aquelas vítimas indefesas desta terrível pandemia e suas famílias”, diz a nota.
“Nós e a sociedade brasileira não os esqueceremos (os mortos) e tampouco a tragédia que se abate sobre a nação. Ofende secretários, médicos e todos os profissionais da saúde que têm se dedicado incansavelmente a salvar vidas. Wizard menospreza a inteligência de todos os brasileiros, que num momento de tanto sofrimento e dor, veem seus entes queridos mortos tratados como ‘mercadoria’. Sua declaração grosseira, falaciosa, desprovida de qualquer senso ético, de humanidade e de respeito, merece nosso profundo desprezo, repúdio e asco. Não somos mercadores da morte”, conclui o manifesto dos secretários.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, também se posicionou sobre as intenções do governo sobre os números da pandemia. Ele cobrou mais transparência do Ministério da Saúde nos dados divulgados sobre o coronavírus e avaliou que, caso contrário, seria mais fácil extinguir a pasta do governo federal. “Tenho chamado a atenção para que, enquanto gastamos energia imensa com essa querela política, atingimos esse número trágico e mórbido. Quando se começa a fazer esse movimento politico, a sonegar informação, a própria confiabilidade dos números passa a ser também colocada em cheque”, avaliou o ministro em entrevista para a CNN Brasil.
“Acho importantíssimo que de fato haja responsabilidade por parte do Ministério da Saúde, caso contrário seria mais fácil extinguir o Ministério da Saúde e alguém assumir esse papel. Acho que tem que ter muito cuidado com esse manejo político na crise”, completou.
Na sequência do plano de esconder e manipular os números, o site do Ministério da Saúde que mostra os dados sobre o coronavírus no Brasil, como o número de casos e mortes, saiu do ar na noite desta sexta-feira (5). Uma mensagem dizendo “portal em manutenção” passou a ser a única informação disponível no endereço, que antes trazia detalhamento por estados, gráficos com a evolução de casos e óbitos, bem como informações sobre início dos sintomas, entre outros detalhamentos. Nesta mesma sexta-feria, o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, disse que “cogita propor” ao TCU e aos tribunais de contas estaduais que sejam requisitados e consolidados os dados estaduais para divulgação diária dos dados até as 18h.
Apesar dos esforços de Bolsonaro para esconder os resultados negativos de sua política, até mesmo o seu guru, Donald Trump, criticou – é certo que o fez para esconder o seu próprio desastre – os métodos defendidos pelo presidente brasileiro. “Se você olhar para o Brasil, eles estão passando por dificuldades. A propósito, eles estão seguindo o exemplo da Suécia. A Suécia está passando por um momento terrível. Se tivéssemos feito isso, teríamos perdido 1 milhão, 1 milhão e meio, talvez até 2 milhões ou mais de vidas”, disse Trump, na quinta-feira.
A reação de Bolsonaro às criticas de Trump foi semelhante à de um cãozinho de madame ao ser repreendido por sua dona: colocou o rabinho entre as pernas e fez afagos a quem o repreendeu.
Ele anunciou que vai fazer o mesmo que Trump fez contra a OMS. “O Trump [presidente dos Estados Unidos] cortou a grana deles, voltaram atrás em tudo. E adianto aqui: os Estados Unidos saíram da OMS. A gente estuda no futuro – ou a OMS trabalha sem o viés ideológico – ou nós vamos estar fora também. Não precisamos de gente de fora dar palpite na saúde aqui dentro”, disse o presidente.
Na sequência, Bolsonaro foi questionado se pretende fazer com que o Brasil deixe a OMS. Ele afirmou: “É o seguinte: ou a OMS realmente deixa de ser uma organização política, partidária, assim, vamos dizer, até partidária, ou nós estudamos sair de lá”, frisou.
Sobre a declaração de Bolsonaro de que a Globo não teria mais a notícia da Covid-19 para dar no Jornal Nacional, a emissora divulgou a seguinte nota: “O público saberá julgar se o governo agia certo antes ou se age certo agora. Saberá se age por motivação técnica, como alega, ou se age movido por propósitos que não pode confessar mais claramente. Os espectadores da Globo podem ter certeza de uma coisa: serão informados sobre os números tão logo sejam anunciados porque o jornalismo da Globo corre sempre para atender o seu público”.