A professora e economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Lobato Gentil, falou em audiência pública, nessa terça feira (28), sobre os danos que a reforma da Previdência causará, em especial às mulheres. A audiência foi convocada pela Comissão Especial da Reforma da Previdência que discutiu os impactos da PEC 06/2019 sobre as mulheres trabalhadoras.
De acordo com Gentil, a situação atual de desemprego no país, que prejudica homens e mulheres, tem um efeito ainda mais devastador sobre a população feminina do país. Segundo a economista, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD Contínua) do 1º semestre de 2019 demonstra que, enquanto a taxa de desemprego entre os homens chega aos alarmantes 11%, entre as mulheres essa taxa chega a 15%, índice acima da média de 12,9% de desempregados. As mulheres também são maioria dentre as pessoas que ficam mais tempo fora do mercado de trabalho.
Com a incidência maior do desemprego sobre as mulheres, será praticamente impossível obter a aposentadoria integral, com a exigência da idade mínima de 62 anos mais os 40 anos de contribuição, como quer o governo. Para Denise, obter até mesmo o tempo mínimo, de 20 anos, já será bastante difícil.
Para demonstrar os efeitos profundamente nocivos às mulheres brasileiras, a professora recorreu a uma simulação feita com dados do Dataprev (Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social) com informações de todas as concessões de aposentadoria do período de 1995 a 2016.
“As mulheres que nas regras atuais conseguem aposentadoria por idade, ao alcançarem 62 anos, terão que trabalhar em média mais 5 anos para cumprir o tempo de contribuição de 20 anos. Isso assumindo que essas mulheres, aos 62 anos, contribuirão ininterruptamente nesses próximos 5 anos, o que é uma miragem, porque uma mulher com 62 não conseguirá esse patamar de trabalho. Assim, ela vai se aposentar aos 67 anos e só terá direito a 63,7% do valor médio do salário.”, argumenta.
“Agora, se ela não conseguir contribuir todos os meses desses próximos 5 anos, o caso mais comum, e, se ela contribuir pela média, que é, pelos dados do INSS, 4,7 parcelas de contribuição ao ano, essa mulher precisaria de 12 anos adicionais […] o que significa que ela vai se aposentar aos 74 anos de idade.”
Segundo Gentil, as mulheres trabalham por um tempo menor nas atividades formais. Apesar de estarem aptas e desejosas de trabalhar, não encontram trabalho em tempo que elas desejam. Elas são obrigadas a trabalhar menos. “Essas mulheres não conseguirão contribuir regularmente até acessar os 20 anos [mínimos] de contribuição.”, afirma.
“Dos 13 milhões de desempregados, 6,9 milhões ou 53% são mulheres. Dentre os 3,3 milhões de desempregados há mais de 2 anos, 2 milhões ou 63% são mulheres. As mulheres acabam voltando para casa, acabam numa situação de desalento. E voltam para casa porque tentam arranjar emprego, mas são as primeiras a serem excluídas do mercado de trabalho”, disse Gentil.
No atual contexto, “são exatamente as mulheres com maior escolaridade que possuem o maior índice de desemprego. Ou seja, não serão só as mulheres mais pobres que sofrerão com essa PEC. As mulheres de classe média com maior instrução também sofrerão com a reforma. […] Mais de 60% das mulheres desempregadas possuem instrução acima do nível médio.”, complementou.
INFORMALIDADE
Denise cita que, no caso das empregadas domésticas, por exemplo, na faixa etária dos 16 a 64 anos, “são 5,4 milhões de mulheres. Dessa, 3,8 milhões, ou 70% não têm carteira assinada. Do total das mulheres ocupadas, 13,5% são trabalhadoras domésticas”.
“O trabalho doméstico é o retrato das baixíssimas chances de se aposentar. Essas mulheres serão profundamente atingidas. Elas não alcançarão a Previdência.”, disse a professora da UFRJ.
PENSÕES REDUZIDAS
Ela denuncia ainda, ao falar das mudanças da PEC sobre as pensões por morte, que os impactos serão severos sobre as mulheres à medida que estas ficam mais tempo fora do mercado de trabalho e, por conseqüência, acabam por depender da renda do homem e, quando esse homem falece, passa a depender da pensão deixada por ele para sustentar seus filhos.
“A PEC reduz a pensão a 60% mais 10% para cada dependente, correndo risco dessa pensão ser inferior ao salário mínimo. Quando se sabe que essa é a situação macroeconômica do país, que condena as mulheres há muito mais tempo de desemprego.”, disse Denise.
BENEFÍCIO SAQUEADO
Ainda segundo Denise, “a grande maioria dos aposentados, em torno de 75% em geral, receberão abaixo de 70% de todos os salários de contribuição. Dificilmente um trabalhador brasileiro superará os 70% [caso a PEC seja aprovada]”.
Denise defende que é necessário um crescimento de produtividade de apenas 0,7% ao ano, para manter o equilíbrio das contas e garantir a Seguridade Social. “Não é preciso empobrecer as mulheres, não é preciso condenar os negros e as negras à ausência do benefício […] era preciso uma política industrial mínima que assegurasse 0,77% do crescimento da produtividade”.
“Diminuir a renda e o acesso à aposentadoria é condenar as pessoas à morte”, completou.
MITOS
A economista ressaltou que o governo propaga mitos para conseguir obter apoio da população. “Há no debate muitos mitos e o primeiro mito é o de que temos um rombo fiscal na Previdência, de R$ 227 bilhões atualmente, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), e assim deveríamos fazer o ajuste fiscal”.
A economista apontou que de 2005 a 2015, houve superávit na Seguridade Social, que “para valores de 2016, chegou a R$ 957 bilhões”.
No entanto, a partir de 2016, com a profunda crise que assolou o país, a Previdência sofreu um impacto nas arrecadações devido à queda do emprego formal e o aumento da informalidade. Em vez de uma política de recuperação de emprego, a saída do governo foi tirar ainda mais os direitos e benefícios dos trabalhadores. É esse o objetivo quando tenta impor uma idade mínima e o aumento do tempo de contribuição, para dificultar cada vez mais o acesso à aposentadoria.
“Quando a Previdência começa a ter receita menor do que o gasto, a partir de 2016, nós recebemos a mais dura e cruel reforma da Previdência que já foi proposta. De fato um desacato aos brasileiros por que transformou os idosos num empecilho ao progresso, num entrave ao desenvolvimento econômico. Transformou em seres abrasivos que precisam ser descartados. É assim que se sentem 30 milhões de pessoas no país que recebem benefício da Previdência. Como seres fardos da sociedade, quando na verdade sempre contribuíram para um sistema que gerou superávits gigantescos durante 15 anos, seja diretamente, seja indiretamente.”
EMPRESAS DEVEDORAS
Gentil lembra ainda que o governo não diz que diversas empresas devem para Previdência Social mais de R$ 427 bilhões, sem contar com as empresas que já fecharam, e que estão brigando para não pagar. Desse modo, “se o governo cobrasse de maneira efetiva essa dívida, nós não estaríamos falando nesses déficits enormes que se dizem existir.”
DESONERAÇÕES E DRU
“Outra coisa, desonerações fiscais: R$ 283,4 bilhões em 2018. Se esse sistema é deficitário, por que o Estado permanece desonerando? Isso é uma contradição, um delírio fiscal!”, exclama a professora. “O Estado precisa se decidir, ou esse sistema é superavitário e pode renunciar a R$283,4 bilhões de receita, ou esse sistema é deficitário.”, completou.
“As sonegações chegam a R$500 bilhões de reais por ano. As Desvinculações de Receita da União (DRU) são R$ 100 bilhões por ano. Esse sistema é deficitário só no papel, porque não lhe faltam receitas para entrarem na planilha. Números que são obscurecidos do saber popular que precisam ser desnudados.”, disse a professora da UFRJ.