O Brasil fez história nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. Entre recordes e medalhas marcantes, a delegação brasileira atingiu um novo patamar nos jogos. Até então, nossa melhor participação havia sido em 2016, quando os brasileiros subiram ao pódio em 19 oportunidades. Mas com o fim dos jogos, o Brasil atingiu 21 medalhas, sendo 7 ouros, 6 pratas e 8 bronzes, valendo a 12ª colocação na classificação geral.
O Time Brasil conseguiu em Tóquio um fato raro: um número maior de medalhas nas Olimpíadas seguintes à que foi anfitrião, na comparação com a disputa em casa. Desde 1988, só a Grã-Bretanha, sede em 2012, havia conseguido esse feito.
O grande impacto da Rio 2016 no desempenho esportivo do Brasil não está só no número de medalhas, mas também no número de modalidades que foram ao pódio.
Em Tóquio, o Brasil bateu seu recorde no número de disciplinas com medalha: 13, uma a mais do que no Rio. Mesmo se forem excluídos da conta os esportes estreantes (skate e surfe), foram 11 modalidades no pódio no Japão, ante nove em Londres 2012, oito em Pequim 2008, e sete em Atenas 2004. Há uma progressão contínua.
Dentre as conquistas que se fizeram valer em Tóquio, tivemos dois importantes fatos. Atletas de origem nordestina e as mulheres foram os principais responsáveis pelas medalhas conquistadas pelo nosso país.
Dos sete ouros conquistados no Japão, quatro vieram de atletas nordestinos: o potiguar Italo Ferreira (surfe) e os baianos Ana Marcela Cunha (maratona aquática), Isaquias Queiroz (canoagem) e Hebert Conceição (boxe).
A região também conquistou a prata no último dia de disputas, com a baiana Bia Ferreira.
Quando a comparação é feita entre homens e mulheres, outra grata surpresa. As atletas brasileiras brilharam em Tóquio e fecharam os Jogos com o melhor desempenho em todas as Olimpíadas de que participaram. Elas subiram ao pódio em Tóquio nove vezes, ante cinco no Rio,. O maior número até agora havia sido em Pequim, quando levaram sete medalhas para casa.
Veja abaixo as conquistas brasileiras nos Jogos de Tóquio:
Ouros
Se não as medalhas mais marcantes, mas provavelmente a mais necessária foi a de Rebeca Andrade, medalhista de ouro e prata na ginástica artística. A ginasta brasileira já tinha feito história ao garantir ao Brasil a inédita medalha da equipe feminina na ginástica artística, no dia 30 de julho.
Aos 22 anos, a esportista da periferia de Guarulhos, na Grande São Paulo, levou o país ao pódio após um desempenho espetacular no tablado numa performance embalada ao som de Baile de favela. No dia 1º de Agosto, Rebeca superou a si mesma e consagrou-se como a primeira campeã olímpica do Brasil na modalidade, após terminar a prova de salto em primeiro lugar.
“Todos sabem da minha trajetória, o que eu passei. Acho que mesmo se eu não tivesse ganhado a medalha, eu teria feito história, justamente pelo meu processo para chegar até aqui. Não desistam, acreditem no sonho de vocês e sigam firmes”, disse.
No surfe, Ítalo Ferreira, de Baía Formosa, no Rio Grande do Norte, foi o primeiro campeão olímpico da modalidade que estreou nesta Olimpíada. A medalha veio na praia de Tsurigasaki, após uma emocionante disputa na final contra o japonês Kanoa Igarashi.
Ferreira mostrou consistência na sua linha, com manobras aéreas e muita velocidade. Durante a final, um susto: sua prancha se partiu na primeira onda. O brasileiro não se abalou, correu para a areia, pegou outra e voltou ao mar.
Já campeão, se emocionou durante a entrevista. “Eu acreditei até o final, treinei muito nos últimos meses, e Deus realizou meu sonho. Posso fazer o que eu amo, ajudar as pessoas, a minha família. Estou sem palavras, só agradecer. É algo que eu sonhei e almejei bastante. Tá aí, meu nome está escrito na história do surfe”, disse.
Na canoagem, Isaquias Queiroz conquistou a medalha de ouro. Isaquias, por si só, é uma potência olímpica. Foi a quarta medalha de sua carreira em cinco provas disputadas. No Rio de Janeiro, em 2016, ele se tornou o primeiro brasileiro a conquistar três medalhas em uma edição olímpica, sendo a prata no C1 1.000 metros, prata no C2 1.000 metros e bronze no C1 200 metros.
Após a prova, Isaquias dedicou a conquista a todos os brasileiros que perderam alguém para a Covid-19.
“Prometi e fui atrás. Feliz por dar essa medalha de ouro para vocês do Brasil. Era só um menino brincando com os amigos e hoje sou campeão olímpico. Eu quis e vim atrás! Dedico muito também a cada uma das famílias que perderam um ente querido para a Covid-19”, diz Isaquias.
Na vela, Martine Grael e Kahena Kunze, medalha de ouro na classe 49er FX. Foi a segunda participação da dupla numa Olimpíada e a segunda vez que conquistam uma medalha, depois do ouro olímpico na Rio 2016.
Filhas de velejadores experientes e campeões em suas categorias, as duas vêm de linhagens vencedoras no esporte. Kahena, de 30 anos, é filha de Claudio Kunze, campeão mundial júnior na classe Pinguim nos anos 1970. No caso de Martine, também de 30 anos, a medalha em Tóquio 2020 é a nona da família Grael, símbolo de vitória em Jogos Olímpicos. Seu pai, Torben Grael, é o maior medalhista olímpico do Brasil ao lado do também velejador Robert Scheidt, ambos com cinco medalhas.
Outra medalha marcante, foi a de Ana Marcela Cunha, medalhista de ouro na maratona aquática. Ana Marcela é uma das principais atletas da maratona aquática da história da categoria. Ela já possuía vários títulos mundiais, mas faltava uma medalha olímpica em seu currículo de atleta.
Ela estreou numa Olimpíada em Pequim 2008, com apenas 16 anos, mas acabou ficando de fora da Londres 2012. Na Rio 2016 era a favorita, mas acabou chegando em décimo lugar por causa de um problema de saúde.
Agora foi diferente. “É um quarto ciclo olímpico vindo de uma frustração no Rio e um amadurecimento muito grande para chegar até aqui”, explicou. Nascida em Salvador, a atleta é filha de pai nadador e mãe ginasta e começou a nadar aos dois anos.
No Boxe, Hebert Conceição ficou em primeiro lugar na categoria peso-médio (69-75kg) ao vencer a final por nocaute contra o ucraniano Oleksandr Khyzhniak, bicampeão europeu e campeão mundial de peso-médio.
A disputa estava caminhando para a vitória do europeu até o terceiro round, quando Hebert deu um golpe de esquerda que nocauteou seu adversário e definiu a luta ao seu favor. “Foi surpresa para muita gente, mas para mim, não. Eu trabalhei muito”, afirmou o campeão.
Também, a Seleção Brasileira foi ouro no futebol masculino. Comandada pelo treinador André Jardine, o time repetiu o feito do Rio de Janeiro e se tornou bicampeão olímpico no futebol.
O time chegou a Tóquio como um dos favoritos, apostando em estrelas como Daniel Alves e Richarlison, além de promessas do nível de Bruno Guimarães, Malcom, Antony e Matheus Cunha.
Na campanha, passou por Alemanha, Costa do Marfim, Arábia Saudita, Egito e México antes da final. Na decisão, o Brasil venceu a Espanha por 2 a 1. Matheus Cunha e Malcom, já no segundo tempo da prorrogação, marcaram os gols que deram o ouro ao futebol.
Pratas
Na estreia da modalidade, Rayssa Leal, conhecida como a Fadinha do skate, fez história no esporte mundial com apenas 13 anos. A prata conquistada na modalidade skate street fez dela a mais jovem medalhista olímpica do Brasil.
A jornada das ruas de Imperatriz, no Maranhão, para o segundo lugar no pódio (superada apenas pela japonesa Momiji Nishiya, também de 13 anos) foi marcada por uma comoção entre a torcida brasileira.
Desde que um vídeo de Rayssa andando de skate com sete anos de idade vestida de fada azul viralizou, ela chamou a atenção do mundo do esportes e se tornou inspiração para uma geração de mulheres e homens.
“Se uma menina de 13 anos vai representar o Brasil hoje, é por causa de mulheres skatistas que me inspiram, que me mostram que uma garota pode tudo”, disse.
Também no skate street, Kelvin Hoefler conquistou a prata na modalidade masculina. Ele foi o primeiro medalhista do Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio.
“Isso aqui representa o skate brasileiro, a nossa garra e a nossa persistência. Isso aqui não é só meu, é o skate do Brasil que merece isso aqui, merece até mais”, celebrou. O ouro ficou com o japonês Yuto Horigomi, e o americano Jagger Eaton levou a medalha de bronze sob um sol de 40 graus na pista.
No Skate Park, Pedro Barros conquistou a prata na modalidade. O atleta catarinense levou o skate brasileiro ao pódio olímpico. A paixão pelo esporte vem desde os três anos, quando ganhou um skate do pai, também skatista. “A gente pode cair várias vezes no chão, mas a missão é ver um amanhã melhor”, disse após o pódio.
No vôlei feminino, o Brasil também conquistou a medalha de prata. O país, que passa por uma reestruturação de seu vôlei, chega à primeira medalha de prata na modalidade.
Além dos dois ouros, em Pequim e Londres, a seleção também tem outros dois bronzes no currículo, em Atlanta 1996 e Sydney 2000.
No boxe feminino, em um confronto de campeãs mundiais, Beatriz Ferreira ficou com a prata ao ser derrotada pela irlandesa Kellie Anne Harrington na final da categoria peso leve (57-60 kg).
Campeã mundial em 2019, a brasileira chegou a Tóquio como favorita para ganhar o ouro. Antes de chegar à decisão, ela estreou vencendo Shih-Yi Wu (5×0), do Taiwan. Nas quartas, superou Raykhona Kodirova, do Uzbequistão, também por 5 a 0. Por fim, na semifinal, ela eliminou a finlandesa Mira Marjut Johanna Potkonen, novamente por 5 a 0.
Bronzes
Uma das medalhas mais marcantes do Brasil nos Jogos de Tóquio foi de Alison dos Santos, o Piu, no Atletismo. Pela primeira vez, o Brasil teve um medalhista olímpico na prova de 400 metros rasos com barreira. O pódio representa a chegada da fama para um menino tímido. Quando tinha 10 meses de idade, Alison sofreu um acidente com uma panela de óleo quente e teve sérias queimaduras na cabeça.
“Eu não estou aqui só por mim, eu corro por outras pessoas também”, afirmou em entrevista depois da prova, citando seu treinador e sua família. “Essa medalha não é só minha, é nossa, é do Brasil”, concluiu.
No Boxe, Abner Teixeira foi medalhista de bronze na categoria peso pesado, acima de 91 quilos. O atleta vê na medalha o caminho para seu maior objetivo: comprar uma casa para sua mãe.
“As metas imediatas são ser campeão olímpico e campeão mundial”, disse. “A longo prazo, elas são comprar a casa para minha mãe e dar um futuro melhor para ela”. O pugilista nasceu em Osasco, na grande São Paulo.
Com mais de 1,90m, logo virou uma referência brasileira na categoria. Em Tóquio, foi derrotado pelo cubano Julio Cesar La Cruz na semifinal da categoria. Como o boxe não prevê a disputa pelo bronze, os derrotados na semifinal já garantem o terceiro lugar no pódio.
No tênis feminino, Laura Pigossi e Luisa Stefani, foram bronze na modalidade em duplas. As paulistanas fizeram história ao conquistar a primeira medalha olímpica do tênis brasileiro.
De virada, elas venceram as russas Veronika Kudermetova e Elena Vesnina por 2 sets a 1 e ganharam o bronze em Tóquio 2020. A dupla soube que participaria dos Jogos Olímpicos menos de uma semana antes do início do evento, graças ao gerente da Confederação Brasileira de Tênis (CBT), Eduardo Frick, que inscreveu-as na lista de espera da chave feminina, e elas conseguiram uma vaga “surpresa” após uma realocação feita pela federação internacional da modalidade.
No salto com vara, Thiago Braz conquistou a medalha de bronze. Um dos principais nomes do atletismo brasileiro, o paulista conquistou sua segunda medalha consecutiva, considerando o ouro na Rio 2016 após saltar 6,03 metros e quebrar o recorde olímpico.
Suas primeiras conquistas importantes foram o ouro no Campeonato Mundial Júnior de 2012, em Barcelona, e a prata nos Jogos Olímpicos da Juventude de 2010, em Singapura. Braz, que perdeu seus patrocínios durante a pandemia, soma duas medalhas olímpicas.
Na natação, Fernando Scheffer conquistou o bronze nos 200 metros livres, em sua primeira participação nos Jogos. O caminho até o pódio não foi fácil para Scheffer, que no ano passado, devido à pandemia, seu clube, o Minas Tênis Clube, fechou as portas e ele ficou três meses fora das piscinas. Por isso, o nadador brasileiro teve que recorrer a uma bicicleta ergométrica alugada e a halteres para não deixar o corpo parado.
No começo de 2021, com o recrudescimento da crise sanitária, ele e cinco colegas de equipe partiram para um sítio em Minas Gerais de outro nadador. Eles precisaram treinar num açude.
Também na natação, Bruno Fratus conquistou o bronze na natação. Bruno que já é um veterano das piscinas e o velocista que mais vezes nadou abaixo de 22 segundos no mundo, conquistou o bronze na modalidade dos 50 metros livres.
Somente em Jogos Pan-Americanos, Fratus possui sete medalhas, sendo cinco de ouro e duas de prata, conquistadas entre Guadalajara 2011, Toronto 2015 e Lima 2019. O nadador ainda possui três medalhas de prata e um bronze nos campeonatos mundiais. Faltava ainda uma medalha olímpica, conquistada nesses jogos.
No Judô, modalidade tradicional brasileira, Mayra Aguiar conquistou o bronze. Mayra já havia conquistado também o bronze na Olimpíada de Londres 2012 e na Rio 2016. A gaúcha superou uma séria lesão e a sétima cirurgia da carreira e subiu pela terceira vez a um pódio olímpico, após terminar na terceira colocação no judô feminino, categoria até 78kg.
“Não aguentava mais fazer cirurgia, ainda mais no momento que vivemos, tive medo, angústia. Mas continuei. Dar o nosso melhor vale a pena. Estou bem emocionada. Muito importante para mim”, disse a atleta, limpando as lágrimas do rosto durante a entrevista.
Também no judô, Daniel Cargnin conquistou a 23ª medalha do judô brasileiro na história dos Jogos Olímpicos. A conquista do bronze na categoria peso meio-leve (até 66 quilos) ocorreu após luta tensa, contra o israelense Baruch Shmailov.
Sua caminhada rumo ao pódio foi marcada por lesões em 2020 e até pela Covid-19. O atleta dedicou a vitória à mãe.
“Acho que a gente sonhou junto isso, e vou ser bem sincero que queria era pegar, ligar para ela e falar que valeu à pena. Quando uma vez estava em um treino, pequeno, voltei chorando porque tinha apanhado muito. Ela falou: ‘não, Dani, vamos comer alguma coisa e amanhã é um novo dia”, disse.