A disputa pela Presidência da Câmara dos Deputados que acontece nesta segunda-feira, dia 1º, transcorre em meio a uma avalanche de pressões do governo Bolsonaro para eleger seu pupilo Arthur Lira.
Segundo informações captadas a partir de dados oficiais, já são R$ 3 bilhões em emendas prometidas, além dos generosos cargos nos principais escalões do Poder Executivo. Fala-se de um compromisso de entregar aos apoiadores de Lira, nada mais nada menos, do que quatro ministérios. Até mesmo a inegociável posição de chanceler estaria na mesa de negociação, como confidenciou Mourão, o vice.
A farra com o dinheiro e os cargos públicos, antes cinicamente atacada por Bolsonaro, não tem limites e tornou-se o cabo eleitoral número um de Lira, supondo-se que, se a estratégia for vitoriosa, estaríamos diante de duas hipóteses: o controle do governo por esses setores mais fisiológicos – e pragmáticos – do Congresso Nacional ou o inverso, situação que seria ainda mais desastrosa para os interesses do país.
Lira e esses segmentos do centro político não são, rigorosamente, bolsonaristas, é verdade, tanto que a ala fundamentalista do bolsonarismo está visivelmente incomodada com a aliança que beneficiaria a ambos na hipótese da eleição do deputado alagoano do PP. A Bolsonaro, que se livraria de Maia e seus aliados, e a esses parlamentares que passariam a abocanhar importante fatia do governo e de seu orçamento.
Maia, com sua inegável experiência, já alertou os incautos parlamentares propensos a serem seduzidos pela falácia bolsonarista: nos limites estreitíssimos do orçamento de Guedes, ancorados rigidamente pelo teto de gastos, as barganhas pelos votos a Lira correm um sério risco de não serem concretizadas, fato que se agravará diante do esvaziamento político e orçamentário dos cargos negociados.
Em 2019, quando Bolsonaro ainda era um projeto fadado ao desastre, a maioria dos deputados federais, prudentemente, construiu uma aliança em torno de Rodrigo Maia que hoje deixa a Presidência da Casa, para a qual contribuíram praticamente todos os partidos do campo progressista e do centro e, até, da direita democrática.
A estratégia parlamentar verificou-se importante e vitoriosa para, pelo menos, reduzir os danos perversos da política econômica ultraliberal patrocinada por Guedes e defender os pilares centrais da democracia e da Constituição de 1988.
Resultado: Bolsonaro e seu agrupamento fundamentalista foram forçados a recuar na sanha golpista que ameaçava as instituições democráticas e a absorver medidas fundamentais para conter a crise social diante da pandemia, como o auxílio emergencial no valor de R$ 600, a proteção do emprego e da renda do trabalhador, o novo FUNDEB que salvou a educação básica e a Lei Aldir Blanc que socorreu o setor cultural agonizante, entre outras decisões que emanaram do legislativo.
Com o tempo e, aos trancos e barracos, a Câmara dos Deputados foi se transformando numa trincheira de defesa dos direitos democráticos e sociais que estiveram sob perigo permanente e iminente desde o início do atual mandato presidencial.
Dois anos depois, a situação do país é muito, mas muito mais grave do ponto de vista econômico e social.
A pandemia, negada doentiamente por Bolsonaro e sua malta desde o início, recrudesce e volta a matar mais de mil brasileiros por dia.
A nova cepa do coronavírus, identificada inicialmente na Europa, reproduz-se em Manaus e algumas regiões do Norte, ameaçando espalhar-se rapidamente pelo país, enquanto a vacina, apesar dos esforços dos cientistas brasileiros e de iniciativas bem-sucedidas como a do Butantan, em São Paulo, deve demorar ainda alguns meses para imunizar toda população, ou, pelo menos, a que se encontra sob maior risco.
Sem auxílio emergencial, sem emprego, sem bicos e, ainda, sem vacina, parcela substancial dos brasileiros encontra-se, hoje, totalmente desprotegida e indefesa, não tendo a quem recorrer nem mesmo para o alimento do dia a dia, cuja carestia é a maior dos últimos 18 anos.
Um quadro verdadeiramente explosivo, como denunciamos, aqui, no início do ano.
Nesse cenário, os mesmos deputados federais de 2019 estão sendo chamados a eleger o novo presidente da Câmara dos Deputados.
Hoje, muito mais do que antes, é absolutamente essencial manter o caráter independente do Parlamento e de sua Casa principal, a Câmara Federal, para continuar mitigando os efeitos da tragédia bolsonarista na crise sanitária, defendendo a democracia e suas instituições, não permitindo também qualquer tergiversação na tarefa de apurar com absoluto rigor os crimes que foram cometidos contra a vida dos brasileiros com a identificação de seus responsáveis.
Baleia Rossi, o candidato da frente ampla e democrática integrada por 12 partidos políticos, pelas circunstâncias do momento, transformou-se no fiador dessa independência indispensável para frear o ímpeto genocida e destrutivo do bolsonarismo provado na pandemia e na economia.
O recurso à frase do filósofo espanhol Ortega y Gasset, proferida há um século, segundo o qual o homem é ele e suas circunstâncias, aplica-se como uma luva para o momento.
A candidatura de Baleia, do velho MDB de Ulysses Guimarães, representa, nesse quadro, a única garantia para evitar que o Parlamento transforme-se em anexo do Palácio do Planalto e possa continuar cumprindo sua missão de proteger minimamente o país e o população mais vulnerável, bem como bloquear novos assaltos à Constituição da República para suprimir outros direitos e aviltar a soberania da Pátria.
A candidatura de Lira, por sua vez, também pelas circunstâncias do momento, além da longa e tenebrosa ficha corrida, ficou indelevelmente conspurcada pela nódoa do bolsonarismo de ocasião e tudo que representa.
O jogo bruto de Bolsonaro para vencer essa queda de braço tem a ver com a sua sobrevivência política, está claro. No entanto, nos dois casos de impeachment já verificados no Brasil, não bastou ter maioria parlamentar ou fiel escudeiro na presidência da Câmara – fator que também não assegura, por si só, a contenção da gravíssima crise econômica e social.
Por esses motivos, a contenda de hoje pela Presidência da Câmara reveste-se de uma importância crucial, única, para os rumos do país e seu futuro.
Cabe à maioria dos 513 deputados federais a decisão de manter a Câmara como um reserva política e moral diante da catástrofe bolsonarista ainda em curso ou dar um cavalo-de-pau nessa trajetória hoje reconhecida pela sociedade brasileira.
Uma coisa é certa, pois a história é reveladora de fatos dessa natureza: mais cedo ou tarde, a nação e o povo cobrarão um preço político alto dos que optarem pelo caminho da submissão.
MAC