Em audiência com a criança vítima de estupro, Joana Ribeiro Zimmer tentou coagiu a menina a não interromper a gestação e sugeriu que ela “escolhesse o nome do bebê” como presente de aniversário de 11 anos
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu um procedimento administrativo disciplinar para apurar a conduta da juíza Joana Ribeiro Zimmer, que impediu uma menina de 11 anos de fazer um aborto legal após ser vítima de um estupro e tê-la encaminhado a um abrigo para impedir que a família buscasse os órgãos de saúde para interromper a gestação.
Sete membros do CNJ assinaram uma representação contra a Joana Ribeiro Zimmer e tratam a audiência conduzida pela juíza como “escabrosa” e palco de violência institucional contra a menina.
O caso foi revelado pelo Portal Catarinas e pelo The Intercept Brasil na manhã de segunda-feira (20) e ganhou repercussão nacional ao longo do dia. Durante a audiência, a magistrada chegou a perguntar à criança, sem acompanhamento de uma psicóloga, se ela “suportaria ficar mais um pouquinho” grávida e se o “pai do bebê concordaria com a entrega para adoção”.
Zimmer também determinou que a criança fosse levada a um abrigo, sob a justificativa de que haveria “risco” da mãe efetuar “algum procedimento para operar a morte do bebê”.
Apesar de o aborto ser permitido em casos de estupro, durante a audiência, a juíza sugere que a menina aguente mais um pouco a gestação para que possa entregar o bebê à adoção.
A Corregedoria do Tribunal de Santa Catarina também analisa a conduta da juíza.
Segundo a nota publicada pelo TJ-SC no início da noite de ontem, o processo corre em segredo de justiça por envolver menor de idade, “circunstância que impede sua discussão em público”.
A sessão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Santa Catarina decidiu trabalhar no caso, em defesa da menina, para garantir a proteção dela.
Em nota, a OAB diz que enxerga a situação com preocupação e acompanhará todo o processo e os desdobramentos do caso para que a vítima receba apoio integral. “Incluindo o retorno ao convívio familiar e toda a assistência de saúde necessária”, ressaltou.
“Estamos buscando junto aos órgãos e instituições com atuação no caso todas as informações necessárias para, de forma incondicional, resguardarmos e garantirmos proteção integral à vida da menina gestante, com embasamento em laudos médicos e nas garantias legais previstas para a vítima em tais situações”, destacou a entidade.
Após ação da OAB, a Justiça de Santa Catarina determinou na manhã desta terça-feira, 21, que a menina volte a morar com a mãe. A informação foi confirmada pela advogada da família, Daniela Felix, no início da tarde. A defensora não deu detalhes sobre qual será decisão da família em relação ao aborto. O caso segue em sigilo.
CRIMINALIZAÇÃO DA VÍTIMA
A criança foi ao Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, acompanhada da mãe, dois dias após descobrir a gravidez, para fazer o aborto, mas os médicos não quiseram realizar o procedimento que, de acordo com as normas do hospital, é permitido apenas até a vigésima semana. A menina estava com 22 semanas e dois dias de gestação. A menina ainda tinha 10 anos quando procurou atendimento médico.
O hospital afirmou que para a realização do procedimento, seria necessária uma autorização judicial e o caso então foi encaminhado para a juíza Joana Ribeiro Zimmer, que marcou uma audiência com a menina no último dia 9.
A promotora do Ministério Público catarinense, da 2ª Promotoria de Justiça do município de Tijucas, ajuizou uma ação cautelar dois dias após a mãe e a menina irem ao hospital em busca de atendimento defendendo que a menina fosse encaminhada a um abrigo.
Mirela afirma no documento que a menina vítima de estupro deveria “permanecer [no abrigo] até verificar-se que não se encontra mais em situação de risco [de violência sexual] e possa retornar para a família natural”. Ainda assim, ela reconhece que o caso se trata de uma gravidez de risco: “Por óbvio, uma criança em tenra idade (10 anos) não possui estrutura biológica em estágio de formação apto para uma gestação”.
Em 1º de junho, a juíza fez um despacho dizendo que menina foi para o abrigo para ser protegida do abusador, mas que a sua permanência no local tinha outra motivação. “O fato é que, doravante, o risco é que a mãe efetue algum procedimento para operar a morte do bebê”.
A juíza ainda ligou a proteção da saúde da menina ao feto. “Situação que deve ser avaliada como forma não só de protegê-la, mas de proteger o bebê em gestação, se houver viabilidade de vida extrauterina”. Ela ainda afirma que manter o feto não causará danos à vida da criança. “Os riscos são inerentes à uma gestação nesta idade e não há, até o momento, risco de morte materna”, disse ela.
COAÇÃO
No dia da audiência, Zimmer perguntou à menina se ela desejava seguir com a gravidez. A menina disse que não e a juíza tenta convencê-la a dar continuidade na gestação. Ela alega que o objetivo é que o feto seja medicado para formar o pulmão completamente e prossegue: “Em vez de deixar ele morrer, porque já é um bebê, já é uma criança, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece, porque o Brasil não concorda com a eutanásia, o Brasil não tem, não vai dar medicamento para ele. Ele vai nascer chorando, não [inaudível] medicamento para ele morrer”, diz à criança.
“Qual é a expectativa que você tem em relação ao bebê? Você quer ver ele nascer?”, pergunta a juiza.
“Não”, responde a vítima.
“Você gosta de estudar?”
“Gosto”.
“Você acha que a tua condição atrapalha o teu estudo?”
“Sim.”
A juíza pergunta ainda se a menina gostaria de escolher o nome do bebê como presente de aniversário, já que faltavam poucos dias para a menina completar 11 anos.
“Você tem algum pedido especial de aniversário? Se tiver, é só pedir. Quer escolher o nome do bebê?”, diz a magistrada.
A menina responde:
“Não”.
E Zimmer continua:
“Você acha que o pai do bebê concordaria pra entrega para adoção?”, pergunta, ao falar do estuprador que abusou da criança.
“Não sei”, responde a menina, em voz baixa.
CRIANÇA AFASTADA DA FAMÍLIA
A mãe da vítima é chamada e deixa claro o desejo pelo aborto, mas a juíza oferece a opção de seguir com a gravidez e entregar o feto, quando formado, para a adoção.
“Hoje, há tecnologia para salvar o bebê. E a gente tem 30 mil casais que querem o bebê, que aceitam o bebê. Essa tristeza de hoje para a senhora e para a sua filha é a felicidade de um casal”, afirma a juíza.
A mãe da menina responde, aos prantos:“É uma felicidade, porque não estão passando o que eu estou”.
A mãe da menina então faz um apelo à juíza.
“Independente do que a senhora vai decidir, eu só queria fazer um último pedido. Deixa a minha filha dentro de casa comigo. Se ela tiver que passar um, dois meses, três meses [grávida], não sei quanto tempo com a criança… Mas deixa eu cuidar dela?”.
A menina foi levada para um abrigo no dia 9 de maio, logo após a audiência e agora está na 29ª semana de gestação.
Juíza promovida ‘por merecimento’
A juíza Joana Ribeiro Zimmer deixou o caso da menina e informou que foi transferida para a comarca de Brusque, no Vale do Itajaí. Ela aceitou uma promoção e o convite, segundo ela, foi feito antes da repercussão do caso.
Segundo a juíza, a promoção foi aceita na quarta-feira (15) e desde a sexta-feira (17) ela já estava fora do caso. Sem dar nomes, ela relatou que um juiz substituto assumiu a ação.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) confirmou a promoção na carreira da juíza no dia 15. A movimentação para o cargo de juiz de Direito da Vara Comercial da comarca de Brusque foi aprovada “por merecimento”, segundo TJ.