Pelo conteúdo dos requerimentos, o governo federal vai ser devassado. Membros e ex-membros do primeiro escalão da República terão que explicar o que fizeram ou não fizeram para o Brasil ter chegado nessa tragédia pandêmica
Instalada na terça-feira (27), a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Senado, cujo propósito é investigar a calamidade sanitária e de saúde pública com o recrudescimento da pandemia de Covid-19 e as ações e inações do governo na gestão da virose que acomete o Brasil e o mundo iniciou os trabalhos. O colegiado investigativo volta a se reunir nesta quinta-feira (29) para definir o cronograma de trabalho e as linhas investigativas.
Nessa segunda reunião, o colegiado vai analisar o plano de trabalho que deve ser proposto pelo relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL). Na reunião de terça-feira (27), o parlamentar antecipou alguns encaminhamentos que pretende sugerir para as investigações. Renan defende, por exemplo, a convocação do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e dos três antecessores: Eduardo Pazuello, Nelson Teich e Luiz Henrique Mandetta.
Renan anunciou ainda que pretende solicitar informações sobre contratações e tratativas para a aquisição de vacinas, além de todas as regulamentações do governo federal para temas como isolamento social e quarentena. Ele afirmou também que deve solicitar registros do Poder Executivo sobre medicamentos sem eficácia comprovada e “tratamentos precoces”, o chamado “kit Covid”.
PLANO DE TRABALHO DEFINE CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO
O plano de trabalho ainda não foi divulgado oficialmente. O relator pretende incluir no texto sugestões apresentadas por outros integrantes da CPI da Pandemia, como Alessandro Vieira (Cidadania-SE), Eduardo Girão (Podemos-CE), Humberto Costa (PT-PE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
“Eu queria combinar para darmos um prazo para que quem quiser apresentar propostas para um plano de trabalho possa fazê-lo. Para que, eventualmente, não pareça que essa é uma proposta do Alessandro ou do Randolfe ou do Renan ou do Humberto Costa apenas.”
“Tudo aqui será votado pela maioria, e eu, à medida que o trabalho avançar, serei cada vez menos um relator monocrático, porque quero ser um sistematizador, um redator de tudo que evidentemente se discute aqui”, disse Renan Calheiros na última terça-feira depois da reunião.
REQUERIMENTOS
Nessas primeiras 24 horas de efetividade da investigação, a CPI recebeu 176 requerimentos — 58 desses para a convocação de testemunhas. Além dos quatro ministros da Saúde que atuaram durante a pandemia de coronavírus, há requerimentos para a convocação de outros três auxiliares do presidente Jair Bolsonaro: Paulo Guedes (Economia), Marcos Pontes (Ciência, Tecnologia e Inovações) e Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União). E também pedidos de informação a órgãos públicos.
Se os requerimentos forem aprovados, Paulo Guedes deve ser ouvido sobre o auxílio emergencial e outras medidas econômicas de contenção da pandemia. Marcos Pontes será chamado a falar sobre o desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19, enquanto Wagner Rosário deve depor sobre o eventual desvio de recursos transferidos pela União para Estados e municípios.
Os senadores apresentaram ainda requerimentos para ouvir o ex-secretário especial de Comunicação Social da Presidência da República, Fabio Wajngarten. Em entrevista à revista Veja, ele afirmou que houve “incompetência” e “ineficiência” de gestores do Ministério da Saúde para negociar a compra de vacinas.
Outros requerimentos sugerem a convocação do ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, para esclarecer o processo de aquisição de insumos e vacinas no mercado internacional. Os parlamentares apresentaram ainda pedido para a convocação do ex-comandante do Exército, general Edson Pujol. Durante a gestão dele, o Laboratório do Exército intensificou a produção de cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada contra a Covid-19, mas amplamente difundido pelo governo, sob a liderança de Bolsonaro.
Outro nome que aparece entre os requerimentos de convocação é o do ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal). Em março do ano passado, ele decidiu que governadores e prefeitos podem adotar medidas para o enfrentamento do coronavírus — assim como o presidente da República.
Este fato tem sido usado por Bolsonaro e o governo de modo geral como desculpa para justificar conflitos com governadores e prefeitos, sob a falsa e mentirosa alegação de que a decisão do Supremo impediu o governo de atuar no combate à pandemia.
O diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antônio Barra Torres, também figura entre os potenciais convocados. Ele deve falar sobre ações de vigilância e mapeamento da pandemia; promoção de tratamentos ineficazes; falhas no planejamento de fornecimento de insumos básicos como oxigênio e medicamentos; e atraso e omissão para a compra de vacinas.
Requerimento à Presidência da República solicita informações sobre os deslocamentos do presidente Jair Bolsonaro pelo comércio de Brasília e pelo Entorno do Distrito Federal desde março do ano passado. Além de datas e locais frequentados, a planilha deve informar todas as “autoridades envolvidas” nas movimentações.
GOVERNISTAS
Os quatro senadores governistas na CPI — os “cavaleiros do apocalipse” — miram a ação, principalmente, em relação a contratos referentes a estados e municípios e medidas de tratamento precoce.
Eles — Ciro Nogueira (PP-PI), Eduardo Girão (Podemos-CE), Marcos Rogério (DEM-RO) e Jorginho Melo (PL-SC) —, não estão na comissão para investigar, estão para atrapalhá-las. A linha de trabalho deles será diversa ao do escopo oficial do colegiado.
Irão buscar caminhos para tentar dispersar as atenções do caos sanitário que o presidente da República promoveu e promove, na medida em que não ter comprado os imunizantes a tempo produziu um morticínio, que está perto de 400 mil óbitos e pode chegar a 500 mil e junho.
Eles anunciaram que irão ao STF questionar a indicação do senador Renan Calheiros (MDB-AL) como relator da CPI.
DESVIO EM ESTADOS E MUNICÍPIOS
O suposto desvio de recursos repassados pela União a Estados e municípios é tema de série de requerimentos de convocação e pedidos de informação. Os senadores sugerem a oitiva do diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Maiurino. Se o requerimento for aprovado, ele deve expor detalhes de 76 operações realizadas para investigar desvios de R$ 2,1 bilhões em contratos firmados por Estados e municípios no enfrentamento à pandemia.
Também devem ser convocados para discutir o assunto representantes do Fórum dos Governadores e do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, além do prefeito de Manaus (AM), David Almeida, e do secretário de Saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo.
O assunto também é objeto de requerimentos de informação ao TCU (Tribunal de Contas da União), ao MPF (Ministério Público Federal), aos governos dos 26 estados e do Distrito Federal e às prefeituras de todas as capitais e municípios com até 200 mil habitantes. Também devem prestar informações sobre o tema as diretorias-gerais de Polícia Civil, as procuradorias-gerais de Justiça e os tribunais de contas dos 26 estados e do Distrito Federal.
M. V.
Com informações da Agência Senado