
Só pode ser coisa de miliciano: o sujeito – que ocupa a função de Presidente da República, que Deus tenha piedade da República – chega para a imprensa no sábado (15/06) e diz:
“Ele [Joaquim Levy] está com a cabeça a prêmio há algum tempo.”
Joaquim Levy era o presidente do BNDES, além de ex-ministro da Fazenda, ex-consultor do FMI, ex-economista-chefe do Bradesco, com pós-graduação na “universidade do Rockefeller”, isto é, na Universidade de Chicago, onde o ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, também obteve um certificado.
Portanto, alguém com credenciais impecáveis do ponto de vista do neoliberalismo – isto é, dos interesses do setor financeiro, como ele demonstrou como secretário do Tesouro de Palocci/Lula, secretário da Fazenda de Sérgio Cabral e ministro da Fazenda de Dilma.
No entanto, depois de Bolsonaro anunciar que sua cabeça estava a prêmio, ele se demitiu no dia seguinte, domingo, 16/06.
“Cabeça a prêmio”?
O que é isso? Um governo ou uma variante da Cosa Nostra?
Em suma, além de revelar, pelo seu linguajar, a base que realmente representa, Bolsonaro acha normal a chantagem como método de governo (se você não fizer isso ou aquilo, sua cabeça vai rolar, etc.).
Bolsonaro ainda deu um berro para uma jornalista que perguntou se ele estava demitindo o presidente do BNDES pela imprensa: “Você tem problema de audição?”.
Mas, além de miliciano, trata-se de um miliciano macartista:
“Levy nomeou Marcos Pinto para função no BNDES. Já estou por aqui com o Levy. Falei para ele: ‘Demite esse cara na segunda ou eu demito você sem passar pelo Paulo Guedes (ministro da Economia)’”.
Segundo Bolsonaro, o advogado Marcos Barbosa Pinto é petista. Por isso, não podia ser nomeado diretor de mercado de capitais do BNDES, por Levy. O advogado foi chefe de gabinete de Demian Fiocca, presidente do BNDES de 2006 a 2007, no governo Lula.
Não sabemos se o advogado é ou não do PT. Mas, e daí? Bolsonaro está exigindo atestado ideológico dos funcionários de carreira do governo, algo que não existe no Brasil há muito tempo. E não foi a primeira vez (v. HP 05/03/2019, “Carta branca” de Bolsonaro não permite nem que Moro nomeie suplente de Conselho).
Pode-se exigir de um funcionário que ele cumpra as diretrizes do governo. Se não cumprir, é justo demiti-lo, sobretudo se ocupa um cargo de confiança. Mas não é justo discriminar pessoas por motivos políticos e ideológicos.
Bolsonaro queria a demissão de Marcos Barbosa Pinto não por qualquer falha que ele tenha cometido ou por ser contra tal ou qual diretriz do governo para o BNDES.
Queria demiti-lo por mero preconceito e rancor.
Joaquim Levy, em sua carta de demissão, diz:
“Solicitei ao ministro da Economia Paulo Guedes meu desligamento do BNDES. Minha expectativa é que ele aceda.
“Agradeço ao ministro o convite para servir ao País e desejo sucesso nas reformas.
“Agradeço também, por oportuno, a lealdade, dedicação e determinação da minha diretoria. E, especialmente, agradeço aos inúmeros funcionários do BNDES, que têm colaborado com energia e seriedade para transformar o banco, possibilitando que ele responda plenamente aos novos desafios do financiamento do desenvolvimento, atendendo às muitas necessidades da nossa população e confirmando sua vocação e longa tradição de excelência e responsabilidade.
“Joaquim Levy”
Paulo Guedes se apressou a dizer que estava com Bolsonaro: “Existe sintonia. Eu entendo a angústia do presidente. É algo natural ele se sentir agredido quando o presidente do BNDES coloca na diretoria do banco nomes ligados ao PT”.
Alguém já disse que a característica mais repugnante que pode existir em um ser supostamente humano é o servilismo.
Com efeito. Mas não é só isso.
Segundo algumas fontes, Bolsonaro e Guedes estavam “querendo a cabeça” de Levy porque ele não abriu a “caixa preta” do BNDES, tão alardeada pelos dois mequetrefes.
O fato de que Levy não “abriu a caixa preta do BNDES” porque essa caixa preta não existe, não serviu de atenuante para colocar sua “cabeça a prêmio”. Levy, pelo jeito, teria que inventar uma caixa preta no BNDES para continuar no cargo.
O advogado Marcos Pinto pediu demissão pouco antes de Levy.
Os leitores sabem nossa opinião sobre Levy – e, também, sobre a gestão do PT no BNDES.
Não é favorável (essa é uma informação para novos leitores).
Mas, diante de Bolsonaro e Guedes – ou dos que, mesmo humilhados por Bolsonaro, parece que gostam disso – Levy e Pinto mostraram algo que esses não têm.
Não é um mérito – pelo menos não é um mérito extraordinário – deles. Ou seja, isso não é um elogio.
O anormal é o comportamento de Bolsonaro e de Guedes.
C.L.