Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que país registrou 47,5 mil mortes violentas e aumento dos roubos em 2021, ainda durante a pandemia
Os dados do 16º anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na última terça-feira (28) mostraram que o país registrou mais assassinatos, mais roubos e mais armas de fogo nos últimos anos. Os dados também reúnem os casos de injúrias, estupros, violência doméstica, entre outros.
Apesar de uma queda pequena de 6,5% no número de mortes violentas no país, 47.503 foram assassinadas em 2021, demonstrando um número altíssimo de mortes de acordo com os dados do FBSP. Isso significa que 20,4% dos homicídios do mundo ocorreram no Brasil.
A taxa nacional é de 22,3 mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes. O levantamento reúne homicídios dolosos, latrocínios (roubos seguidos de morte), lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais.
As maiores taxas foram registradas no Amapá (53,8%), Bahia (44,9%), Amazonas (39,1%), Ceará (37%) e Roraima (35,5%).
Segundo o Sistema de Dados do Escritório das Nações Unidas para Crimes e Drogas (Unodc), o Brasil responde por 20,4% dos homicídios no mundo, mesmo tendo apenas 2,7% dos habitantes do planeta. Enquanto, em 2020, em 102 países morreram 232.676 pessoas, só aqui foram quase 48 mil óbitos.
O anuário revela que, em números absolutos, o Brasil lidera o ranking mundial de homicídios e é o oitavo país mais violento do mundo. Em volume de registros, apenas Índia (40.651) e México (36.579) possuem números tão grandes quanto os do Brasil.
No Brasil, 77,9% das vítimas dos homicídios são negras, 50% têm entre 12 e 29 anos, e 91,3% são homens. Segundo o estudo, 76% das mortes foram provocadas por armas de fogo.
A região Norte teve alta de 7,9% na violência letal, enquanto em todas as outras regiões do país houve queda na variação da taxa de mortes. A mais expressiva redução se deu no Centro-Oeste, onde houve baixa de 13,5%.
Para Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum de Segurança Pública, são diferentes realidades em cada estado do país.
“Os estados do Sudeste têm mais recursos financeiros, tropas dentro das polícias mais estruturadas, e investiram muito em programas de prevenção, em fortalecimento da investigação. O que estão passando a região Norte e vários estados do Nordeste hoje é um pouco do que viveu o Sudeste nos anos 1990. Forças policiais estão tentando correr atrás do prejuízo para tentar dar conta desses desafios”, afirma.
O pico da violência no Brasil se deu em 2017, com 65 mil mortes. Naquele ano houve uma intensa disputa territorial entre facções. Desde que o anuário é elaborado, os números de mortes violentas tendem a ficar em torno de 50 mil óbitos. “Varia pouco de um ano para o outro, mas a gente não consegue romper com esse padrão de violência muito elevada, que também se dissemina na violência sexual, roubos e sequestros. Isso é uma marca da América Latina e faz parte da cultura, com padrões de comportamento violentos”, explica Samira Bueno.
ARMAS
O número de pessoas com licenças para armas de fogo disparou no governo Bolsonaro e registrou aumento de 473% em quatro anos. Em 2018, antes de Bolsonaro (PL) assumir, havia 117,4 mil registros ativos para caçadores, atiradores e colecionadores, os chamados CACs.
No ano seguinte, esse número saltou para 197,3 mil registros, uma alta de 68%, e seguiu em curva ascendente até chegar em 673,8 mil em junho deste ano, o maior valor da série histórica, que começou em 2005.
Os números do anuário foram organizados com base nos dados das informações contidas no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), vinculado à Polícia Federal, e do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), do Exército.
Segundo o estudo, entre 2019 e junho de 2022, houve um aumento de 591 mil registros de armas de fogo no Sigma para a categoria que engloba caçadores, atiradores e colecionadores, o que representa 42% do total de armas registradas no sistema entre 2003 e junho de 2022 (1.4 milhão).
A região do país que mais registrou licença para armamento foi São Paulo, com 175 mil registros, seguido pelo Paraná e Santa Catarina (109,9 mil). O Exército não disponibiliza informações por unidade da Federação, apenas por regiões militares.
Além disso, o anuário mostra que o Brasil tem 2,8 milhões de armas de fogo particulares, um aumento de 39% em relação a 2020, quando o país registrava pouco mais de 2 milhões de armamentos particulares.
Por outro lado, em órgão públicos, como nas polícias civis e militares, há 384 mil armas, ou seja, existem mais armas nas casas das pessoas do que em instituições do Estado. Segundo o Sinarm, o número de armas registradas no Brasil disparou de 637 mil em 2017, início da série histórica no anuário, para quase 1,5 milhão em 2021. É um aumento de 133% em quatro anos.
Para especialistas, esses números são reflexos do discurso armamentista adotado por Jair Bolsonaro. No ano passado, o mandatário editou quatro decretos que facilitaram o acesso a armas no Brasil sob o argumento de que as medidas visavam proteger o cidadão.
No entanto, Isabel Figueiredo, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que estudos científicos já mostram que a flexibilização do acesso às armas tem efeito contrário, isto é, tende a aumentar a violência e a insegurança.
Isso porque as armas acabam agravando conflitos cotidianos. Uma briga que ficaria em um bate-boca, por exemplo, pode escalonar para um homicídio se uma das partes estiver armada.
O segundo ponto, diz ela, é que a presença de armas de fogo em casa aumenta as chances de acidentes, suicídios e violência doméstica.
“O terceiro fator é que a arma de fogo legal migra para a ilegalidade muito rapidamente. Cerca de 40% das armas que as polícias apreendem são armas que tinham origem legal”, diz a especialista. “É a arma do tal cidadão de bem que vai parar no crime, porque ele perde ou porque é vítima de roubo”, continuou.
NÚMEROS ALTOS
A letalidade policial também caiu no Brasil no ano passado, com recuo de 4,9%, para um total de 6.145 mortos em intervenções policiais. A medida pode ser explicada pela obrigatoriedade de equipamentos de filmagem e gravações acoplados nos agentes da segurança pública.
No entanto, os negros são a maioria absoluta das vítimas, representando mais de 84%, de acordo com o anuário.
Também ocorreu um aumento generalizado de roubos no ano passado, com alta de 6,5% nos assaltos a estabelecimentos comerciais, de 4,7% a residências, 11% a instituições financeiras e 2,4% nos roubos de cargas.
O documento também apontou um aumento de 4,2% nos casos de estupro, com um total de 66.020 casos, sendo que 61,3% das vítimas tinham até 13 anos. Em quase 80% dos casos o autor era conhecido da vítima, de acordo com o levantamento.
O anuário também apontou aumento de 7,2% nos homicídios contra pessoas LGBTQIA+ e de 35,2% nas agressões contra essa população, assim como crescimento de 31% nos casos de racismo.
O anuário também mostra que, entre as 30 cidades com as maiores taxas médias de mortes violentas entre 2019 e 2021, 13 estão na Amazônia. Onze delas são rurais, com pequenas populações atingidas pela violência extrema. Nestes municípios, são mais de 100 mortes violentas para cada 100 mil habitantes.
“A dinâmica do narcotráfico e das armas tem um peso importante para explicar esta tendência. E, em muitas destas regiões, as capacidades institucionais são bem menores do que no Rio de Janeiro ou em São Paulo”, diz Renato Lima, presidente do FBSP.
Segundo o estudo, quase todos os 13 municípios estão próximos a terras indígenas e a fronteiras com outros países que contam com a floresta em seus territórios. Um exemplo é Japurá (AM), na divisa com a Colômbia, perto da rota de tráfico de Tabatinga. Ali, no meio rural, são 114 mortes violentas a cada 100 mil habitantes.
Na Amazônia Legal, demarcação que reúne oito estados (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) e parte do Maranhão, a taxa de mortes violentas é de 30,9, superior à média brasileira, de 22,3.
Para reunir os dados em todo o país, o anuário utilizou como fonte as secretarias estaduais de Segurança Pública ou Defesa Social, a Polícia Civil de Minas Gerais, o Núcleo de Apoio Técnico do Ministério Público do Acre, o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o próprio Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Veja a íntegra do anuário: