O Escritório do Diretor de Inteligência Nacional dos EUA divulgou, na sexta-feira (26), um relatório da CIA desclassificado (como é chamado nos EUA o documento que deixa de ser confidencial) ) no qual se afirma o conhecimento de que o príncipe saudita Muhammad bin Salman aprovou a operação para assassinar o jornalista saudita Jamal Khashoggi na capital turca, Istambul, um crime perpetrado com requintes de selvageria em 2018.
“Avaliamos que o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Muhammad bin Salman, aprovou uma operação em Istambul, Turquia, para capturar ou matar o jornalista saudita Jamal Khashoggi . O príncipe herdeiro viu Khashoggi como uma ameaça ao Reino e apoiou amplamente o uso de medidas violentas, se necessário, para silenciá-lo”, diz o relatório, de quatro páginas, feito em 2018.
Apesar disso, não foi anunciada até aqui qualquer restrição ao príncipe conhecido por suas iniciais MBS, ou seu reinado, que assinou contratos de compra de armamentos de US$ 110 bilhões com a indústria bélica norte-americana durante o governo Trump e que também é a peça fundamental do petrodólar – a política de tornar a commodity mais essencial do planeta – a energia – comercializada apenas em dólares. O que forçou o mundo inteiro a obter dólares para comprar petróleo, permitindo que os EUA, no vermelho na balança comercial desde os anos Nixon, fizessem dos déficits gêmeos o ‘motor’ de sua economia, forçando as demais nações a negociarem com títulos do Tesouro americano, realimentando Wall Street.
Sanções simbólicas foram estabelecidas contra o ex-diretor de inteligência saudita Ahmed Asiri, e sete integrantes da Força de Intervenção Rápida, o destacamento de proteção pessoal de elite do príncipe herdeiro, cuja participação no trucidamento de Khashoggi é assegurada pelo relatório.
A CIA justificou suas conclusões sobre o caso dizendo que a avaliação sobre a aprovação direta de MBS à operação se baseava “no controle do príncipe sobre a tomada de decisões” no reino, no “envolvimento direto de um conselheiro crucial e de membros do destacamento protetor” de Bin Salman na operação, bem como no “apoio do príncipe ao uso de medidas violentas para silenciar dissidentes no exterior, incluindo Khashoggi.”
CONTROLE ABSOLUTO DO PRÍNCIPE
O documento acrescenta que Bin Salman tem “controle absoluto” sobre os serviços de inteligência de seu país, o que impossibilitaria que a operação contra o jornalista fosse realizada sem sua autorização. Segundo a CIA, 21 pessoas estiveram envolvidas na operação de silenciamento.
Em setembro de 2019, Bin Salman tinha declarado assumir “toda a responsabilidade” pelo assassinato de Khashoggi, reconhecendo que sua morte ocorreu enquanto ele estava no comando do reino, mas alegando desconhecer o plano, e dizendo não ter como controlar todas as atividades de seus três milhões de funcionários.
Relatório da ONU de 2019 considerara que Khashoggi “foi vítima de uma execução deliberada e premeditada, um homicídio extrajudicial pelo qual o Estado da Arábia Saudita é responsável, de acordo com as normas internacionais dos direitos humanos”.
O presidente norte-americano Joe Biden disse em uma entrevista que Washington anunciará em breve “mudanças significativas” em seu relacionamento com Riad e relatou conversa pelo telefone com o pai do príncipe herdeiro, o rei Salman bin Abdulaziz.
“Falei com o rei ontem. Deixei claro para ele que as regras estão mudando e que vamos anunciar mudanças significativas hoje e segunda-feira. Vamos responsabilizá-los por abusos de direitos humanos”, disse Biden.
Em paralelo ao relatório da CIA, o secretário de Estado Antony Blinken anunciou restrição de vistos a 76 sauditas por suposta ‘ameaça a dissidentes no exterior’, que é a primeira aplicação do recém-criado ‘Banimento Kashoggi’, que permitirá que Washington sancione estrangeiros que, ao seu entender, estejam perseguindo oposicionistas no exterior.
TRUCIDADO
Ex-editor de jornal saudita e ex-consultor do ex-chefe da inteligência do regime saudita, Khashoggi tivera desentendimentos com o príncipe MBS após a perda de poder de seus protetores em Riad, quando da reviravolta na sucessão no Reino, e terminara indo para os EUA, onde passara a escrever para o Washington Post.
Ele também articulava um portal sobre o Oriente Médio junto a círculos ligados ao Qatar, contra o qual Riad desencadeara um bloqueio e a quem acusava de tramar para substituir o atual regime wahabita por outro ligado à Irmandade Muçulmana.
Em 2018, houve insistentes rumores de que a CIA tinha gravações que implicavam diretamente o príncipe. Também a Turquia divulgou gravações dos últimos momentos do jornalista, que chocaram o mundo.
O trucidamento foi cometido por um esquadrão de sicários, dentro do Consulado saudita em Istambul, Turquia, enquanto a noiva aguardava na porta. Khashoggi havia sido atraído até lá porque precisava de uma certidão de divórcio para o novo casamento.
Inicialmente Riad negou tudo, mas diante do escândalo, o regime saudita se empenhou em uma operação abafa, com o então diretor-adjunto Asiri assumindo a responsabilidade, e a prisão dos sete sicários, que foram depois condenados à morte.
Mais tarde, os filhos de Khashoggi perdoaram – após gentilmente convencidos pelo regime – aos assassinos de seu pai, o que é permitido pela lei islâmica o que possibilitou que o tribunal reduzisse a pena dos sicários para entre 7 e 20 anos.
Segundo o porta-voz da Procuradoria, a reformulação das sentenças levou em consideração o “direito legal do perdão da família do assassinado” e são “definitivas e devem ser aplicadas”. Então, o tribunal já tinha absolvido por “falta de provas” Asiri, o conselheiro de MBS, Saud al Qahtani, e até o então cônsul saudita em Istambul, Mohamed Al Otaibi.
O relatório da CIA foi prontamente repudiado por Riad. “O governo da Arábia Saudita rejeita completamente a avaliação negativa, falsa e inaceitável do relatório sobre a liderança do reino e observa que o relatório continha informações e conclusões imprecisas”, disse em comunicado o Ministério das Relações Exteriores saudita.
O comunicado chamou ainda de “realmente lamentável” o fato de que o relatório haja sido publicado apesar de o Reino ter “denunciado claramente este crime hediondo” e o governo saudita ter tomado as medidas necessárias para garantir que “tal tragédia nunca vai acontecer de novo.” “O Reino rejeita qualquer medida que ameace sua liderança, soberania e a independência de seu sistema judicial”, conclui o texto.