Segundo o Instituto Imazon, desde o primeiro ano do desgoverno as taxas de desmatamento apresentam crescimento acelerado
A Amazônia registra o pior índice de desmatamento dos últimos 15 anos em 2022. Somente nos cinco primeiros meses do ano, a região amazônica perdeu 3.360 km² em apenas 151 dias. A área supera mais de 2 mil campos de futebol por dia de mata nativa e é a maior devastação dos últimos 15 anos para o período. No total, uma extensão três vezes maior que a cidade de Belém.
Os dados são do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), que monitora a floresta por imagens de satélite desde 2008, e mostram que apenas em maio, foram desmatados 1.476 km², o que representa 44% do acumulado do ano.
Em comparação com maio de 2021, quando foram destruídos 1.125 km², pior marca para o mês em 14 anos, a devastação subiu 31% em 2022. Desde 2019, primeiro ano do desgoverno, as taxas de desmatamento apresentam crescimento acelerado. O Inpe, que usa dados medidos pelo Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), disponibiliza a série histórica desde 1988.
“No atual governo a gente começou a ver uma guinada no desmatamento na Amazônia. Essa guinada já reflete, na verdade, todos os discursos que ele (Bolsonaro) fez para se eleger. Com o começo do governo, isso se concretizou”, afirma Larissa Rodrigues, gerente de portfólio do Instituto Escolhas, que conduz pesquisas sobre as atividades econômicas na Amazônia.
Apenas em maio, foram desmatados 1.476 km², o que equivale a 44% do acumulado do ano. Em comparação com maio de 2021, quando foram destruídos 1.125 km², pior marca para o mês em 14 anos, a devastação cresceu 31% em 2022, consolidando o recorde da destruição.
Para o coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia do Imazon, Carlos Souza Jr., a situação pode se agravar ainda mais nos próximos messes em função da seca e das eleições.
“Maio foi apenas o primeiro mês do período de seca na região, quando as ocorrências de desmatamento costumam se intensificar. Ainda temos mais todo o chamado ‘verão amazônico’ pela frente, que encerra entre setembro e outubro. Além disso, 2022 é um ano eleitoral, outro contexto que está relacionado com o aumento da devastação, pois as fiscalizações tendem a diminuir”, explica o pesquisador.
https://imazon.org.br/wp-content/uploads/2022/06/SAD-Maio-2022.pdf
EXPLOSÃO DO GARIMPO
Além dessas questões, a proliferação do garimpo na Amazônia é algo fator que preocupa. O problema, que atinge a região há décadas, teve um salto no governo Bolsonaro. Segundo dados do Inpe, o desmatamento provocado pela mineração na Amazônia saltou de 18 km² em 2015 para 121 km², quase sete vezes mais.
“Na Amazônia, a garimpagem causa problemas ambientais e sociais severos. A morfologia dos rios pode ser gravemente alterada pela escavação de trincheiras e labirintos. [..] A atividade também provoca poluição por mercúrio. Há uma estimativa de que para cada 1 kg de ouro produzido, 1,3 kg de mercúrio é emitido para o ambiente”, diz o estudo Impactos da Garimpagem de Ouro na Amazônia – parte 2, que contou com o apoio da National Geographic Society.
A questão ganha contornos mais fortes quando se trata da mineração exercida de forma ilegal. A atividade, praticada à revelia da lei, é uma das principais responsáveis pelo aumento do desmatamento, pela contaminação de rios e nascentes, principalmente pelo uso do mercúrio e, ainda, coloca em risco a sobrevivência das comunidades indígenas e ribeirinhas na região.
A Amazônia Brasileira, por exemplo, já conta com 20% do seu território desmatado, não apenas em consequência direta da mineração ilegal, mas também pelos outros fatores que estão atrelados a ela, como a ocupação consolidada e a alteração das dinâmicas territoriais em função do avanço do garimpo ilegal.
Levantamento do MapBiomas revela que em dez anos (de 2010 a 2020), “a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas cresceu 495%; no caso das unidades de conservação, o crescimento foi de 301%”.
Ainda segundo o MapBiomas, em 2020, a Amazônia concentrava 72,5% da área total minerária no Brasil, o que equivale a 149.393 hectares, ocupando o lugar de bioma que mais agrupava as atividades de mineração no país, principalmente a ilegal: 101.100 hectares, (67,6%).
DESTRUIÇÃO AMBIENTAL E HUMANA
Para pesquisadores de várias áreas, a postura do governo tem provocado destruição ambiental e humana. A violência, que é uma constante na região veio novamente à tona com o brutal assassinato do indiginesta Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Philips, neste mês. Violência que afeta especialmente as dezenas de povos indígenas que vivem na região. Lideranças têm sido ameaçadas e até assassinadas devido aos conflitos na região.
“Para o governo, o meio ambiente e os povos indígenas são obstáculos. Eles atrapalham o projeto político e econômico que se quer implementar a todo custo, independente dos estragos que isso cause para o Brasil e para o mundo”, avalia a antropóloga Leila Saraiva, doutora pela Universidade de Brasília e assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).
Dos nove estados da chamada Amazônia Legal, apenas um, o Amapá, registrou recuou de desmatamento durante o governo Bolsonaro. Na comparação entre 2018 e 2021, houve alta em todos os demais (Acre, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), que perdem vegetação de forma acentuada a cada ano.
O Pará, que desde 2006 lidera a onda de desmatamento, teve o índice quase que dobrado sob a atual gestão federal. Dos 2.744 km² desmatados em 2018, o valor subiu no ano passado para 5.238 km², o maior desde 2008 e correspondente a mais que o triplo da cidade de São Paulo.
O crescimento mais acentuado no período, porém, foi identificado no Amazonas, que saltou de 1.045 km² para mais que o dobro, 2.306 km². No ano passado, a devastação no estado superou a registrada em Mato Grosso, algo inédito na série histórica do Inpe.
“Mato Grosso foi, de fato, muito desmatado no passado, e em seguida esse eixo começou a subir para outros estados. Esse processo é iniciado com a exploração de madeira e consolidado com a pecuária. Se a política é desmatar tudo, depois não sobra mais o que desmatar”, afirma Larissa Rodrigues.
Dos nove estados da Amazônia Legal, só o Amapá registrou queda no governo Bolsonaro.
O afrouxamento nas medidas de fiscalização, o desmonte dos órgãos e agentes fiscalizadores, aparelhamento das instituições e cortes no orçamento para o combate ao desmatamento, fizeram explodir a violência na Amazônia nos últimos dez anos.
De 2012 a 2021, a região concentrou mais de 70% das mortes por conflitos fundiários no país. Segundo um levantamento da CPT (Comissão Pastoral da Terra), pelo menos 313 pessoas perderam a vida em disputas por terra na Amazônia. Os grupos mais atingidos, segundo os mesmos dados, foram povos indígenas (26% dos assassinados) e quilombolas (17%).
Ainda segundo outro relatório da CPT, ameaças de morte foram registradas contra 32 lideranças indígenas ou servidores públicos que atuam em defesa dos territórios. A maioria da lista é composta de cacicas e caciques de comunidades locais, mas há nomes com maior destaque no cenário mundial, como a ativista Txai Suruí, que tem discursado em defesa de povos indígenas em eventos internacionais.
A antropóloga Leila Saraiva, do Inesc, aponta que a mudança de atuação da Funai (Fundação Nacional do Índio) sob a atual gestão de Bolsonaro tem deixado as terras indígenas vulneráveis à violência.
“Os casos de violência que apareceram nos últimos anos, sejam de assassinatos ou ameaças a lideranças, são frutos de uma política institucional de desproteção das terras indígenas. As fronteiras têm sido totalmente desrespeitadas, o que por si só já é um risco à integridade física dos povos”, denuncia Saraiva.
DESMONTE DA FISCALIZAÇÃO
Sob o mando de Jair Bolsonaro a Funai foi transformada em uma fundação anti-indigenista, marcada pela não demarcação de territórios indígenas e a perseguição a servidores e lideranças. É o que aponta o dossiê Fundação Anti-indígena: um retrato da Funai sob o governo Bolsonaro, lançado na terça-feira (14) pelo Inesc e a Associação Indigenistas Associados (INA).
O documento de 210 páginas aponta que Bolsonaro paralisou a demarcação de territórios indígenas, persegue funcionários concursados e lideranças indígenas e militarizou a Funai numa proporção jamais vista na sua história. Das 39 Coordenações Regionais do órgão, apenas duas são chefiadas por servidores civis – outras 24 são coordenadas por oficiais das Forças Armadas e policiais militares ou federais.
No alto escalão, a diretoria é composta por dois policiais e um militar, além do presidente, Marcelo Xavier, que também é policial. Relatório mais recente da Funai, de 2020, revela que havia 2.300 cargos vagos e 2.071 profissionais em atuação, dos quais apenas 1.717 era.
“Com o dossiê, queremos registrar a magnitude do estrago que vem sendo operado nas entranhas da Funai”, declarou Fernando Vianna, presidente da Ina. “Em vez de proteger e promover os direitos indígenas, a atual gestão da Fundação decidiu priorizar e defender interesses não indígenas”, criticou Vianna.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) também é alvo do desmonte e ataques do governo da destruição. Em maio, data em que o órgão fez 33 anos de sua criação, servidores realizaram protesto em frente à sede do órgão, em Brasília.
Eles denunciam a precarização progressiva das condições de trabalho, a defasagem dos salários e das diárias pagas aos profissionais durante as operações em campo. Também criticaram o encolhimento do quadro de fiscais – 55% inferior ao que o Instituto detinha há 10 anos – e falta de condições básicas para realizar o trabalho, como acesso à internet e até a serviços de limpeza em unidades como a do Pará, por exemplo.
O Blog do jornalista Ricardo Noblat, no Metrópoles, destacou que, no governo atual, o número de processos administrativos contra funcionários do Ibama bateu recorde. Informa ainda que a corregedoria do Instituto quer um curso para “melhorar” o desempenho técnico dos servidores a fim de reduzir o número de processos contra servidores.
Enquanto defende uma espécie de ISO 9000 para “otimizar” a produtividade no Instituto, mais de 37 mil multas ambientais expedidas pelo órgão vão expirar em 2024 devido ao número reduzido do quadro de pessoal para atuar. De acordo com os servidores, a insuficiência “nas etapas de instrução e julgamento acabam por comprometer todo um trabalho de investigação e de mobilização da fiscalização”.
O documento, obtida pelo Fiquem Sabendo, agência de dados especializada no acesso a informações públicas, por meio da Lei de Acesso à Informação em abril, destaca também diz que “os infratores percebem que o risco de punição tempestiva é baixo e, por isso, vale a pena dar continuidade à utilização indevida dos recursos ambientais”.
Alvo de do desmonte e ataques contínuos pelo desgoverno, o Instituto de Tecnologia Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MTCI), vem sendo alijado de suas funções. Uma resolução publicada no Diário Oficial da União no dia 2, excluiu a participação de técnicos do Inpe na chamada Câmara Consultiva Temática que vai decidir o que pode ou não ser enquadrado como desmatamento e incêndios florestais
Há um ano, o governo federal decidiu excluir o órgão da atribuição de divulgar alertas sobre incêndios e queimadas em todo o país, passando essa função ao Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), ligado ao Ministério da Agricultura.
Perseguição e desrespeito aos servidores do órgão também tem se constituído em outra prática por parte do governo anticiência. Em 2019, o renomado físico Ricardo Galvão, reconhecido pelo primoroso trabalho científico que desenvolve há décadas no setor, foi exonerado do cargo de diretor do Inpe por Jair Bolsonaro, após defender os dados de desmatamento da Amazônia produzidos pela instituição.
Na época, Bolsonaro acusou os números do Inpe de serem mentirosos e insinuou que Galvão estaria “a serviço de alguma ONG”. Em resposta, o pesquisador refirmou a defesa da ciência produzida pelo instituto e seus pesquisadores, e afirmou que Bolsonaro tomou uma “atitude pusilânime e covarde”. Após duas semanas de enfrentamento e resistência, Galvão foi exonerado. Ele estava no Inpe desde 1970 e permaneceria à frente do órgão até 2020.