No dia em que a tragédia causada após o rompimento da barragem da mineradora Vale, na cidade Brumadinho, Minas Gerais completou seis meses, os moradores da cidade realizaram homenagens para as 248 vítimas fatais e 22 pessoas desaparecidas.
“Do que vale tudo isso se não está aqui?”. Sob os versos da música, balões brancos e vermelhos soltos no céu marcaram a homenagem de familiares, amigos e moradores de Brumadinho às vítimas do rompimento da barragem B1 da Mina Córrego do Feijão.
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Uma cerimônia ecumênica, a apresentação de um coral e barquinhos soltos no rio Paraopeba foram algumas das ações realizadas neste 25 de julho. As homenagens ocorrem no marco de Brumadinho, na ponte sobre o rio. Centenas de pessoas compartilharam abraços e solidariedade, para não deixar no esquecimento as vítimas do crime da Vale. Jogadores e torcedores dos times de futebol local mortos na tragédia também foram lembrados.
Às 12h40, pouco depois do horário do rompimento, houve um minuto de silêncio seguido da soltura de balões. A cada nome de vítima falado no microfone, as pessoas respondiam “presente”.
A supervisora de estoque Letícia Ferreira, de 21 anos, e dois irmãos perderam a mãe, a funcionária da Vale Amarina de Lourdes, de 52 anos. “É muita angústia, desespero e dor. Um sentimento inexplicável.”
DESAPARECIDOS
Os familiares das 22 pessoas que permanecem desaparecidas até hoje sofrem ao esperar notícias, sem nem saber se essas notícias, de fato, virão. O tempo corre de uma forma diferente para quem ainda espera para enterrar o filho, o marido ou a irmã. Não é como se tivesse passado seis meses, e sim como se o relógio tivesse sido travado no dia 25 de janeiro de 2019, ao meio dia e 28 minutos.
Foi nesse horário que a barragem da Vale se rompeu despejando 12 milhões de metro cúbicos de lama, que destruiu o que encontrou pelo caminho.
O trabalho dos bombeiros não parou desde o dia da tragédia. Muitos corpos são encontrados incompletos, o que dificulta o trabalho dos peritos. 138 fragmentos de corpos estão no Instituto Médico Legal (IML) ainda sem identificação.
A tecnologia tem sido aliada, especialmente na identificação por DNA. “Esses segmentos, por vezes, são muito pequenos e em estágio avançado de deterioração. Isso dificulta a extração do DNA. Nós não podemos abrir mão da técnica, nem em nome do tempo”, explica o policial civil do IML. Considerado crucial para o trabalho dos peritos, um dos aparelhos prometidos pela Vale ainda não chegou ao IML. Trata-se de um equipamento de última geração conhecido como Ilumina, um sequenciador de DNA capaz de auxiliar com precisão no reconhecimento dos mortos, naquele que é visto como o maior desafio já enfrentado por legistas brasileiros.
É uma espera que machuca ainda mais quem já carrega tanta dor. “No início a gente pedia para encontrar vivo, aí passava uma semana nada, passava 15 dias, você já sabia que a chance ia diminuindo muito mais, todo mundo esperava que ele estivesse na mata, depois pedia pra que pelo menos não tivesse sofrido, que tivesse sido rápido a ponto de ele não terem nem visto, sentido. Depois você espera que encontre pelo menos um pedacinho, e o pior, você pede para receber aquela ligação que é tão triste, que é a pior que alguém que ama pode receber, mas é a que todos nós temos esperado”, diz um dos que esperam por notícia dos 22 desaparecidos.
DESCASO
Seis meses após o crime da mineradora Vale, a impunidade e o descaso continuam sendo a sensação que os moradores e a comunidade têm da mineradora multinacional. Desde o primeiro dia, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) acompanha o sofrimento, a dor e a luta dos atingidos e atingidas da Bacia do Rio Paraopeba.
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Com a mesma atuação que tem há quase quatro anos na bacia do Rio Doce, a Vale continua tentando manipular a Justiça e os atingidos, fugindo da responsabilidade pelo crime. “A Vale age com truculência com os atingidos, desrespeitando a luta do dia a dia dessas pessoas, desrespeitando a justiça e agindo como se fosse dona de tudo”, denuncia Joceli Andrioli.
Segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens, a empresa segue estratégias de individualização dos processos e tenta seduzir a população a assinar um termo de quitação, garantindo que os atingidos não possam mais reclamar seus danos à Justiça para além do valor recebido, e buscando baratear o quanto pode os custos de reparação.
Como resposta ao descaso da Vale, a organização da população tem crescido a cada dia, com a criação e consolidação de Comissões e grupos de base em diversos bairros, comunidades e municípios. Junto com o Ministério Público, a Defensoria Pública e diversos órgãos e instituições, o MAB e os atingidos lutam por justiça para o crime.
A luta dos atingidos e atingidas já garantiu algumas importantes conquistas como a Assessoria Técnica Independente, o afastamento da Vale do cadastramento das famílias, o pagamento do auxílio emergencial e o reconhecimento de mais de 100 mil atingidos que moram nas proximidades do Rio Paraopeba, além de outras garantias.
VIDAS DESTRUÍDAS
O rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão atingiu toda a Baca do Paraopeba, trazendo consequências para dezenas de municípios, chegando até o rio São Francisco. A população ribeirinha, que dependia do rio Paraopeba, segue sofrendo os resultados do crime.
A pesca, o lazer e a produção agrícola nas margens do rio foram interrompidos pela contaminação com o rejeito de minérios; o abastecimento de água está precário em diversas regiões, e a Vale segue negando água potável aos atingidos; os problemas de saúde se agravaram e a população reclama diariamente de vômitos, dores de barriga, feridas na pele e problemas psicológicos; as famílias enfrentam dívidas e problemas financeiros com o corte da renda de quem dependia do rio e do movimento local; o luto pela perda de parentes e amigos é parte do dia a dia e as comunidades sentem uma constante insegurança em suas vidas.
De acordo com o promotor do Ministério Público de Minas Gerais André Sperling, a empresa reforça ainda mais a violação de direitos na forma de tratamento aos atingidos. Ele conta que as vítimas que foram prestar depoimentos nas audiências do TJMG têm sido mal tratadas, e o promotor afirma estar preocupado com as próximas oitivas dos atingidos. “A Vale tratou muito mal as vítimas que foram prestar depoimento, foi desrespeitosa, e a Justiça não vai aceitar esse tipo de tratamento”, reforça.
Ainda de acordo com Sperling, a Vale deve respeitar a vítima. A participação em uma audiência já é algo difícil para os atingidos, que enfrentarão perguntas duras dos advogados da empresa criminosa. “Elas têm que ser respeitadas, porque elas vão até lá falar a verdade. Isso é mais do que suficiente pra provar que a Vale cometeu um crime e que os atingidos têm direito de reparação”, finaliza.
Cada vez mais unidos e mais fortes, os atingidos e atingidas pelo crime da Vale no Rio Paraopeba seguem unidos, reforçando sempre que “O LUCRO NÃO VALE A VIDA!”.
ERNESTO ANDRADE
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