A Câmara dos Deputados revogou o piso salarial para os formados em Agronomia, Arquitetura, Engenharia, Química e Veterinária em vigor desde 1966. O argumento é o mesmo utilizado para aprovar as “reformas” trabalhista e da previdência de desburocratizar as relações de trabalho, um eufemismo para dizer que pretende tirar direitos para aumentar o lucro das empresas.
Agora, os conselhos federais dessas categorias se mobilizam para reverter a medida no Senado e cogitam até mesmo judicializar a questão.
A revogação do piso está prevista no texto final da medida provisória (MP) 1.040, criada sob o pretexto de “facilitar a abertura de empresas”. A redação aprovada pela Câmara é de autoria do deputado federal Marco Bertaiolli (PSD-SP) e conta, em seu artigo 57, com um “revogaço” de 33 leis ou trechos de leis.
Entre elas, revoga a Lei nº 4.950-A, que garante o piso salarial dessas cinco categorias – aos formados em cursos de graduação de quatro anos, o piso é de seis salários-mínimos (R$ 6,6 mil) e para cursos de menor duração, como cursos técnicos, o piso é de cinco salários (R$ 5,5 mil).
Para o senador Fábio Contarato (Rede-ES), “não há justificativa para a retirada do salário-mínimo desses trabalhadores. A fixação de valores mínimos para o exercício das atividades profissionais é proporcional à extensão e à complexidade do trabalho”.
“A revogação vai na contramão do direito à remuneração digna para atender às necessidades vitais básicas do trabalhador, o que viola frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana”, completa.
O senador também argumenta que a inclusão desses artigos na MP é inconstitucional, pois não tem relação com o escopo principal da medida provisória, o chamado “jabuti” no jargão do Congresso Nacional.
O senador Esperidião Amin (PP/SC), também contrário à revogação do piso, apresentou um requerimento para que simplesmente seja desconsiderado o trecho do projeto que suprime a lei do piso. Ele alega, como também já foi denunciado pela FNE, que essa parte, surgida por meio de uma emenda “jabuti”, não tem pertinência temática à MP.
“O Projeto de Lei de Conversão nº 15, de 2021, proveniente da Medida Provisória (MPV) nº 1.040, de 2021 inclui também tema totalmente estranho ao objeto da MPV que, em seu texto, não trata de remuneração de profissionais”, diz o senador Amin no requerimento.
Citando decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2015, o senador afirma que é inconstitucional “a apresentação de emendas sem relação de pertinência temática com medida provisória”.
Ana Elisa Fernandes de Souza Almeida, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), afirma que a desregulamentação dos salários dos profissionais pode trazer mais prejuízos na qualidade dos serviços prestados do que uma eventual economia na folha de pagamento das empresas e questiona como o fim do piso salarial das categorias melhoraria o ambiente de negócios no país.
“A remuneração de profissionais habilitados não é uma mercadoria que deva ser regulada apenas pela oferta e pela demanda. Essa emenda vai atingir mais de 1 milhão de profissionais, com uma mudança danosa para a população, que é quem será atingida na ponta pela precarização dos serviços”, avalia ela. “Um serviço não qualificado tem mais custo do que uma pequena economia de salário”.
O coordenador do Comitê de Relações Institucionais e Governamentais do Conselho Federal de Química (CFQ), Rafael Barreto Almada, defende que estas profissões são muito assediadas para elaboração de projetos sem o controle e o rigor devido. Assim, é necessária a garantia de condições de trabalho sem que seja preciso se sujeitar a pressões diversas de ordem financeira.
“O químico, por exemplo, emite laudos, faz análises, experimentos, que abrangem desde produtos alimentícios, medicamentos, petroquímicos. Com a banalização do valor mínimo para contratar esse profissional, ele pode passar a se submeter a qualquer tipo de trabalho”, afirma Almada.
Para o professor do departamento de Economia da UnB, José Luis Oreiro, “acabar com o piso dessas categorias é uma resposta burra para um problema real”.
“De fato, houve uma redução dos lucros das empresas do setor não financeiro na última década, mas há duas maneiras de reagir. A maneira inteligente é aumentar a produtividade por meio de investimentos e atualização tecnológica. A resposta burra é reduzir os custos trabalhistas, com a redução na marra dos salários”, disse o professor Oreiro, em entrevista ao Estadão.
“Os jabutis não foram colocados à toa na MP, mas, sim, fazem parte de uma lógica de ajuste macroeconômico. A classe empresarial busca recuperar sua rentabilidade por meio da redução geral de salários, mas esquece que o salário é uma fonte de demanda. Quanto maior a folha salarial, mais as empresas conseguem vender. Muitas vezes é preciso proteger os empresários deles mesmos”, explica o Oreiro.