A ação do governo foi um tiro no pé. Ao invés de intimidar os congressistas causou repulsa da maioria dos parlamentares, que reagiu com posicionamento oficial da comissão de inquérito
O presidente da CPI da Covid-19, senador Omar Aziz (PSD-AM), abriu a reunião, desta terça-feira (10), da comissão com a leitura de nota oficial em protesto contra o desfile de blindados da Marinha realizado na Esplanada dos Ministérios no mesmo dia em que a Câmara vai votar a proposta (PEC) do voto impresso.
Conforme o documento — que inicialmente foi assinado apenas por Aziz foi transformado em nota oficial da CPI —, o presidente Jair Bolsonaro imagina demonstrar força, mas evidencia fraqueza de alguém que está acuado por investigações de corrupção e pela incompetência administrativa que provoca mortes, fome e desemprego em meio a pandemia sem controle.
“Todo homem público, além de cumprir suas missões constitucionais, deveria ter medo do ridículo, mas Bolsonaro não liga para nenhum desses limites, como fica claro na cena patética de hoje, que mostra apenas uma ameaça de um fraco, que sabe que perdeu”, disse Aziz.
Ainda conforme a nota, o chefe do Executivo criou encenação, coreografia, para mostrar que tem o controle das Forças Armadas e que pode fazer o que quer no país, o que é “um absurdo inaceitável”.
MAIOR PERÍODO DEMOCRÁTICO
Omar lembrou que o Brasil vive o maior período democrático da história: desde 1985 convivendo com eleições livres, independência dos Poderes e instituições fortes. Ele disse que defender golpe não é aceitável, e defender o fim da democracia exige punição com o rigor da lei.
“Não haverá voto impresso, não haverá qualquer tipo de golpe contra a nossa democracia porque as instituições, com o nosso Congresso à frente, não deixarão que isso aconteça”, afirmou.
INTIMIDAÇÃO
A leitura da nota oficial foi seguida pela manifestação de outros 15 senadores antes de a CPI ouvir o tenente-coronel da reserva Helcio Bruno de Almeida, presidente da ONG Instituto Força Brasil. Para a maioria dos senadores do colegiado, a demonstração da Marinha foi vista como tentativa de intimidação, pois ocorreu no mesmo dia em que a Câmara dos Deputados deve optar pela rejeição da proposta do chamado voto impresso, defendida por Jair Bolsonaro.
Falando em nome do MDB, o senador Eduardo Braga (AM) destacou que o Brasil é a terceira maior democracia do mundo, atrás apenas da Índia e dos Estados Unidos, e lembrou que o desfile de blindados ocorreu no mesmo dia também que o Senado vai votar revogação da Lei de Segurança Nacional.
“Eu fico com a democracia e com a Constituição que diz que todo poder emana do povo e em nome do povo será exercido. O MDB não poderia deixar de lembrar Ulisses Guimarães e dizer que a Constituição é farol que há de guiar a democracia brasileira”, acrescentou.
O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), classificou de patética e demonstração de fraqueza do presidente na ação de hoje.
“O [desfile] de hoje foi feito para esconder e desviar atenção para o que realmente importa: o balcão de negócios que foi transformado o Ministério da Saúde e os esquemas de corrupção que esta CPI está descobrindo.”
“Mas a resposta vai vir hoje com a rejeição do voto impresso. O brasileiro quer é retomada econômica, vacina no braço e inflação contida. Quero acreditar que as Forças Armadas são leais ao seu povo e à nação e não a qualquer inquilino de plantão do Palácio do Planalto”, opinou Randolfe.
CONGRESSO NÃO VAI RECUAR DIANTE DE AMEAÇAS
Os senadores Humberto Costa (PT-PE), Otto Alencar (PSD-BA) e Rogério Carvalho (PT-SE) destacaram não ser a primeira vez que o presidente Jair Bolsonaro se utiliza do cargo para tentar intimidar os parlamentares.
Só que a estratégia, na opinião deles não vai funcionar, pois o Congresso não vai recuar diante de ameaças. Eles cobraram também melhor atuação do governo para melhorar a situação do País.
“Ele deveria se preocupar com a inflação, com as pessoas que perderam a vida na pandemia e em gerar emprego e renda para 15 milhões de desempregados. Mas nada disso o comove. Apenas se preocupa em proteger seu mandato fazendo campanha antecipada”, avaliou Otto Alencar.
Eis a íntegra da nota oficial:
Enquanto abrimos esta importante sessão da CPI, o Brasil passa por um momento grave. Aqui do nosso lado, no Eixo Monumental [Esplanada dos Ministérios], o Presidente Jair Bolsonaro comanda um lamentável desfile de blindados das Forças Armadas em uma clara tentativa de intimidar Parlamentares e opositores.
Bolsonaro imagina, com isso, estar mostrando força, mas, na verdade, está evidenciando toda a fraqueza de um Presidente acuado pelas investigações de corrupção, inclusive desta CPI, e pela incompetência administrativa, que provoca mortes, fome e desemprego em meio a uma pandemia sem controle.
O Presidente cria uma encenação, uma coreografia para mostrar que tem o controle das Forças Armadas e pode fazer o que quiser com o País. É um absurdo inaceitável. Não é um teatro sem consequências, mas um ataque frontal à democracia que precisa ser repudiado.
O papel das Forças Armadas é defender a democracia, não a ameaçar. Desfiles como este serviriam para mostrar força para conter inimigos externos que ameaçassem a nossa soberania, o que não é o caso neste momento. As Forças Armadas jamais podem ser usadas para intimidar a sua população, seus adversários, atacar a oposição legitimamente constituída. Não há nenhuma previsão constitucional para isso.
O Brasil vive o maior período democrático de sua história desde 1985.
Temos eleições livres, instituições fortes e independentes dos Poderes. Bolsonaro não tem o direito de usar a máquina pública para ameaçar a própria democracia que o elegeu. Em apenas dois anos e meio de mandato, Bolsonaro colocou o País nessa situação vexatória; degradou as instituições e rebaixou as Forças Armadas, formadas, em sua grande maioria, por homens sérios e honrados, como pude presenciar de perto no meu Amazonas.
Todo homem público, além de cumprir suas funções constitucionais, deveria ter medo do ridículo, mas Bolsonaro não liga para nenhum desses limites, como fica claro nessa cena patética de hoje, que mostra apenas uma ameaça de um fraco que sabe que perdeu.
Não haverá voto impresso, não haverá nenhum tipo de golpe conta a nossa democracia. As instituições, Congresso à frente, não deixarão que isso aconteça. A democracia tem instrumentos para defender a própria democracia contra arroubos golpistas. Agressões à Constituição não são legítimas. Defender golpe não é aceitável. E defender o fim da democracia precisa ser punido com o rigor da lei. Nós, os democratas, estamos aqui a postos para defender a democracia e o nosso País com os instrumentos que a Constituição nos confere.