Autores chamam a atenção para as medidas que devem ser tomadas pelas autoridades para garantir a volta às aulas com segurança
A pesquisa realizada pelos professores Alessio Fasano e a médica Lael Yonker, ambos do Hospital Geral de Massachusetts, que integra a Escola Médica de Harvard, sobre a infecção pelo Sars-CoV-2 em crianças, revelou um resultado que chamou a atenção da comunidade científica para uma possível subestimação até aqui do potencial de disseminação do novo coronavírus pelas crianças.
O estudo, que teve o apoio de instituições como o Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC), órgão do governo americano, e o Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas, avaliou 192 pessoas entre 0 e 22 anos, dos quais 49 testaram positivo para a Covid-19. Ao todo, 53% deles estavam frequentando a escola. Outros 18 deram entrada na unidade com a chamada Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P), uma complicação da Covid-19 em crianças.
Os pesquisadores encontraram níveis de carga viral do Sars-CoV-2 mais altos nas vias respiratórias de crianças nas fases iniciais da doença do que nas de adultos internados em unidades de terapia intensiva. Do total de crianças estudadas, 27% das que testaram positivo para a Covid-19 por meio do teste RT-PCR, tinham uma comorbidade específica – a obesidade. Nenhuma delas tinha doenças cardíacas, pressão alta ou diabetes, doenças que configuram grupos de risco.
O estudo revelou também que, em média, a maioria dos que contraíram a doença no grupo tinham entre 11 e 16 anos, embora, conforme os dados divulgados, a doença não tenha poupado nem mesmo bebês com menos de um ano. Já a SIM-P afetou primordialmente aqueles entre 1 e 4 anos de idade. No caso da síndrome, a obesidade não pareceu desempenhar um papel importante.
Acreditava-se que o número reduzido de receptores do coronavírus – a chamada proteína ACE2, pela qual a proteína spike do Sars-CoV-2 entra nas células humanas – nas crianças levaria a uma menor carga viral, mas o estudo de Alessio Fasano e Lael Yonker quebra esta correlação e alerta que elas podem ser mais contagiosas independentemente da suscetibilidade à Covid-19.
Em entrevista ao “O Globo”, publicada nesta quinta-feira (20), os dois pesquisadores disseram que as crianças podem transmitir a doença. “Baseado nessa abordagem epidemiológica, chegamos à conclusão de que a pandemia da Covid-19 parecia se disseminar pela infecção de adultos. A partir da testagem de crianças que viviam em áreas com grandes taxas de contágio, em contato com pessoas que contraíram a doença ou apresentaram sintomas gripais, conseguimos demonstrar que crianças podem se infectar tanto quanto adultos e ter uma carga viral alta”, afirmaram os autores.
“Se precauções adequadas não forem adotadas quando os alunos voltarem à escola, as crianças podem causar a próxima onda da pandemia de Covid-19”, alertaram Fasano e Lael. “Nosso estudo demonstra que o monitoramento de sintomas, incluindo a checagem de temperatura, não são confiáveis para identificar a doença em crianças”, acrescentaram os entrevistados.
EDUARDO COSTA
O epidemiologista e professor Eduardo Costa, da Fundação Osvaldo Cruz, ouvido pelo HP, afirmou que o resultado do trabalho, apesar de avaliar um numero pequeno de crianças, revela que o mais importante neste momento é a discussão sobre que medidas devem ser tomadas para que as escolas possam estruturar uma vigilância epidemiológica efetiva em suas instalações.
Segundo ele, isso é fundamental para que se possa discutir de maneira responsável a volta às aulas. O que se deve fazer para manter sob controle a transmissão da doença é a vigilância efetiva. Para o professor Eduardo, estes são os desafios do momento. Ou seja, definir quais são as medidas que devem ser tomadas para estruturar a vigilância efetiva nas escolas.
As preocupações do especialista brasileiro são as mesmas dos autores do trabalho norte-americano. As medidas preventivas devem contemplar a testagem rígida e frequente de todos os alunos, acompanhado do uso obrigatório de máscaras, uma rotina regrada de higienização das mãos, o distanciamento social, a limitação de aglomerações e a adoção de um sistema híbrido, que mescle aulas presenciais e remotas.
A visão de que crianças transmitiriam menos a doença pesou na decisão de se reabrir escolas em diferentes países. Alguns deles tiveram experiências bem sucedidas, como a Alemanha e a Dinamarca, enquanto outros viram novos surtos eclodirem após falhas nas medidas sanitárias de prevenção, como Israel.
A descoberta, afirmam os autores, indica que, se não forem tomadas as devidas medidas de segurança, o retorno às atividades pode se tornar um vetor de transmissão do coronavírus dentro e fora dos muros da escola, afetando funcionários, professores e a família dos estudantes.
A testagem massiva para avaliação de carga viral, através do exame RT-PCR, é um desafio, especialmente no Brasil. Segundo levantamento do site Worldometer, que compila diferentes bases de dados ao redor do globo, o país figura na 68ª posição no índice de testes por milhão de habitantes.
O desempenho é pior do que países vizinhos como Chile e Peru e até de outros criticados pela condução da crise, como a Bielorrússia e a Rússia. A ampliação da capacidade de testagem é uma condição necessária para a montagem de sistemas de vigilância eficazes, não só nas escolas, mas também nas comunidades.
SÉRGIO CRUZ